O melhor da mudança é a motivação extra. A percepção é de Nathalie de Gouveia, CEO da Wella Company Brasil. Nascida na França, a executiva soube, ainda na adolescência, que o comodismo e a zona de conforto não fariam parte da sua vida por muito tempo. Formada em gestão empresarial pela Universidade Sorbonne e com pós-graduação específica para os mercados ibéricos e América Latina, ela tinha o sonho de trabalhar em outros países, o que conquistou logo cedo, mudando-se para Espanha e Portugal. No entanto, sua trajetória não parou por aí.
Nathalie transitou por cargos, mercados e países distintos até chegar à cadeira de CEO da operação brasileira da companhia alemã Wella. Ela conta, no entanto, que sua primeira experiência de grande responsabilidade foi como diretora regional de uma empresa francesa. “Eu era muito nova e achava que nunca ia deixar meu primeiro emprego. Quando recebia propostas, até me sentia ofendida”, diz, rindo. “Fiquei lá por oito anos e, quando decidi me demitir, convoquei minha mãe para ficar segurando minha mão enquanto falava ao telefone. Estava tremendo”, lembra.
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Para Nathalie, esse episódio foi um divisor de águas, já que a levou de volta aos objetivos que tinha quando jovem: explorar ao máximo o mercado de trabalho – e, claro, o mundo. “Eu trabalhava como se a empresa fosse minha. Isso é bom, mas é importante entendermos que temos um papel específico naquele local. Com isso, podemos acabar caindo em uma zona de conforto que impede a evolução”, explica. “Quando começamos em uma empresa nova, não temos legitimidade e precisamos nos provar para os novos chefes o tempo todo. Isso nos fortalece como profissionais e nos ensina sobre o mercado. Desapegar e se automotivar são características aprendidas nesse processo.”
A partir do primeiro desafio, nada mais foi capaz de paralisar Nathalie. Ela foi trabalhar em uma empresa italiana, onde operou franquias e aprendeu a tomar decisões difíceis. Após cerca de um ano, voou para a Espanha para atuar com uma marca de joias exclusivas, experiência fundamental para que vivenciasse a construção de uma empresa ainda pequena. “Era um produto premium, mas, enquanto eu estava lá, expandiu-se como uma marca de varejo. Abrimos lojas em Portugal, no México e em Paris”, conta. Dois anos e meio depois, em 2011, foi chamada pela L’Oréal para integrar o time da The Body Shop como diretora de varejo e treinamento, na Espanha.
“Em 2016, me ofereceram o cargo de diretora comercial e de expansão no Brasil”, conta, animada. Com a família inteira na Europa, era hora de honrar seus desejos de adolescente e mudar para outro continente. Mas, como se não bastasse a mudança de país, Nathalie ainda passou por grandes desafios nesse período: foi escalada como CEO da The Body Shop em solo brasileiro, vivenciou a compra da empresa pela Natura e, finalmente, quando já estava pensando em voltar a morar em Paris, foi chamada para assumir a presidência da Wella no Brasil. “É claro que eu tive medo. E, quando vejo alguém abraçar um projeto sem medo de nada, acho estranho”, diz sobre a experiência.
“Quando me ofereceram o cargo de CEO da The Body Shop, por exemplo, eu quase recusei. Achei que não conseguiria”, revela. Em casa, pensando sobre o que fazer, deparou-se com uma frase do empresário norte-americano Richard Branson – fundador do Grupo Virgin: “Se alguém lhe oferece uma oportunidade incrível e você não tiver certeza de que consegue, diga sim – e aprenda como fazer mais tarde”. “Esse pensamento mudou o meu ponto de vista e eu aceitei a proposta. Na mesma semana, descobri que estava grávida. Foi uma explosão de sentimentos”, conta entre risadas. “O medo faz parte, mas é uma pena se paralisar por conta dele. Dando certo ou errado, você vai aprender algo com o processo.” Hoje, Nathalie vive com o marido e os dois filhos no Brasil e comanda a Wella Company – marca de produtos para cabelo – desde setembro de 2019. Consciente de que sua vida não é um grande exemplo de monotonia, a CEO passou por novas turbulências no último ano.
Agitação à brasileira
Nathalie conduzia a gigante da beleza há menos de um ano quando surgiu a pandemia de Covid-19. “Nem lembro o que eu fiz antes da pandemia”, brinca. Para ela, 2020 foi um ano de resiliência. “O mais difícil é o fato de todos nós estarmos vivendo isso pela primeira vez. Não há referências históricas para seguirmos.” Dessa forma, as decisões da empresa foram tomadas com intuição e bom-senso. “A primeira atitude foi tirar o time de campo, entrar em sistema remoto e ajudar os salões de beleza parceiros, que precisaram paralisar o trabalho por muitos meses.”
