
Não é raro ouvir pelos corredores do mercado financeiro que os investidores estrangeiros são tradicionalmente mais otimistas que os agentes locais. Um estudo recente realizado pelo Itaú BBA, por exemplo, apontou que 40,4% dos entrevistados brasileiros demonstraram ter uma visão positiva para a bolsa brasileira, contra 56% dos agentes internacionais.
A percepção, no entanto, não tem se confirmado no fluxo de investimentos no país. Em 2024, o Brasil teve uma saída líquida de R$ 24,2 bilhões da B3, no pior desempenho desde 2016. Àlex Fusté, economista-chefe global do Andbank, faz coro aos estrangeiros que se sentem pessimistas com o país — mas nem por isso o banco deixa de ver potencial no país, ainda que a concorrência com os bancos locais seja difícil.
Segundo Fusté, a comunicação falha do governo não seria um problema se as coisas estivessem indo bem. O economista, no entanto, vê uma série de problemas que tornam a comunicação um pilar importante para a confiança do investidor estrangeiro no país: como a queda das reservas internacionais, crescimento menor do que o de outros países emergentes e o saldo de conta corrente negativo do Banco Central, entre outros.
Para o economista-chefe, o Brasil está perdendo o seu papel como um mercado emergente relevante e caminha para um estado de “irrelevância financeira”. De 2022 para 2025, a representação do Ibovespa no Índice MSCI de Mercados Emergentes caiu de 26% para 19%. Em 2009, o país representava 40%.
“O Brasil hoje é uma fração do que já foi. […] E isso não é algo pontual, mas sim estrutural. Ano após ano, a participação diminui um pouco mais. Já sabemos onde esse caminho leva: a uma irrelevância cada vez mais evidente”, explica Fusté. “Os investidores em mercados emergentes não gostam disso. Como essa é uma mudança estrutural, seria necessário ver uma transformação igualmente estrutural para reverter essa tendência. Mas isso não está acontecendo hoje”.
O noticiário internacional parece não ajudar — com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciando uma guerra comercial em escala global. Apesar de todo o barulho, Fusté se diz construtivo com o cenário externo diante da possibilidade de que a Guerra da Ucrânia ganhe um ponto final.
O Andbank é um private banking familiar espanhol, com quase 100 anos de história e com operação em 14 países. O foco da instituição é na gestão de ativos, assessoria financeira e os mais diversos produtos de investimento. Por aqui, o banco atua desde 2011 em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Fortaleza e Curitiba.
“Os brasileiros preferem operar com bancos conhecidos do país e para um estrangeiro de porte médio, como nós, é mais difícil. Isso significa que temos que trabalhar mais para crescer. E isso significa conhecer melhor o ambiente, as oportunidades de investimento e oferecer serviços e um melhor desempenho”, aponta Fusté em entrevista à Forbes Brasil.
Confira os melhores momentos da entrevista com o economista-chefe do Andbank, Àlex Fusté — as falas foram editadas para maior clareza e concisão.
Forbes Brasil: Quais as vantagens de se investir em um banco internacional?
Fusté: Acho que é uma opção ideal para um investidor brasileiro que busca gestão internacional e global. O mundo é muito grande e está cheio de oportunidades de investimento. Meus analistas estão em todas as partes do mundo e me oferecem as melhores oportunidades de investimento. Acho que um cliente não deve se concentrar apenas em ativos domésticos brasileiros. Especialmente aqueles com alto patrimônio líquido, devem aspirar ter um portfólio de escopo global.Decidimos há muito tempo que esse seria o nosso segmento, um banco especializado em private banking e gestão — o que significa que podemos e devemos fazer melhor do que um banco que tem muitos negócios, como aqueles canivetes suíços que têm cerca de oito ou nove funções e, no final, nenhuma delas funciona.É isso que aspiramos que o cliente possa ver e perceber em nós.
Qual a visão de vocês para o cenário global?
Somos construtivos, apesar de todo o barulho, mas não descartamos correções. Temos uma guerra pendente na Europa, mas há razões para acreditar que esse conflito pode terminar. Isso sem dúvida pressionaria para baixo o preço da energia. E há uma lei fundamental do mercado que é: energia mais barata impulsiona os mercados. Desse lado, somos positivos.
Do lado das avaliações de mercado, não vemos problemas nos índices mundiais, na Europa, na América Latina, na Ásia. Os múltiplos das avaliações de mercado e os níveis são razoáveis. Médias históricas. Apenas nos Estados Unidos o múltiplo de preço/lucro está acima da média histórica, mas não estamos com medo. Comparar o múltiplo com o passado significa que você está assumindo que todo o tempo é comparável. Em outras palavras, os períodos são os mesmos. E este não é o caso.
