Nos últimos anos, os Emirados Árabes têm ganhado grande destaque em uma série de setores como turismo, esportes e sustentabilidade. O pequeno país do Oriente Médio, no entanto, tem grandes ambições — como se tornar um hub de tecnologia militar avançada e defesa.
Criado em 2019 por iniciativa do governo local, o Grupo EDGE surgiu da junção de 25 empresas do país, com o objetivo de dar à região soberania em defesa e se tornar uma referência global em tecnologia aeroespacial e defesa.
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Nos cinco anos de existência do grupo, a estatal viu o seu portfólio de produtos crescer 550% — de 30 para 201 soluções, com presença em 91 países. Com uma receita anual de US$ 4,9 bilhões (R$ 29,4 bilhões), a maior fonte de crescimento da companhia são as cerca de 10 aquisições feitas nos últimos anos. Dentre os produtos estão drones, mísseis inteligentes, veículos aéreos e marítimos, munições e armas não letais.
Com projetos ambiciosos sob o seu chapéu — como o fornecimento de itens para fortalecer a Marinha Angolana — e presença intensiva principalmente na África, sul da Ásia e América Latina, a holding tem um carinho especial em relação ao Brasil, o primeiro país a receber um escritório regional fora dos Emirados Árabes.
O escritório brasileiro do EDGE foi inaugurado em abril de 2023 e, em pouco mais de um ano e meio, cerca de US$ 3 bilhões (R$ 18 bilhões) foram investidos no país — incluindo a compra de participação relevante na empresa de armas não letais Condor e a especialista brasileira em armas inteligentes SIATT. Para os próximos anos, a expectativa é manter o ritmo de investimentos, avançar sobre outros países da América do Sul e fincar um pé na área de segurança pública em São Paulo e outros estados da federação.
“Nossa ideia no Brasil foi diferente dos outros países, onde a presença é mais comercial. Temos vários focos estratégicos, não só na área comercial, mas também de tecnologia. O Brasil tem empresas de tecnologia na área de defesa e segurança com produtos super interessantes. Eles conseguem sobreviver em meio a falta de orçamento, mas são produtos super competitivos, mas por falta de escala no Brasil eles não conseguem escalonar”, explica Rodrigo Torres, brasileiro que é CFO da estatal militar, em entrevista à Forbes Brasil. “Quando a gente entra no negócio, conseguimos fazer isso. Olhamos o país de uma forma estratégica a nível de produtos, serviços e tecnologias.
Hoje, o EDGE tem um contrato com a Marinha do Brasil para co-desenvolver mísseis supersônicos e antinavio MANSUP e um acordo de cooperação no desenvolvimento de sistemas anti-drones. Além disso, há um projeto feito com o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), órgão do Ministério da Defesa do Brasil, para comunicação segura na Amazônia por meio de tecnologias produzidas pela SIATT.
Segundo Torres, o objetivo é utilizar toda a capilaridade construída pela estatal para interligar as cadeias de suprimentos e permitir a chegada dos produtos a países que eram praticamente inacessíveis comercialmente.
Confira os principais trechos da entrevista:
Como está a atuação de vocês hoje no Brasil?
Investimentos cerca de US$ 3 bilhões no total, até agora, com nosso escritório comercial em Brasília.
Olhamos primeiro para a SIAAT, que tinha um produto muito interessante. A SIATT produz um míssel muito parecido com o francês, mas com um custo menor, o que achamos muito interessante. Mas é difícil sobreviver em um ambiente tendo apenas a Marinha do Brasil como cliente.
Vimos que poderíamos escalonar os produtos deles para vender internacionalmente. Entramos como sócios, colocamos dinheiro em Pesquisa e Desenvolvimento e vamos abrir uma nova fábrica em São Paulo. O objetivo é exportar esses produtos.
Já a Condor é uma empresa focada em armas não letais. Não é um mercado enorme, apenas US$ 6 bilhões (R$ 36 bilhões), mas é um mercado interessante para entrar com outros produtos [do EDGE]. Eles já exportam a 85 países.
Agora usamos os canais de distribuição da Condor para vender fora. Também conseguimos promover o produto deles em países em que eles não atuavam.
A gente continua olhando o Brasil como um país bem estratégico. Queremos continuar investindo, mas precisamos primeiro tirar todas as sinergias das empresas adquiridas. Estamos com um time em São Paulo focado na parte de segurança pública, área que estamos começando a engatinhar.
Também é importante pra gente utilizar o país como um hub para a América Latina.
O que diferencia a atuação do Edge no Brasil dos demais países e continentes em que atuam?
Na África temos um projeto enorme com Angola, de quase US$ 1,2 bilhão (R$ 7,2 bilhões) onde estamos praticamente construindo a Marinha Angolana, com barcos de guerra, drones e o que for necessário. Temos um outro país que assinamos um contrato de US$ 11. 2 bilhões (R$ 67,2 bilhões) para fazer o mesmo. Ou seja, nossa posição no continente é mais comercial — queremos vender.
O diferencial do Brasil é que vimos que existiam empresas de defesa estratégicas que tinham grande capacidade e que poderíamos escalar para vender fora do Brasil. Claroque a área comercial é importante, mas a gente também olha o Brasil como estratégia a nível de talentos e projeção.
Vou te dar um exemplo, na SIATT, compramos 49% e podemos chegar a 51%, mas estamos investindo dinheiro em um produto novo — um míssel que alcança até 200 km. A gente vê que esse produto pode ser muito competitivo não só no Brasil, mas fora também.
A Condor é um outro exemplo. Como poderíamos usar os canais comerciais e a rede de relacionamentos da companhia para vender outros produtos do EDGE. Eles vendem para 85 países, a gente não. Então como integrar a área comercial?
Você mencionou a importância do Brasil para a estratégia na América Latina. Qual o plano de vocês?
O Brasil vai continuar sendo o nosso maior foco, mas também estamos entrando em países como Paraguai, Colômbia, Peru, Panamá e Guiana.
O Paraguai tem uma necessidade muito grande na área de defesa, a Colômbia tem muita coisa de segurança pública. Panamá e Peru a mesma coisa. A Argentina também tem espaço para crescimento naval.
Como somos uma empresa 100% do governo de Abu Dhabi, a gente consegue não só entrar com projeto, mas também ter uma visão mais de longo prazo. Não precisamos ter lucratividade desde o dia zero.