Investir no mercado de capitais requer estudo, estratégia, visão de longo prazo e uma boa dose de racionalidade para controlar as emoções ao ganhar um bom dinheiro, e ao perdê-lo. Para humanos, adquirir todas essas competências pode levar anos. Para computadores, é uma questão de horas – talvez, minutos.
O mercado financeiro tem uma modalidade específica que trabalha com investimentos apenas usando tecnologia e robôs: os fundos quantitativos.
Os fundos quantitativos usam modelos matemáticos e algoritmos para analisar um grande volume de dados e identificar padrões para investimentos nos mais diversos ativos. No modelo sistemático, a operação de compra e venda também é feita pelo sistema, sem a necessidade de um operador humano.
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Não se trata de uma modalidade nova. Essa forma de investir surgiu nos anos 1980 e ganhou notoriedade ao ser aplicada pelo norte-americano Jim Simons na gestão do fundo Medallion, da sua gestora Renaissance Technologies.
Ao longo de mais de três décadas, o Medallion entregou retornos anuais médios de 66% ao trabalhar com modelos quantitativos, data science e machine learning aplicados ao mercado financeiro. A gestora chegou a registrar lucros de US$ 100 bilhões com as negociações e o fundo fez de Simons um bilionário, com fortuna estimada em US$ 28 bilhões pela Forbes.
Jim Simons nunca revelou detalhes dos seus métodos e processos utilizados na gestão do Medallion, mas os modelos matemáticos e cálculos para uma estratégia quantitativa são trabalhados no mercado financeiro desde então.
Atualmente, estima-se que um terço do total de ativos sob gestão de fundos nos Estados Unidos esteja dentro da modalidade quantitativa. Grandes nomes mundiais de gestão de recursos também têm fundos nesta modalidade, como é o caso da Bridgewater, Two Sigma e a da própria Renaissance.
> Leia também: Medallion, um dos fundos mais rentáveis da história
Aqui no Brasil os fundos quantitativos ainda não possuem a mesma relevância. A gestora Daemon Investments, especializada em fundos alternativos, estima que essa indústria tenha R$ 10 bilhões sob gestão no país, cerca de 1% do total de R$ 1 trilhão da indústria brasileira.
Os números são apenas estimados, já que dentro da classificação de fundos, os fundos quantitativos são considerados como multimercados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), que não faz um acompanhamento específico da classe.
Diferenciais dos fundos quantitativos
Para Sérgio Schirato, sócio e fundador da Daemon, ter como base de decisão modelos matemáticos e algoritmos permite mais clareza para operar em qualquer situação, independente se o momento de mercado é bom ou não.
“O sistema trabalha o tempo todo buscando padrões e relações em centenas de ativos. Isso nos permite investir em setores e ativos variados, com uma diversificação ampla que reduz nosso risco de perdas em um momento turbulento como o atual”, diz Schirato.
O principal produto da gestora, o Nous Global, é um fundo quantitativo sistemático, em que os investimentos obedecem o modelo matemático programado, não um gestor. De janeiro a outubro, o fundo registrou um retorno de 13,43% frente aos 11% de valorização do Ibovespa (principal índice de ações do Brasil) até o fim do mês passado. Em relação ao CDI, o retorno foi mais do que o dobro (134%) quando comparado com o índice de referência.
O fundo quantitativo da Daemon investe em ações, commodities, moedas, índices, juros, entre outros produtos financeiros. Schirato diz que essa diversificação é importante para garantir o bom retorno.
“Fundos tradicionais investem em poucos mercados e fazem apostas em poucos ativos de cada vez. Os fundos quantitativos fazem pequenas apostas em centenas de ativos e isso garante um retorno que não é próximo ou associado ao dos fundos tradicionais, de forma que eles se complementam bem”, diz o sócio.
Raphael Prata, sócio e líder de fundos de investimentos na Blue3, afirma que os cálculos e análises matemáticas dos fundos para mercados de risco alto como operações de petróleo, câmbio internacional e juros não estão normalmente disponíveis para investidores pessoas física, mas por meio do aporte nos fundos quantitativos eles estão, com o diferencial da análise e cálculos serem feitos por tecnologia.
“Isso é muito importante. Por que não adianta você ter uma carteira com 20 ativos se todos andam da mesma maneira e oferecem retornos similares. É importante ter diversificação de fato, com ativos que atuam de forma diferente e essa é a grande beleza dos fundos quantitativos”, diz Prata.
Segurança matemática
Enquanto muitos gestores se mostram preocupados com o cenário de 2023, com o mercado internacional desacelerando e a incerteza em relação às contas públicas brasileiras, Schirato não demonstra a mesma inquietação.
Para ele, o rali nos mercados em tempos incertos como o atual pode ser uma oportunidade de lucro. A capacidade de leitura de cenário e dos algoritmos permite captar padrões que geram lucros até mesmo nas situações mais adversas.
Em abril deste ano, quanto a bolsa americana teve seu pior mês desde o início da pandemia, com o índice S&P 500 caindo 7%, o fundo da Daemon subiu 3,87%. No mesmo período, o Ibovespa recuou 10%.
“Nosso foco é no retorno diversificado para o investidor. Analisamos muitos ativos de forma simultânea para não depender de uma única grande aposta. É assim que mantemos um retorno consistente”, diz Schirato. “O segredo é diversificar.”