Durante a infância, o quintal da casa de Andreia Gentilini Milan não era tão comum quanto o de seus amigos. Até tinha espaço para uma balança ou uma casinha de bonecas, mas o foco mesmo era outro: uvas. Cachos e mais cachos que enriqueciam a produção centenária da família de viticultores. Seja pela força do DNA ou pela convivência, Andreia seguiu a mesma paixão pelo mundo do vinho. No entanto, com um diferencial. “Por mais que meus pais e avós sejam viticultores, eu sou a primeira geração que decidiu empreender”, revela a administradora.
Junto da enóloga Juciane Casagrande, que também cresceu colhendo uvas durante as férias na casa de seus tios, Andreia comanda a Amitié, uma marca de vinhos e espumantes fundada em 2018. “Começamos pelos espumantes e foi uma ousadia entrar em um mercado dominado por grandes nomes. Mas nós oferecemos algo inovador, então estamos brigando pelo nosso espaço”, destaca a empreendedora, que já comemora algumas conquistas. Em 2020, a empresa vendeu 120 mil garrafas de vinhos e espumantes, um salto considerável em relação a 2019, quando foram comercializadas 58 mil garrafas. Para 2021, o objetivo é alcançar o marco das 300 mil.
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Embora o aumento das vendas seja um presente e tanto, as especialistas têm uma meta ainda maior em mente para este ano: a construção de sua própria vinícola. O projeto, que começou a ser construído em março no município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, tem como principal foco a exploração do enoturismo na região. “O ano passado registrou uma safra histórica. O consumo aumentou enquanto as pessoas estavam isoladas em casa e, mesmo assim, as vinícolas não pararam de receber visitas. Este ano, o Vale dos Vinhedos espera receber mais de 1 milhão de turistas”, diz Andreia. “Foi observando esse cenário que decidimos tomar uma decisão e investir em nosso próprio espaço.”
Até o momento, toda a produção da Amitié é terceirizada, o que, na realidade, é uma estratégia que as empreendedoras não pretendem mudar. “Vamos produzir uma parte dos nossos produtos na nossa vinícola, mas não tudo. Temos quatro parceiros em quatro estados diferentes, e isso nos dá liberdade de extrair o que é melhor de cada região”, explica Juciane. “O Brasil é o único lugar do mundo que tem três tipos de viticultura: de verão, tropical e de inverno. Não queremos ficar restritas a apenas um terroir.” Para elas, é esse tipo de inovação que ajuda a trilhar o caminho para o sucesso.
“Nós começamos a partir de um modelo diferente. Geralmente, as pessoas plantam as uvas, fazem a vinícola e depois pensam no mercado”, afirma Andreia. “Nós já tínhamos conhecimento de mercado, então buscamos parceiros que pudessem nos oferecer exatamente o que estávamos pensando. Partimos de uma necessidade para construir toda a nossa estratégia.” Sendo assim, esse contato com diferentes vinícolas ao redor do país – e até no exterior, como as empreendedoras planejam -, não vai mudar com o lançamento de um espaço próprio.
Esse olhar expandido que deu vazão a tantas ideias inovadoras não surgiu da noite para o dia. Muito menos veio de graça em função da afinidade familiar com o tema. Tanto Andreia – administradora com foco em comércio exterior – quanto Juciane – formada em enologia – estudaram e trabalharam muito na área até a Amitié nascer. Foi em 2004, trabalhando em um projeto para disseminar o vinho brasileiro para o mundo, que elas se conheceram.
“Depois de me formar em enologia, no início dos anos 2000, eu comecei a estudar comércio exterior porque as demandas internacionais começaram a borbulhar no Brasil. Com isso, ingressei em um consórcio chamado Wines of Brasil, que tinha foco na promoção e exportação de vinhos do país”, conta Juciane. “No processo seletivo para a contratação de um gerente comercial, conheci a Andreia e a contratei.” A união entre as duas, mais do que um coleguismo de trabalho, foi crescendo ao longo dos anos. Juntas, viajaram para cerca de 50 países apresentando as produções brasileiras para o mercado internacional.
