É dia de inauguração do novo prédio do Ragon Institute, um enorme edifício de vidro e aço localizado na Main Street em Cambridge, Massachusetts. A governadora Maura Healey, o dono do New England Patriots, Robert Kraft, e os presidentes passados e presentes do MIT, Harvard e Mass General Brigham, estão tomando spritzers de limão e mordiscando canapés.
Um coral de uma dúzia de cientistas e funcionários começa a cantar “Somewhere Over the Rainbow”, de Israel Kamakawiwo’ole. Todos estão aqui para brindar Phillip “Terry” Ragon, o bilionário fundador da empresa de software InterSystems, e sua esposa, Susan, também executiva da empresa.
Os Ragon doaram US$ 400 milhões (cerca de R$ 2,2 bilhões na cotação atual) para pesquisas para aproveitar o sistema imunológico e combater doenças. Em breve, em vez de cantar, esses mesmos cientistas estarão realizando experimentos em uma tentativa de achar a cura de um dos vírus mais evasivos do mundo: o HIV.
“Começamos a desenvolver toda essa ideia de um Projeto Manhattan sobre HIV”, diz Ragon, 74, em uma rara entrevista, referindo-se ao enorme programa de P&D dos Estados Unidos para construir a primeira bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial.
“Se você tentasse fazer o Projeto Manhattan durante a Primeira Guerra Mundial, teria falhado porque não sabíamos sobre mecânica quântica. Se você esperasse até a Terceira Guerra Mundial, teria chegado tarde demais.”
Ragon, que é o único proprietário da InterSystems e tem uma fortuna estimada em US$ 3,1 bilhões (cerca de R$ 17,4 bilhões), acredita — apesar de todas as evidências dizendo o contrário — que estamos à beira de um avanço científico para a cura de cerca de 39 milhões de pessoas no mundo vivendo com HIV, o vírus que causa a AIDS.
É um pouco louco. Afinal, grandes organizações com muito mais recursos do que o Ragon Institute passaram décadas tentando desenvolver uma vacina contra o HIV. Após anos de testes e uma promessa de US$ 500 milhões (R$ 2,8 bilhões), a Johnson & Johnson cancelou seu último teste em larga escala em 2023, uma vacina baseada em parte na pesquisa do Ragon Institute.
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No total, governos, organizações sem fins lucrativos e empresas gastaram cerca de US$ 17 bilhões (R$ 95 bilhões) no desenvolvimento de vacinas contra o HIV nas últimas duas décadas, segundo a organização sem fins lucrativos AVAC (AIDS Vaccine Advocacy Coalition). Nenhuma delas passou dos testes clínicos de Fase 3.
Ragon, no entanto, não se intimida. Ele diz que os financiadores do governo normalmente avaliam propostas de pesquisa não apenas com base em sua importância, mas também na probabilidade de o experimento dar certo. Isso nunca fez sentido para ele.
“Você esperaria que a maioria dos experimentos falhasse”, diz o bilionário. E é por isso que ele acredita que seus esforços, focados em financiar pesquisas mais arriscadas e em estágio inicial, terão sucesso onde os maiores participantes falharam.
A necessidade é extrema. Em países ricos, o HIV e a AIDS foram amplamente contidos por medicamentos caros, mas a doença ainda matou cerca de 630 mil pessoas em 2022, principalmente na África Subsaariana e no Sudeste Asiático.
Pesquisas das Nações Unidas estimam que acabar com a epidemia poderia gerar benefícios econômicos de US$ 33 bilhões (R$ 185 bilhões) por ano em países de baixa renda até 2030. O CDC diz que cerca de 1,2 milhão de americanos são HIV positivos; o custo vitalício do tratamento de cada pessoa é de cerca de US$ 420.000, de acordo com um estudo de 2021.
A abordagem de Ragon tem sido reunir cientistas que normalmente não colaboram, incluindo médicos, engenheiros, físicos, matemáticos e virologistas. O objetivo é reprojetar o sistema imunológico das pessoas para curá-las, o que pode ter implicações de longo alcance para outras doenças, como tuberculose, malária e câncer. “Aprendi mais com meus fracassos do que com meus sucessos”, diz Ragon. “E acho que isso também é verdade na ciência.”
De fato, o sucesso empresarial de décadas de Ragon foi resultado do fracasso em um reino diferente: a música. Depois de se formar no MIT com um diploma em física em 1972, Ragon empacotou sua guitarra e se mudou para Londres — seus ídolos do rock britânico incluíam Led Zeppelin, Jeff Beck e Cream — para perseguir o estrelato do rock. Não deu certo.
Retornando a Boston desesperado por um emprego remunerado, ele percebeu que os anúncios estavam cheios de vagas para programadores de computador. Depois de várias entrevistas fracassadas, ele estava concorrendo a uma oportunidade no Meditech, uma das primeiras empresas de registros médicos eletrônicos.
