A regulamentação das criptomoedas tem sido pauta no mercado de capitais brasileiro. No mês passado, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), encarregada de fiscalizar o mercado, emitiu um parecer de orientação sobre esses ativos. A Comissão informou que a emissão de criptoativos, a chamada tokenização, não vai precisar de aprovação nem de registro na CVM. Porém, os emissores e as ofertas públicas serão fiscalizadas.
No parecer, a CVM definiu também que vai classificar os ativos digitais em três categorias: tokens de pagamento, tokens de utilidade (usados para comprar alguns produtos e serviços, ou em programas de fidelidade) e token referenciados a ativos (stablecoins, ligadas a moedas, e NFTs). E no início do mês, João Pedro Nascimento, presidente da CVM, declarou que “em breve” a autarquia terá de criar uma superintendência para as criptomoedas.
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Os especialistas em criptomoedas avaliam que a abordagem da CVM foi amigável ao mercado. Mesmo assim, os profissionais ouvidos pela Forbes Brasil defendem que as normas estejam alinhadas com as inovações e não imponham limitações ao desenvolvimento do mercado.
Na prática, uma boa regulação incentiva a inovação, já que atrai mais usuários e, consequentemente, mais capital para a indústria — que é utilizado para fomentar a tecnologia. O problema, no entanto, está na inserção de burocracias que podem interferir na revolução desses ativos digitais.
“Se desenvolverem regulações que abram espaço para reprimir o espectro de inovação, elas podem acabar causando um efeito contrário no Brasil”, diz Samir Kerbarge, diretor de tecnologia da Hashdex. O especialista lembra que a tecnologia desses ativos é global e, por isso, o aumento das restrições no País tende a expulsar investidores, que podem migrar para mercados em que a regulação seja mais atrativa.
Para o executivo, a tecnologia não vai deixar de se desenvolver. A questão é se ela será desenvolvida aqui ou no exterior. “Podemos gerar um efeito econômico positivo para a sociedade brasileira. Basta que a regulação não seja limitante”, diz Kerbarge.
Dan Yamamura, fundador da gestora Fuse Capital, concorda. Para ele, inovadores e investidores “raízes” tendem a ser mais rebeldes quanto à aceitação da regulamentação. Dados do MLIV Pulse mostram que apenas 56% dos investidores profissionais sinalizaram estar mais propensos a investir em um mercado de cripto mais regulado. Porém, diz Yamamura, um mercado mais regulado é essencial para ganhar escala, pois a regulação deixa pessoas e empresas mais confortáveis. “Não basta apenas inovar, o regulador tem um papel essencial para manter o mercado vivo.”
Regulações são restritivas por natureza. Isso porque negócios em que “pode tudo” passam a ser negócios em que se “pode menos”, diz ele. “Porém, dentro do ‘pode menos’, a regulamentação traz mais segurança tanto para o consumidor quanto para o investidor e também para os empreendedores que querem construir ou usar algo novo.”
No momento atual, o Brasil tem se mostrado aberto à inovação. Segundo Yamamura, que faz parte do Laboratório de Inovação Financeira (criado pela parceria entre a Associação Brasileira de Desenvolvimento, BID e a CVM), o País tem criado diversos grupos de estudo envolvendo investidores e empreendedores. “Temos visto um cuidado para escolher uma regulação ideal que traga segurança sem ser restritiva em termos de criar negócios, ganhar dinheiro e funcionar bem.” Para o especialista, as entidades brasileiras estão se mostrando pró-inovação.
As inovações dos criptoativos
Ainda há muita coisa para ser feita no mercado de criptoativos. E com a regulamentação, é possível criar um ambiente ainda maior para o segmento. Para Kerbarge, da Hashdex, as grandes inovações deverão vir do processamento de pagamentos.
Com o avanço dos ativos digitais, é possível transferir dinheiro de forma instantânea 24 horas por dia, 7 dias por semana, para qualquer lugar do mundo. “Essa é uma transformação enorme, especialmente quando percebemos que o conjunto de intermediários dos sistemas de pagamento não muda desde a década de 1950. O mundo virou digital, mas nossos meios de pagamento principal são quase todos analógicos”, explica o executivo.
Com serviços financeiros descentralizados, a tecnologia do blockchain também permite diminuir os custos de operar o sistema. “Com isso, ele se torna mais acessível e global”, explica.
Outro ponto é a tokenização, que é basicamente pegar ativos do mundo real e trazer para dentro do blockchain. Além disso, a transformação da web 3.0 também pode ser alavancada.
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“Ela vai ser uma uma versão da internet que vai primar por privacidade. Diferentemente do que vemos agora, voltaremos a ser donos dos nossos próprios dados”, acrescenta o especialista. Ele também cita o avanço da cultura digital, com destaque para os NFTs e jogos onlines. “Eles podem ter mais espaço para crescer em um mercado regulado.”
Investidores não devem temer regulamentação
A regulamentação, na prática, mostra um cenário favorável aos investidores, desde que seja bem desenhada. Quem antes tinha dúvidas passa a ter mais conforto de se relacionar com os criptoativos. “Isso porque eles sabem que existe um um um respaldo regulatório por trás, trazendo mais segurança”, explica Kerbarge, da Hashdex.
O que vem sendo discutido tanto aqui no Brasil quanto nos Estados Unidos é que a regulamentação precisa proteger os investidores. “Com isso, não há motivo para temer”, alerta o executivo. A preocupação pode existir mais para as exchanges e empresas que vão precisar ser reguladas, que terão um custo maior de operação. “Para quem está investindo, no entanto, só tem a se beneficiar”, acrescenta.
Yamamura, da Fuse Capital, concorda. “Quando é criado regras no mercado,assim como existem no mercado tradicional, elas trazem mais segurança. Quando há conforto, com uma regulamentação que não seja altamente restritiva, o investidor só tem a ganhar, já que passa a ter mais confiança nas operações.”