Nesse meio tempo, elas também conciliavam a vida profissional com outros projetos. Andreia – desde aquela época – trabalha como sommelier em consultorias sobre vinhos e controla uma empresa de enoturismo com sua irmã, que é fotógrafa. Juciane, que sempre pensou em empreender, trabalha em uma vinícola chilena e, alguns anos atrás, tentou criar uma empresa de cosméticos à base de vinho, que acabou não dando certo. No entanto, a frustração não fez com que ela desistisse de mergulhar no mundo dos negócios.
“Em um determinado momento, depois de tantos anos trabalhando juntas, eu perguntei à Andreia se ela queria continuar ao meu lado no nosso próprio negócio. E ela topou”, relembra Juciane. Foi assim, a partir de uma união de propósitos e pontos de vista parecidos, que a Amitié, que significa “amizade” em francês, nasceu. “São quase 20 anos no mundo do vinho. Um conhecimento que nos ajuda a entender o que os consumidores querem”, destaca Andreia.
PROPÓSITO + APRENDIZADO = AMITIÉ
O aprendizado que as empreendedoras adquiriram ao longo dos anos ajudou na percepção do momento certo de crescer. O planejamento de uma vinícola própria após apenas dois anos de atuação, ainda em meio à pandemia, pode parecer estranho para alguns, mas elas acreditam que essa é a hora. “Nossa marca já estava presente em mais de 1.000 pontos de venda”, diz Andreia. “Também começamos a mandar nossos vinhos para os concursos internacionais para reforçar a imagem da nossa marca. Da ‘Revista Decanter’ nós ganhamos a maior pontuação brasileira do concurso.”
Com cerca de 30 medalhas ganhas em premiações internacionais, só faltava uma coisa para que as empreendedoras dormissem em paz: tangibilizar a empresa. “Decidimos comprar esse terreno no Vale dos Vinhedos e estruturar nosso próprio espaço porque, assim, podemos oferecer experiências marcantes. As pessoas vão embora levando a marca no coração”, explica Juciane.
A partir de um investimento de R$ 3 milhões, o projeto assinado pela arquiteta Vanja Hertcert vai representar um grande passo de credibilização da marca no mercado nacional. Com mais de 2.000 metros quadrados, o espaço contará com uma grande plantação, área de degustação, bar, loja e um local para gastronomia – que ainda não está completamente estruturado. Tudo isso, claro, para fazer com que as pessoas mergulhem no mundo Amitié e conheçam opções inovadoras de vinhos e espumantes.
“O espumante Amitié Nature Tradicional, por exemplo, é o nosso maior sucesso de vendas. Além de ser um produto de qualidade diferenciada, sua tampa tem um pingente que vira colar. Isso surpreende e agrada às pessoas, que podem degustar e ganhar um novo acessório”, conta Andreia. Com 16 produtos no portfólio, algumas outras garrafas, seguindo a mesma proposta de inovação, possuem marcadores de taças. “Fazer algo diferente é uma forma de se destacar. As pessoas querem novidades”, ressalta a empreendedora.
E é pensando nessa aprovação do público brasileiro que as fundadoras da marca esperam dobrar o número de consumidores em 2021 – algo que revelam estar conseguindo. Para elas, o segredo é fazer tudo com carinho e cautela, desde a qualificação da uva até o nível de acidez no processo residual. “Tudo faz diferença”, diz Andreia. “Também é preciso ter paciência, já que o desenvolvimento de um novo produto é um caminho lento. Iniciamos algumas produções este ano que serão lançadas apenas no ano que vem. Temos algumas garrafas vinificando para serem lançadas apenas daqui a dois anos”, completa Juciane. “No mundo do vinho, estamos sempre olhando para frente.”
Assim, com foco no futuro, as empreendedoras aguardam ansiosamente o lançamento da vinícola e vislumbram um mercado ainda mais favorável no ano que vem. A data de inauguração, mais do que um simples dia no calendário, está marcada para 8 de março de 2022, Dia Internacional da Mulher. “Sempre fomos muito batalhadoras e, por mais que esse seja um mercado muito masculino, acreditamos que o limite está em nós mesmas”, destaca Andreia, que busca passar essa mensagem para outras mulheres. “Nosso objetivo é continuar crescendo cada vez mais, no mundo inteiro”, finaliza.
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