Uma condicionante estabelecida pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) na aprovação da compra de fatia majoritária da Gaspetro pela Compass, que veda a atuação da empresa no transporte de gás, pode impactar planos da companhia do grupo Cosan sobre o projeto Subida da Serra, indicou um conselheiro do órgão antitruste à Reuters hoje (23).
Isso porque ainda há uma discussão se o gasoduto Subida da Serra de 31,5 km — entre o porto de Santos e um Terminal de Regaseificação de GNL de São Paulo — é de transporte ou de distribuição.
Na véspera, o Cade aprovou a compra de 51% da Gaspetro pela Compass sem restrições, mas condicionou a transação a duas medidas: a proibição à empresa (ou outras a ela coligadas) de atuar nos elos de exploração, produção e transporte; e o cumprimento do pacote de venda de parte das 18 distribuidoras de gás canalizado da Gaspetro.
O conselheiro Gustavo Augusto de Lima e outros conselheiros demonstraram preocupação em relação ao projeto da Compass Subida da Serra, visto que há uma divergência entre a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e a Asesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) quanto à classificação do empreendimento.
A ANP considera o empreendimento como de transporte, enquanto a agência paulista afirma que é de distribuição.
No final de janeiro, a ANP pediu à AGU (Advocacia Geral da União) que avaliasse a possibilidade de acionar o STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o caso, o que ainda não foi feito.
Na última segunda (20), a Arsesp recebeu um ofício do diretor Fernando Alves, da ANP, com uma proposta de acordo, que está sendo analisada, segundo a agência paulista.
Segundo o conselheiro Lima, se não houver acordo entre as agências e o STF decidir que o gasoduto é de transporte, a Compass terá que decidir se vende o Subida da Serra ou as distribuidoras de gás nas quais detém participação.
“Se a empresa não faz essa alienação de ativos ou amanhã ou depois a empresa decide atuar no setor de transportes, o Cade pode entender que o TCC não foi cumprido e determinar que seja desfeita a operação”, afirmou Lima.
“Esse seria o cenário mais extremo. Mas o mais natural seria uma revisão parcial da operação”, acrescentou o conselheiro.
Com a operação aprovada pelo Cade, a Compass passará a ter participação em 18 distribuidoras de gás natural, reforçando sua atuação no setor. Ela já detém a Comgás, em São Paulo, e a Sulgás, no Rio Grande do Sul. Os 49% restantes da Gaspetro pertencem à japonesa Mitsui.
Vendas sem prazo
A venda de 12 das 18 distribuidoras que a Compass passará a deter com a aquisição da Gaspetro foi uma proposta feita pela própria empresa.
Durante a votação do ato de concentração, os conselheiros chegaram a considerar necessário fixar um prazo de três anos para esse cumprimento.
Segundo Gustavo, porém, o voto que será publicado não vai determinar prazo e nem a obrigatoriedade de todas as 12 distribuidoras serem vendidas.
“Vamos supor que não se vendam 12, e sim dez porque as outras duas não tiveram interessados. O Cade pode rever ou não a operação. É uma faculdade do Cade. Ele pode observar os dados econômicos e concluir que não houve concentração”, disse Gustavo.
A ausência de prazo é para não repetir o que aconteceu com o Termo de Compromisso de Cessação firmado entre o Cade e a Petrobras, em 2019. O acordo previu que a petroleira deveria vender 8 de 13 refinarias até o final de 2021, mas até hoje só houve a venda de quatro.
A opção do conselho por medidas “condicionantes” em vez da aprovação com restrições pegou de surpresa as associações de consumidores e do setor de gás natural que recorreram durante o processo.
Marcelo Godke, advogado especialista em direito empresarial e professor de direito do Insper, explica que as restrições são impeditivas, enquanto as condicionantes ou premissas, não.
“Tecnicamente falando, a restrição é não permitir que a operação seja feita plenamente como foi proposta. Nesse caso, não é uma condição de eficácia, mas de permissão”, disse Marcelo.
Para o presidente da presidente executivo da Abividro (Associação Brasileira das Indústrias de Vidro), Lucien Belmonte, as premissas não terão o efeito que teriam se fossem restrições.
Ele afirma que a forma como a aprovação aconteceu vai na contramão da abertura do mercado.
“Não foram bem condicionantes. Os dois entendimentos foram muito mais no sentido de esclarecimentos. Tudo mudará para continuar exatamente como está. Não muda nada”, disse Lucien.
Procurada pela Reuters, a Compass não quis se manifestar.