Hoje temos um ciclo tecnológico não clássico. Esse ciclo tecnológico é diferente dos do passado, já que o clássico responde a um padrão. Primeiro, há um problema e as pessoas oferecem uma solução tecnológica para esse problema com a tecnologia.
Hoje é o contrário. Existe uma solução tecnológica que alguém colocou na mesa e ele não foi projetado para resolver um problema e sim milhões de problemas, que é a inteligência artificial. Portanto, não é comparável aos ciclos tecnológicos clássicos e o múltiplo P/L.
É hora de parar de pensar como um economista. Você tem que pensar como um cientista ou um tecnólogo. Temos uma tecnologia que resolverá milhões de problemas e de economias. Mas usar essa nova tecnologia requer um investimento maciço em hardware. Temos que reinventar muita coisa porque a IA exige muita capacidade de cálculo. Isso significa que temos que multiplicar o número de data centers no mundo. E eles, por sua vez, exigem servidores, racks, chips, refrigeração, etc. O que estamos vendo é um novo ciclo de investimento que geralmente causa crescimento nos mercados financeiros.
Falando do Brasil e da presença de vocês no país, qual a visão e expectativa para a região?
Há muitos pontos a serem explicados sobre o Brasil. A comunicação do governo é fundamental, especialmente quando a economia não vai bem. Quando as coisas vão bem, as falhas de comunicação não têm grande impacto. Mas o Brasil tem falhas estruturais no mercado que tornam a comunicação essencial.
Os agregados domésticos, como as reservas internacionais, vêm diminuindo. Elas se mantêm estáveis, mas a sua relação com o PIB caiu. O mesmo acontece com a relação entre reservas internacionais e dívida externa. Para um investidor internacional de dívida, é crucial que esse percentual se mantenha estável ou aumente. Se cair, é um sinal de alerta.
Existe uma regra amplamente seguida por investidores em mercados emergentes: a dívida do governo não pode crescer mais de 30% em um curto período, de três a quatro anos. Em 2022, a dívida do governo brasileiro era de 52% do PIB. Hoje, já está em 60%, um aumento relativo de 15% em apenas dois anos. Se essa tendência continuar, em breve o Brasil ultrapassará esse limite de 30%.
O crescimento projetado para 2024 é de 3% e parece um bom número à primeira vista. No entanto, investidores de mercados emergentes comparam esse desempenho com economias como a Índia, que cresce 7% a 8%, ou o Vietnã, que cresce de 9% a 10%. Nessa comparação, 3% não impressiona.
A Bovespa no Índice MSCI de Mercados Emergentes também está em forte queda. A participação do Brasil caiu de 26% em 2022 para 19%, tornando o país uma fração do que já foi. Em 2009, o Brasil representava 40% desse índice. O país está perdendo relevância como mercado e isso é estrutural e isso pode levar a uma irrelevância cada vez mais evidente.
Como se trata de uma mudança estrutural, apenas uma transformação profunda poderia reverter essa tendência. No entanto, essa mudança não está no horizonte — e isso perturba o mercado.
A inflação está em 5%. Não é um nível alarmante, mas a inflação de alimentos está em 7%, o que preocupa as famílias e os investidores. Muitos ainda se lembram da inflação de quase 10% em 2016 e associam esse patamar a uma crise financeira, com forte queda dos títulos, da moeda e do mercado acionário. Hoje, estamos longe desse nível, mas a preocupação persiste. Para evitar uma escalada inflacionária, é fundamental um compromisso fiscal firme, com uma comunicação clara e constante por parte do governo. Caso contrário, investidores podem começar a acreditar que a inflação seguirá subindo para 10%, trazendo de volta a volatilidade de 2016.
Muitos investidores entraram no Brasil após a eleição de Lula, esperando a repetição do superciclo das commodities de 2000 a 2005, impulsionado pelo crescimento acelerado da China. No entanto, a realidade atual é diferente. A China não cresce mais a 10% ao ano, mas sim a 5%. Isso torna impossível a repetição daquele superciclo.
Além disso, a política monetária do Brasil tem sido contracionista. A grande questão é: essa tendência continuará? O ideal seria que o Banco Central não precisasse mais defender a moeda. Mas, para que isso aconteça, a desvalorização precisa cessar. E, para que a moeda pare de cair, o governo precisa sinalizar corretamente e melhorar sua comunicação. No entanto, isso ainda não está acontecendo.
O que o mercado espera daqui para frente?
