Circunstâncias diferentes levaram Patrícia Camargo e Luciana Navarro a conhecerem o mundo da beleza limpa. Mas foi uma condição de saúde de Luciana que levou as amigas a se tornarem sócias e cofundadoras da Care Natural Beauty. A história do negócio começou quando a empresária desenvolveu uma gestação molar (quando um tumor benigno se forma no útero como resultado de uma gravidez não viável) e precisou passar por sessões de quimioterapia, sendo proibida de usar maquiagem convencional. Foi o estalo para criar, em 2018, uma marca com itens de maquiagem e skincare livres de toxinas e metais pesados. Desde então, a Care Natural Beauty já foi escolhida para o programa de aceleração da Sephora, em São Francisco (EUA), e apareceu ao lado de marcas internacionais em um relatório do WGSN que apontava o minimalismo entre tendências para o futuro do mercado de beleza.
Ainda não se sabe quais serão os impactos definitivos da pandemia e dos períodos de isolamento social nos hábitos de consumo da população, mas estudos de tendência mostram que a crise sanitária ajudou a acelerar inclinações que já despontavam antes, como o cuidado com o meio ambiente por meio de um consumo mais consciente. Tudo a ver com a proposta da Care Natural Beauty: oferecer produtos simples, mas potentes e multifuncionais. “Não lançamos a marca para um nicho, mas para o equilíbrio. É um convite para que as pessoas experimentem a beleza limpa e percebam que não deixamos a desejar para os itens convencionais de tratamento e maquiagem”, diz Patrícia.
Assim como as ondas da pandemia se refletiram por aqui com certo atraso em relação ao restante do mundo, a febre do skincare também pegou forte no Brasil após bombar na Europa e nos Estados Unidos. As complexas rotinas de pele seguidas a risca pelas sul-coreanas invadiram os perfis de Instagram de influenciadoras digitais brasileiras quando o mundo já pensava em passos mais enxutos e personalizáveis, seguindo o denominado skinimalism (junção das palavras em inglês skin e minimalism, ou pele e minimalismo em português).
É verdade que pequenas produtoras nunca deixaram de existir e oferecer seus cremes e sabonetes feitos a partir de uma criação artesanal com óleos essenciais, ervas e outros ingredientes naturais, mesmo quando grande parte das brasileiras só se preocupava em lavar o rosto, muitas vezes com sabonetes inapropriados para a pele da região. Entretanto, esses produtos artesanais não costumavam furar as bolhas locais de pequenas feiras e atraíam, principalmente, o público vegano. Agora, as estrelas parecem se alinhar: o consumidor está mais antenado e criterioso, o mercado está interessado na alta demanda por skincare, o que atrai investimentos, e a tecnologia disponível potencializa os efeitos. O clean beauty, uma realidade no mundo, ganha força no Brasil.
E as cofundadoras da Care Natural Beauty vão além. Mais do que clean beauty, denominam seus produtos orgânicos, veganos e 100% livres de toxinas como high clean beauty, prometendo eficácia e alta performance. “Como não temos o respaldo de um guia oficial que realmente aponte os limites para as formulações seguras, não adotamos nenhum ativo tóxico, metal pesado ou potenciais causadores de doenças. Enquanto a Anvisa permite o uso de alguns ingredientes, para nós, se uma pessoa grávida ou imunodeprimida não puder usar o produto, precisamos reformular”, explica Luciana.
Logo após o lançamento, a Care participou do programa de aceleração Sephora Accelerate em São Francisco. Depois de muitas etapas, conquistou uma das 15 vagas para mostrar seus produtos para grandes nomes da indústria de cosméticos, recebendo elogios pelo uso de ingredientes naturalmente brasileiros como açaí e pracaxi. A empresa recebeu o primeiro investimento-anjo no ano passado. “Começamos com nosso próprio capital e hoje estamos alcançando patamares em que não esperávamos chegar tão rápido”, afirma Patrícia. Comparado com 2019, a marca registrou crescimento de 370% em 2020. Nativa digital, tem 90% de suas vendas no e-commerce e 10% provenientes das revendas nos parceiros Sephora e Slow Beauty.
