“Inflação”, a palavra que domina o noticiário econômico há meses, se resume a um movimento de alta de preços de bens e serviços que diminui o poder de compra da moeda.
Em 2021, esse fenômeno se espalhou pelo mundo a ponto de se falar de uma “inflação global”, consequência da pandemia de Covid-19. A ideia ganhou força no fim do ano passado, principalmente devido aos recordes da taxa nos Estados Unidos, maior economia do mundo – e potencial desencadeador de um efeito cascata mundial.
Os norte-americanos, com histórico relativamente livre de crises como essa, viram o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) subir 7% em 2021, maior alta desde 1982. Os millennials mais novos, que agora estão na casa dos 30, viveram em mundo com certa estabilidade nos preços, com uma oscilação anual da inflação na faixa de 1,6% a 3,4% desde 1991 (o pico foi 4,1%, em 2007).
Na Europa, o índice de preços chegou a 5,1%, segundo o Eurostat, órgão oficial de estatísticas da União Europeia. É o maior valor desde o início da série histórica, em 1997.
O Brasil, por sua vez, já está mais que familiarizado com as disparadas dos preços – mas não por isso foi poupado da tendência. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulou aumento de 10,06% em 2021, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Quem quiser tomar um cafezinho hoje, por exemplo, terá que enfrentar valores 34% mais altos. Se quiser adoçar, pior ainda: o açúcar refinado subiu 47,8% no último ano.
Afinal, por que estamos vendo taxas de inflação acima da média ao redor do mundo todo?
Economistas apontam a conhecida lei de oferta e demanda como principal culpada pelo fenômeno global. As medidas restritivas adotadas para conter a disseminação do coronavírus levaram a uma queda na produção e a problemas nas cadeias de fornecimento, o que por sua vez diminuiu a disponibilidade de itens nas prateleiras.
Ao mesmo tempo, a demanda da população cresceu impulsionada por programas de auxílios governamentais, e, em um segundo momento, pela reabertura das economias viabilizada pelas campanhas de vacinação.
“A persistência de disrupções das cadeias produtivas, que causou um descompasso entre oferta e demanda, mostra que essa inflação veio para ficar, pelo menos durante 2022”, diz Juliana Inhasz, professora de economia do Insper.
A especialista em macroeconomia compara a situação atual aos períodos pós-guerra do século 20, quando países do mundo inteiro adotaram políticas econômicas de expansão monetária.
Inflação lá fora
Na Europa, o aumento dos preços é impulsionado principalmente pelo encarecimento da energia. O fechamento das centrais a carvão e nucleares, juntamente com a crise entre Rússia e Ucrânia (de onde vem grande parte do gás natural que abastece o continente), estrangulou a oferta.
A alta da eletricidade, do gás e do petróleo provoca um efeito dominó em outros setores, como alimentos e transportes.
Já nos Estados Unidos, os responsáveis são os preços de aluguéis e bens que se tornaram escassos durante a pandemia, como veículos. Em 2021, o valor de carros usados acumulou alta de 40%.
O caso brasileiro, apesar de estar inserido no contexto global que tem causado inflação em diversos países, tem suas particularidades.
“Muito embora haja nuances, é importante ressaltar que, nos processos dos países ricos, o poder de compra aumentou. No Brasil, não”, afirma Juliana Inhasz, do Insper.
Simão Davi Silber, professor de Economia Internacional na FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo), chama atenção para o custo Brasil.
“Sofremos das mesmas dificuldades provocadas pela pandemia, mas há um azedume a mais devido ao risco político do país. A agenda liberal do governo e suas promessas de campanha ficaram só no tinteiro”, diz ele.
O tamanho da inflação brasileira também destoa daquela registrada nos EUA e na Europa. A alta dos preços por aqui foi o dobro da média dos países do G20 (5,2% em 2021). Ficamos atrás apenas da Argentina (51,2%) e da Turquia (21,31%), que vivem crises políticas há anos.
A economia brasileira enfrenta ainda a desvalorização do real. Em 2019, a moeda norte-americana era negociada próxima a R$ 4,00. Ela fechou o ano de 2020 em aproximadamente R$ 5,19, e 2021, em R$ 5,57 – o quinto ano seguido de queda.
“A pandemia de Covid-19 aumentou o risco de investimento em um país como o Brasil e afugentou capital estrangeiro”, explica Silber.
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O real também perde a briga contra o petróleo, que tem registrado altas persistentes devido à demanda represada pela pandemia. Além do aumento da commodity, o avanço do dólar também contribui para a alta dos combustíveis e do gás de cozinha, já que o câmbio é uma das variáveis utilizadas pela Petrobras para definir os preços brasileiros.
Além dos combustíveis, a energia também ficou mais cara em 2021. A matriz energética brasileira é dependente de água – ano passado o país viveu a pior crise hídrica dos últimos 90 anos. Em resposta, foi criada uma tarifa quase 50% mais cara que a bandeira vermelha, a mais alta praticada até então no mercado regulado. Em efeito cascata, o custo incidiu sobre outros setores da cadeia produtiva.
Também houve uma estiagem sem precedentes que levou a perdas financeiras de R$ 36,14 bilhões apenas para produtores gaúchos. A queda da produção fez subir o preço dos alimentos, que já sofriam com os aumentos da energia, do petróleo e das commodities. O Índice de Preços de Alimentos avançou 28% em 2021.