Consolidação da trajetória fiscal, compromisso firme reforçado por uma comunicação constante e maior integração ao comércio global, ajustando o perfil das exportações.
Além disso, há um fator externo relevante: a guerra tarifária global. O governo Trump tem usado tarifas como instrumento estratégico, negociando diretamente com países e regiões. O Brasil precisa adotar uma abordagem semelhante, negociando ativamente para evitar tarifas que possam prejudicar suas exportações. Isso é crucial porque o Brasil exporta muitos produtos nos quais os EUA também são uma potência.
Normalmente, temos a percepção de que o investidor estrangeiro é mais otimista do que o local, mas esse não me parece ser o caso. Estamos em um momento de igualdade entre os dois players?
Esse é um ponto importante. O Brasil tem um mercado doméstico de investimentos relevante e um aspecto positivo que deve ser reconhecido é que a maior parte da dívida pública é financiada internamente. Isso, a princípio, torna o Brasil mais resiliente a choques externos, como aumentos nas taxas de juros globais ou na cotação do dólar.
No entanto, todos os aspectos negativos mencionados anteriormente têm se agravado. Como consequência, o Brasil se torna mais vulnerável a possíveis choques externos. E não há dúvidas de que esse risco existe. Ainda não se sabe qual será o desfecho da atual disputa tarifária no cenário internacional. Minha percepção é de que o desfecho será positivo e não haverá uma guerra comercial de grandes proporções. No entanto, até que isso fique claro, o mercado pode interpretar que estamos caminhando para uma guerra comercial.
Se isso acontecer, os investidores enxergarão que a deterioração dos agregados financeiros deixou o Brasil em uma posição mais frágil. É essencial que o país comece a reverter isso. Até lá, terá apenas o seu mercado doméstico de investidores, que, neste momento, segue cauteloso. Duvido que os investidores estrangeiros retomem a confiança de imediato.
Há um fator positivo: o governo tem tomado algumas medidas para tentar reverter essa situação e recuperar a confiança dos investidores estrangeiros. Uma delas foi a mudança na equipe de comunicação. Ela precisa ser clara e constante. O governo deve manter um discurso bem alinhado tanto com a sociedade quanto com o mercado. Não é possível governar ignorando o mercado financeiro — nenhum país faz isso. Essa mudança na abordagem é um passo importante.
Quais outros mercados emergentes que se destacam hoje?
Nos mercados emergentes, há dois países que se destacam: Índia e Vietnã. A Índia tem implementado reformas, sempre sinalizando e se comunicando bem com os mercados financeiros.
Essas reformas facilitaram a entrada de capital estrangeiro em setores estratégicos com alto potencial de crescimento. Houve avanços significativos no setor bancário, incluindo novos códigos de insolvência e falência, permitindo uma resolução mais eficiente de crises bancárias sem risco de contágio sistêmico.
No âmbito econômico, a Índia segue forte. A perspectiva de crescimento está pouco abaixo de 7% para 2025, mas, para os anos seguintes, as projeções indicam um crescimento sólido entre 7% e 8%. Esse desempenho se deve à robustez da demanda doméstica e à continuidade dos investimentos no setor manufatureiro, impulsionados pelas reformas já realizadas. Eles também têm avançado na consolidação fiscal, algo essencial para a confiança dos investidores.
Diante de todos esses fatores, consideramos a Índia um destino atraente para investidores financeiros que desejam alocar parte de seu portfólio no país com uma perspectiva de longo prazo, de pelo menos cinco anos.
O Vietnã é outro mercado promissor. Houve uma renovação política que ampliou a abertura econômica do país. O foco agora está na transição da manufatura de baixo valor agregado para uma indústria mais sofisticada e tecnológica.
O Vietnã tem conseguido equilibrar suas relações internacionais de forma estratégica, adotando o que se chama de “política de bambu” – uma abordagem flexível que lhe permite manter boas relações tanto com a China quanto com o Ocidente. Essa posição tem sido benéfica, pois tanto os EUA quanto a China buscam aumentar sua influência no país. O Vietnã, por sua vez, tira proveito desse interesse mútuo, fortalecendo seu comércio com os EUA enquanto também atrai mais investimentos chineses.
Em termos de crescimento, as perspectivas para o Vietnã são ainda mais promissoras do que para a Índia. A economia do país deve crescer entre 7,1% e 7,2% este ano. A inflação está controlada, em torno de 2,7%, o que permite ao Banco Central vietnamita adotar uma política monetária expansionista. Por todas essas razões, acreditamos que o Vietnã está se consolidando como a economia mais dinâmica da Ásia, oferecendo um grande potencial para investidores no longo prazo.