
Na última década, o mercado financeiro global viveu uma verdadeira “revolução ESG”. Investidores passaram a exigir que o seu capital fosse alocadado levando em conta o impacto ambiental e social que uma empresa oferecia. Bancos e gestoras destinaram trilhões de dólares para financiar iniciativas de mitigação climático ao redor do mundo e criaram metas audaciosas de descarbonização. Em 2025, as coisas estão mudando de figura — pelo menos nos Estados Unidos.
O recém-empossado presidente dos EUA, Donald Trump, se afastou dos tratados internacionais sobre o clima em seu primeiro governo e tem retomado a prática na sua segunda passagem pela Casa Branca. Ele tem redobrado o seu discurso contra medidas ESG — seja na área ambiental ou social. Para uma empresa, flertar com seguir com estratégias ESG é como desafiar o maior poder do país.
O que se tem visto até o momento é uma onda de retrocesso de posicionamentos. Se antes Wall Street parecia estar 100% comprometida com a causa, agora o comportamento é outro. Bancos como o JP Morgan, Citigroup, Bank of America, Morgan Stanley, Wells Fargo Golgman Sachs e a gestora de ativos BlackRock foram apenas alguns dos grandes nomes de Wall Street que tiraram o seu apoio ao Net-Zero Banking Alliance (NZBA). Isso sem falar na enorme lista de companhias que estão abandonando programas de diversidade e inclusão — fatores que influenciam a governança de uma empresa.
Enquanto boa parte do mundo discute um aprofundamento das regras e padrões mundiais de sustentabilidade, os Estados Unidos regridem na pauta. “O chefe da Comissão de Valor Mobiliários americano (SEC, na sigla em inglês) sinalizou que a nova regra sobre o reporte das emissões das companhias abertas está em cheque, trazendo um maior enfraquecimento do tema”, aponta Marilia Morais, gerente de produtos de investimentos da SulAmérica Investimentos.
Que os Estados Unidos, como maior mercado financeiro global, é uma das principais fontes de tendências para o resto do mundo não dá para negar. Mas será que o retrocesso na pauta ESG é um tendência global?
Para Marilia Morais, da SulAmérica Investimos, Werner Roger, sócio e diretor de investimentos da Trígono, e José Pugas, sócio e chefe de investimentos sustentáveis na Régia Capital (Asset especializada em investimentos ESG), os Estados Unidos estão isolados em seu retrocesso ambiental — o que pode abrir grandes oportunidades para o Brasil.
Para Morais, da SulAmérica, os investidores locais ainda apresentam grande interesse no tema e, apesar de ruídos nas trocas de gestões presidenciais, a agenda ESG é um compromisso de longo prazo. “É o momento do Brasil aproveitar este espaço e apresentar seu protagonismo, em especial, nas frentes ligadas ao agronegócio e transição energética”, aponta.
ESG no Brasil: retrocesso ou oportunidade?
O discurso anti-ESG do governo americano pode ter se intensificado nos últimos anos, mas a movimentação do fluxo de recursos já vinha reduzindo nos últimos anos. Segundo José Pugas, da Régia Capital, isso já vem acontecendo há uns 4 ou 5 anos, pressionado por um movimento de insegurança jurídica liderado pelos estados republicanos — em que os governos locais passaram a ver os investimentos em ESG como forma de reduzir a competitividade de empresas de petróleo, carvão e outros tipos de atividades consideradas poluentes.
Se antes as empresas precisavam se defender em nível apenas estadual, a mudança de governo as obriga a aotar uma postura nacional de proteção. “Uma coisa é o foco em ESG com as condições, com os compromissos públicos. Outra coisa são os compromissos realizados internamente. As próprias grandes gestoras, bancos e grandes empresas no mercado financeiro, que saíram das alianças, elas não mudaram seus compromissos”, aponta Pugas.
Segundo o gestor, a queda vista nos investimentos em ESG nos Estados Unidos foi mais que compensada pelo crescimento dos investimentos sustentáveis em locais como Europa, Ásia e países emergentes, e a queda do capital oriundo dos EUA tem pouco impacto no Brasil. Afinal, o país nunca foi um grande receptor dos recursos americano.
Com a falta de oferta de investimentos ESG sob o governo Trump, a expectativa agora é que o capital seja redirecionado para outros lugares — como o Brasil — e que a Europa siga firme em sua política sustentável.
“Eu não acho que esse movimento [de retrocesso] seja sistêmico global. Os ventos do norte global nunca moveram os moinhos do sul nas questões das finanças sustentáveis. Sem nos financiamos”, explica Pugas. “O que está acontecendo com esse movimento é que países como o Canadá, regiões como a União Europeia, não podem mais contar com a segurança jurídica americana. Acaba que o mercado complementar é o brasileiro”.
No Brasil, o mercado de investimentos sustentáveis tende a crescer — principalmente com o país cediando a COP-30 no final de 2025 e estando no centro dos holofotes.
De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), em março de 2024, existiam 91 fundos de Investimento Sustentável e (IS) e 24 fundos ESG (Ambiental, Social e Governança). De 2023 para 2024, o valor investido nesses fundos cresceu 174% dentro da indústria sustentável — contra apenas 3,2% da indústria como um todo.
“As empresas vão onde está o dinheiro. E hoje, o dinheiro é mais barato para quem adota boas práticas ESG, seja por meio de green bonds, seja por linhas de crédito diferenciadas”, aponta Roger, da Trígono.
Para onde vão os recursos
Para Pugas, o setor eólico brasileiro pode ser um dos grandes beneficiados em 2025. Outra grande tendência sustentável apra o ano é o investimento em bioeconomia — como ativos florestais — incluindo a participação de grandes empresas nacionais no tema, como a Petrobras.
Além disso, o país tende a se beneficiar de investimento em biocombustível, como o etanol de segunda geração, o combustível de aviação sustentável (SAF), entre outras iniciativas.
“O mercado todo se conversa. E todos esses ventos do norte de retrocesso assoprados, todo mundo se falou e a percepção é a mesma para o Brasil: oportunidade”, conclui Pugas.
Para Roger, da Trígono, a indústria automobilística local tem grande capacidade de se desenvolver a partir de práticas sustentáveis, com a expansão do uso de etanol e outros biocombustíveis até mesmo em carros híbridos. Segundo o gestor, com vastos recursos em energia renovável, o Brasil pode se tornar um “exemplo mundial” em práticas sustentáveis, aproveitando suas características únicas para liderar no cenário global.
“O mundo ainda não quer pagar a mais por um produto sustentável. Mas talvez em cinco anos, o Brasil consiga cobrar um prêmio por ser uma referência em produtos com pegada de carbono menor”, pondera o gestor.