Segundo a Care, sua cadeia produtiva é 100% rastreada, sem exploração humana, animal ou ambiental. Os produtos, certificados pela IBD Ingredientes Naturais, são livres de toxinas e metais pesados. “É um desafio grande porque muitos ativos vêm de produtores locais. Precisamos ajudá-los a se estruturar, a ter um manejo da terra com o cuidado apropriado para não deixar rastro negativo no caminho. É um aprendizado para todos no processo e é importante fomentar esse mercado, profissionalizar esses pequenos produtores. Há muito trabalho a ser feito e é uma grande oportunidade para o Brasil”, diz Luciana.
Com mais frequência do que gostariam, porém, as cofundadoras precisam importar os ativos nacionais, encontrados apenas com fornecedores estrangeiros – uma vez que, para os produtores, é mais vantajoso vender, em maior quantidade, para o mercado internacional – como o óleo extraído da casca da laranja e o amido da mandioca, usado para dar acabamento matte em batons. “Existem entraves no volume de produção. Prezamos muito pela segurança e pela performance e, por isso, acabamos tendo que importar o que é daqui. Não há incentivo e os produtos de pior qualidade ficam para o mercado interno. Mas temos um olhar otimista sobre o surgimento de mais oportunidades”, confessa Luciana.
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A dupla já se conhecia antes da formação da Care, mas nunca imaginou que um dia atuaria profissionalmente como parceiras de negócio – ou sócias-lindas, como se chamam. Apaixonada pelo universo da beleza e da maquiagem, a advogada de formação Patrícia acreditava que havia conquistado o emprego dos sonhos quando entrou para o departamento jurídico de uma multinacional do segmento. Mas diz que foi lá que conheceu o lado B da indústria, das toxinas e do quanto elas impactam a saúde dos consumidores. Passou a sonhar com a possibilidade de ter no Brasil os produtos de clean beauty que já encontrava no exterior, mas engavetou a vontade pelas dificuldades de empreender sozinha.
Já Luciana empreendia desde os 23 anos e levou sua empresa de live marketing para eventos corporativos, criada da sala da casa dos pais, para um escritório na Berrini (importante centro empresarial de São Paulo) e para a internacionalização. A partir da maternidade, começou a perceber que a loucura profissional estava ficando incompatível com o que vislumbrava para o futuro. Veio ainda a gestação molar, quando teve o uso de uma série de produtos vetado pelos médicos. “Sempre tive cuidado com a alimentação, mas nunca havia pensado que também nos alimentamos pela pele. Conheci então marcas de formulação limpas”, relembra.
Enquanto Luciana passava por um sabático, afastada das funções da empresa para focar no tratamento, encontrou Patrícia em um jantar entre amigos. Naquela noite, abriram o coração sobre seus anseios e dúvidas sobre a vida profissional. Após um ano viajando por Estados Unidos e Europa para conhecer e desenvolver formulações com um time multidisciplinar formado por dermatologistas, maquiadores e químicos, a dupla teve a segurança de lançar a Care. “Repensar o consumo é algo geral. Uma vez que você inicia esta caminhada, invariavelmente acaba esbarrando em todas as áreas da vida, não importa por onde começa. O olhar fica mais aguçado”, diz Luciana. “Não somos ativistas, radicais. Procuramos fornecer informação de qualidade e, a partir disso, cada um faz as suas escolhas.”
No início deste ano, a Care foi reconhecida como marca minimalista pelo WGSN, empresa referência de previsão de tendências de consumo, citando consumidores “preocupados com rotinas que maximizem eficiência e eficácia por meio de produtos multifuncionais que são melhores para a pele, o planeta e o bolso”.
Neste ano, a Care deve lançar mais dois produtos, incluindo o retorno de um item desenvolvido especialmente para as crianças, inspirado em Valentina, 8 anos, filha de Luciana.
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