Já no que diz respeito às estratégias comerciais, o foco foi o investimento em novas plataformas de vendas. De e-commerce a parcerias com farmácias, a marca acelerou a expansão para novos canais. “Até março, as vendas online representavam 15% do nosso negócio. Entre abril, maio e junho, esse índice saltou para 40%”, conta. “Durante o lockdown, as pessoas começaram a tratar do cabelo em casa, então foi essencial impulsionar a venda para o consumidor final.” Para a executiva, essa rápida tomada de decisão pode ter sido responsável pelo crescimento de 7% da Wella Company Brasil em 2020. Mesmo em crise, a empresa alcançou o faturamento anual de US$ 100 milhões no país.
“O Brasil é um dos países mais relevantes para a empresa”, conta a CEO. Mais do que isso, as diferenças culturais do empreendedorismo brasileiro são fundamentais para Nathalie e sua bagagem de aprendizados. “Eu trabalhei bastante em Portugal, na Espanha e na França. Em nenhum desses locais as relações pessoais são tão importantes quanto no Brasil”, revela. “Logo que cheguei aqui, minha primeira chefe disse: ‘Vamos organizar um jantar com a família de toda a diretoria’. Eu não conseguia entender o porquê”, conta, sempre com seu bom humor habitual. “Tive um processo de adaptação, mas esse comportamento é realmente positivo para o mundo dos negócios. A relação com clientes e equipe é muito mais próxima.”
Além de ter sua família abraçada pelos colegas de trabalho, Nathalie revela ter se assustado com uma característica curiosa da comunicação brasileira. “Na Europa, as decisões profissionais são menos sensíveis. Se alguém não gosta de algo, vai dizer na sua cara. Isso é impensável por aqui”, explica. “Aprendi a falar com mais cuidado e ler nas entrelinhas. As pessoas não são muito diretas, o feedback precisa ser feito com mais cuidado.” Embora seja algo diferente de sua cultura, a CEO acredita que o comportamento seja benéfico quando se leva em conta o aspecto da saúde mental, principalmente durante um período delicado como o que estamos atravessando agora. “Precisamos ter mais cuidado neste momento, seja no jeito de falar ou na atenção dispensada aos funcionários. Mesmo na operação remota, precisamos de um início e um fim no horário de trabalho. Essa divisão do tempo é ainda mais difícil para as mulheres”, revela.
Uma mulher de negócios
Primeira mulher no cargo de CEO da Wella no Brasil, Nathalie percebeu seu papel de representatividade feminina logo no início da carreira, com seus primeiros cargos de responsabilidade. “Um dia, em uma viagem de negócios para Madri, eu entrei no avião e só tinha homens. Eu era a única mulher. Nem aeromoça tinha”, lembra. No Brasil, a desigualdade de gênero se tornou uma realidade ainda mais óbvia para ela. “Passei por reuniões nas quais os clientes me ignoravam e falavam apenas com os homens da equipe. Além de, muitas vezes, sentir que minha liderança não estava sendo bem aceita.”
Nathalie, no entanto, diz ter um orgulho profundo do time feminino que formou na sua gestão e do fato de que nenhuma dessas profissionais – nem mesmo as que possuem filhos pequenos – desistiu do cargo durante a pandemia, um momento difícil para conciliar a vida pessoal com a carreira. “Muitas profissionais estão considerando abandonar o mundo corporativo ou aceitar um cargo com menos responsabilidade por conta dos filhos dentro de casa”, explica. “Eu tenho esse perfil também. Sou CEO e mãe de duas crianças. É muito difícil, por isso temos que dar apoio a nossas colegas de equipe.” Pensando nisso, a executiva diz ter proibido reuniões em horário de almoço, além de estar aberta para analisar jornadas mais flexíveis.
Em comportamentos sutis, Nathalie diz perceber o machismo no dia a dia de seu trabalho até hoje, mas reúne forças para não se calar. “Estamos mudando esse cenário aos poucos, com o tempo. Além de nos levantarmos contra essas atitudes, precisamos ter sororidade. Cada mulher tem sua própria realidade e nós podemos nos apoiar para ter sucesso. Rivalidade feminina não gera nada de bom”, finaliza.
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