A pior seca dos últimos 70 anos no Brasil, aliada às recentes ondas de calor e queimadas, têm impactado profundamente a sociedade. Além de afetar a saúde e a qualidade do ar, a situação mexe também com o desempenho das empresas e o bolso dos brasileiros.
Em agosto de 2024, as queimadas atingiram mais de 5,65 milhões de hectares — uma área equivalente ao estado da Paraíba. Os dados são da MapBiomas. Atualmente, o Brasil responde por 50% dos incêndios na América do Sul, com São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul sendo os estados mais afetados.
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O impacto econômico é alarmante. Entre janeiro e 16 de setembro de 2024, os prejuízos com incêndios florestais chegaram a R$ 1,1 bilhão — 33 vezes maior do que as perdas no mesmo período do ano passado, quando o valor foi de R$ 32,7 milhões, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM).
O governo atribui as queimadas, especialmente na Amazônia e no Pantanal, a uma combinação de condições climáticas extremas e ações criminosas, e está estudando medidas para punir os responsáveis pelos incêndios.
Alimentos mais caros
As queimadas têm um impacto profundo e imediato na agropecuária, setor que responde por 25% do PIB brasileiro. Elas destroem lavouras, pastagens e florestas usadas para o cultivo e a pecuária, reduzindo a oferta de alimentos como carne e grãos. Isso acontece porque a falta de chuvas compromete a qualidade do solo e a produtividade futura. No curto prazo, isso se traduz em aumentos significativos nos preços dos alimentos e, no longo prazo, prejudica o equilíbrio ambiental, essencial para a agricultura sustentável.
A saca de açúcar cristal branco subiu de R$ 132,48 para R$ 142,48 em menos de dois meses, segundo dados registrados em agosto. A Raízen, maior exportadora da commodity do mundo, revelou que 2% de sua safra foi prejudicada, enquanto a São Martinho perdeu 20 mil hectares, resultando em uma redução estimada de 110 mil toneladas de açúcar.
O café também não escapou. No início do mês passado, a saca de 60kg de café arábica valia R$ 1.407,69, mas agora está em R$ 1.492. O salto é ainda mais expressivo na comparação com agosto do ano passado, quando era negociada por R$ 831,19. Como o Brasil é o maior produtor de café do mundo, a seca atual afeta diretamente a produção e a oferta.
Outros produtos como laranja, milho, soja, feijão, carne, hortaliças, leite e derivados também serão afetados. A tendência é que o consumidor sinta o impacto nos preços mais altos nos supermercados.
“A combinação da seca prolongada com a devastação das áreas de cultivo eleva os custos da cadeia produtiva, repassando ao consumidor final uma inflação cada vez mais pesada, especialmente para as famílias de menor renda”, disse Guilherme Jung, economista da Alta Vista Research.
Conta de Luz
Com as temperaturas elevadas das últimas semanas, o consumo de energia aumentou significativamente. Isso porque, para lidar com o calor, mais pessoas recorrem a ventiladores e ar condicionado e passam mais tempo em casa devido à baixa qualidade do ar e à seca. Essa alta demanda, combinada com a falta de chuvas, tem um impacto direto no aumento das contas de energia elétrica.
Também pesa na conta o fato de o Ministério de Minas e Energia ter anunciado a retomada da cobrança da bandeira vermelha em setembro, o que representa um acréscimo de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Segundo estimativas do Bank of America (BofA), os preços podem superar R$ 200/MWh até o final de 2024. Se o cenário se prolongar, as projeções apontam para a possibilidade de que eles continuem subindo em 2025.
“Em períodos de seca, a geração de energia hidrelétrica se torna mais cara, pressionando as tarifas e afetando principalmente as famílias com baixa renda”, diz Jung.
O impacto não se limita apenas ao consumidor final. Pequenos negócios, como salões de beleza e mercearias, também estão sendo afetados. Além disso, as empresas industriais, com grande demanda de energia elétrica, enfrentam custos elevados. Em alguns casos, o gasto pode chegar a 50% do custo total de produção.
Saúde
Cidades em diversas partes do Brasil foram cobertas por nuvens de fumaça, comprometendo a qualidade do ar. Segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, essa situação é “muito preocupante”, especialmente em um período propenso ao aumento de casos de síndrome respiratória aguda grave.
As condições atuais de seca, queimadas e altas temperaturas em várias regiões do país levaram o Ministério a intensificar suas orientações para proteger a saúde da população. Em áreas com dificuldade de acesso à água potável, há um risco aumentado de desidratação. Além disso, a fumaça das queimadas está contribuindo para problemas respiratórios.
“Há um impacto significativo no sistema de saúde e nas unidades de atendimento, com uma maior procura. Minha preocupação não é só com os efeitos imediatos, mas também com os impactos de médio prazo na saúde das pessoas”, afirmou a ministra. A fala é de uma participação em uma conferência nacional de saúde pública no Rio de Janeiro.
A fumaça dos incêndios libera gases tóxicos e partículas finas que, segundo especialistas, prejudicam os alvéolos pulmonares. As orientações para a população incluem: aumentar a ingestão de água e procurar locais frescos, evitar atividades físicas em áreas abertas, manter distância dos focos de queimadas. Os cidadãos devem buscar atendimento médico em caso de sintomas como náuseas, vômitos, febre, falta de ar, tontura, confusão mental ou dores intensas no peito, cabeça ou abdômen.
“Podemos esperar um aumento nos custos com atendimento médico no SUS devido ao crescimento das doenças respiratórias provocadas pela seca prolongada”, afirma Wellington Souza, professor da FIA Business School. “Isso gera mais gastos para o governo, o que pode impactar as contas públicas e as tentativas de controle do déficit fiscal.”
O mesmo vale para os planos de saúde, muitos deles com ações negociadas na bolsa de valores. Com a busca cada vez mais frequentes pelos serviços de pronto-atendimento, as operadoras tendem a ver o aumento da sinistralidade. Em outras palavras, há uma proporção maior de uso frente ao valor pago pelos clientes e uma pressão nos custos operacionais.
Queimadas e o mercado financeiro
Especialistas do mercado financeiro alertam que as queimadas e a seca têm o potencial de impactar significativamente o fluxo de capital para o Brasil, especialmente nos setores do agronegócio e energia. Investidores estrangeiros, particularmente aqueles guiados por princípios de investimento sustentável (ESG), podem reconsiderar seus aportes no país devido. Isso acontece pois à ligação direta das queimadas com a degradação ambiental.
A perda de produtividade e o aumento dos custos de produção também podem diminuir a atratividade do Brasil como destino para investimentos de longo prazo.
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“O cenário ambiental trágico gera incertezas quanto à capacidade produtiva do Brasil, o que pode desincentivar o fluxo de capital externo”, diz Jung. “Setores-chave, como o agronegócio e a exportação de commodities, são particularmente sensíveis a esses fatores, podendo resultar em menor atratividade do mercado brasileiro“.
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