“Eu realmente não entendo muito de computadores”, Ragon se lembra de dizer ao entrevistador, olhando para cima para ver um pôster de Mick Jagger. “Mas eu toco guitarra.” Ele conseguiu o emprego, que acabou sendo um curso intensivo em uma linguagem de programação antiga conhecida como Massachusetts General Hospital Utility Multi-Programming System, ou MUMPS.
Depois de um ano e meio, Ragon deixou a Meditech para cofundar uma empresa de cobrança médica baseada em MUMPS. Em 1978, ele iniciou a Interpretive Data Services, que mais tarde renomearia como InterSystems.
Enquanto outras empresas de gerenciamento de banco de dados, como Oracle e SAP, ofereciam às empresas uma maneira de estruturar transações em linhas e colunas organizadas, Ragon arriscou em um tipo diferente de banco de dados, codificado em MUMPS e organizado como galhos de árvores que se conectam aos troncos centrais.
Era rápido e confiável, e logo adotado pelo Departamento de Assuntos de Veteranos para registros médicos. A InterSystems cresceu lentamente: levou 24 anos para chegar a US$ 100 milhões em receita — impulsionada por seus dois maiores clientes, o VA e a empresa de registros eletrônicos de saúde Epic Systems — e outros 21 anos para chegar a US$ 1 bilhão até 2023.
Ragon continua otimista sobre a possibilidade de uma cura para o HIV, em parte porque ele adotou uma abordagem metódica e de longo prazo para construir seu negócio de software. Ele se inspira no filósofo Thomas Kuhn, que argumentou que a ciência progride por longos períodos de evolução lenta pontuados por revoluções radicais, que Kuhn chamou de mudanças de paradigma. “De vez em quando”, diz Ragon, “há algo que simplesmente vira o mundo de cabeça para baixo”.
Como surgiu a missão de encontrar a cura do HIV
A sua mudança de paradigma ocorreu durante uma visita a um hospital na África do Sul a convite de Bruce Walker, um pesquisador de doenças infecciosas do Mass General e professor da Harvard Medical School. Era 2007. A InterSystems tinha acabado de adquirir uma empresa de registros eletrônicos de saúde chamada TrakHealth, e Walker queria mostrar a Ragon o software em ação.
Ele se lembra de uma jovem frágil entrando na sala de exames e o médico apontando para uma veia latejante em seu pescoço, uma indicação de insuficiência cardíaca. “Estou sentado assistindo-a morrer”, diz Ragon, enquanto ouvia o médico perguntar se ela acreditava em Jesus.
“Este seria um bom momento para fazer seus planos para encontrar seu criador”, ele se lembra do médico dizendo antes de deixá-la na rua. Quatro mil mulheres de 15 a 24 anos são infectadas com HIV a cada semana, estima a ONU — 3.100 delas na África Subsaariana. Ragon sabia que tinha que fazer alguma coisa.
Quando o HIV entra no corpo, ele sequestra nossa maquinaria celular para bombear novas cópias do vírus. Ao contrário da Covid ou do sarampo, o HIV insere instruções diretamente no código do DNA, o que significa que o hospedeiro humano será forçado a continuar fazendo cópias do vírus enquanto estiver vivo.
Ele também é “extraordinariamente variável”, diz Daniel Kuritzkes, chefe da divisão de doenças infecciosas do Brigham and Women’s Hospital em Boston, o que significa que “cada pessoa tem um vírus que é ligeiramente diferente do de outra pessoa”. A combinação dessas duas propriedades torna extremamente difícil desenvolver uma vacina eficaz.
Para vencer um dos vírus mais resistentes da natureza, pesquisadores do Ragon Institute estão se inspirando em um fenômeno natural incrível e raro: pessoas que têm HIV, mas não apresentam sintomas e essencialmente não conseguem espalhar o vírus.
Conhecidas como “controladores de elite”, suas células T são extremamente eficazes em atacar e matar o vírus. Walker, que se tornou o diretor fundador do Ragon Institute, encontrou um controlador de elite pela primeira vez na década de 1990, e ele vem tentando desvendar os segredos do sistema imunológico desses pacientes desde então. “Se pudéssemos atingir esse estado em pessoas infectadas, você teria uma “cura funcional”, diz Walker.
Em 2025, Walker espera iniciar os testes clínicos de Fase 1 de uma nova vacina baseada em células T que tenta imitar um fenômeno em controladores de elite em que o corpo ataca aminoácidos críticos para a estrutura do vírus.
Os parceiros no projeto incluem a Gates Foundation, a International AIDS Vaccine Initiative e a desenvolvedora italiana de medicamentos ReiThera. Vai funcionar? “Nós erramos tantas vezes, e podemos estar errados aqui também”, ressalta Walker.
Quinze anos atrás, “aproximadamente metade dos cientistas dizia que uma vacina era impossível”, diz Ragon. Haverá uma cura para o HIV durante sua vida? Ele não pensa duas vezes: “Sim”.