Sowon Kim dá aulas de liderança e gestão multicultural em uma das principais escolas de hotelaria do mundo, a EHL (Ecole Hôtelière de Lausanne) e, ao perceber que, apesar de ter mais de 60% de mulheres entre os alunos, apenas 17% delas chegavam de fato à alta gestão das empresas, decidiu criar mecanismos para mudar a situação. Em 2018, foi uma das fundadoras do movimento Mulheres na Liderança (Women In Leadership), que difunde práticas e cria projetos com o objetivo de abrir espaço para elas no topo do organograma das companhias.
Aqui, a professora fala sobre o estilo de liderança feminino, os obstáculos para que as profissionais conquistem cargos de chefia e o peso dos traumas causados pelo assédio sexual, algo que combate diretamente com sua iniciativa. Dentro do programa WIL, mais de 1,4 mil alunos do primeiro ano foram treinados pela Fundação Projeto Não-Violência, visto que 90% das profissionais da hotelaria relataram ter sofrido um ou mais incidentes de assédio sexual no local de trabalho. Confira na entrevista a seguir.
Forbes: Você diz que as mulheres exercem um estilo de liderança transformacional. Como é esse estilo?
Sowon Kim: Pesquisas mostram que as mulheres são mais transformacionais do que os homens. Quero dizer que as mulheres têm melhores habilidades de escuta e de transformar por meio do outro. Não quero generalizar porque há sempre exceções. Mas é o que os estudos mostram.
F: O que há de mais importante, e que está ao nosso alcance, para que as mulheres consigam alcançar mais e mais cargos de liderança corporativa?
SK: Liderança tem a ver com habilidades, sejam profissionais ou pessoais. E uma delas é a capacidade de interagir com pessoas que são capazes de apoiar sua carreira para que você tenha visibilidade. As mulheres são extremamente boas em fazer seu trabalho, elas são realmente brilhantes. O que eles não fazem, o que têm que trabalhar, é garantir que o trabalho que desempenham seja visível para as pessoas que tomam decisões nas empresas.
F: Acha que as mulheres não são tão boas em se promover quanto os homens?
SK: Não, nós não somos. Estamos focadas em trabalhar e entregar os resultados. Ok, isso é uma parte. Mas temos que ter certeza de que estamos levando o crédito pelo nosso trabalho e que as outras pessoas da empresa conheçam nossas ambições. Quando somos ambiciosas, desenvolvemos plenamente o nosso potencial e quando estamos plenamente desenvolvidas, podemos dar o melhor de nós para a organização e para nós mesmas, certo? Parte disso é usar a rede de pessoas, de apoiadores que são capazes de “patrocinar” nossa carreira e de ajudar a impulsioná-la.
F: Como construir essa rede?
SK: Este pode ser um desafio. Porque ninguém quer passar a percepção de que está se promovendo o tempo todo. Então o primeiro trabalho está na mudança de mentalidade. Não se trata de “vender-se”. Trata-se de garantir que as pessoas entendam a contribuição que você está dando. As mulheres pensam: “ok, se eu trabalhar duro, vou prosperar”. Isso seria o mundo ideal. A realidade é que existem preconceitos, vieses… O sistema é falho e você sabe que tem que ser a sua própria advogada de defesa para que outros entendam seus pontos fortes e lhe deem papéis maiores. Os homens são muito bons nisso, então temos coisas a aprender com eles. E vamos lembrar que ser um modelo faz com que outras mulheres nos percebam como inspiração. Fazendo isso, você abre espaço para as que vêm depois.
F: Mais de 60% dos alunos da EHL são mulheres, mas só 17% delas ocupam cargos de liderança sênior pelo seu levantamento. Por que elas não conseguem subir?
SK: Esses números são semelhantes em todos os setores. A gente sabe que, na base, é 50%. Já na gerência média, cerca de 30% e, quando você sobe na hierarquia, há poucos cargos ocupados por elas. É muito desanimador. Acho que uma coisa que joga contra as profissionais são as percepções pré-concebidas. A gente tem que trabalhar mais para ter o mesmo tipo de reconhecimento que os homens. Se você é uma mãe que trabalha, você é vista como alguém que não está comprometida o suficiente ou motivada o suficiente e assim por diante. E, claro, se você se comportar de uma certa maneira, você é vista como muito agressiva… Todas essas percepções externas têm um grande impacto na carreira feminina.
F: Então a responsabilidade pela mudança na liderança está além das mulheres, está nas organizações…
SK: Sim. Mas tem mais. A gente costuma ser muito dura com a gente mesmo. Vamos arriscar um pouco também. Vemos que as mulheres correm menos riscos do que os homens quando se trata de pleitear algo. Eles se lançam em áreas que nem sempre dominam. E nós esperamos estar 100% prontas antes de tentar. Sabe, as mulheres são mais educadas do que os homens. As mulheres passaram por mais coaching ou treinamentos também. Elas só precisam trabalhar mais sua autoconfiança e sua mentalidade para conquistar alguns espaços.
F: Prevenção do assédio sexual – do qual as mulheres são as grandes vítimas, é uma parte importante do seu trabalho, certo?
SK: Empoderamento, flexibilidade, prevenção do assédio sexual…são todos tópicos importantes. Dito isso, existem partes que são específicas para a nossa indústria. Uma delas é a prevenção do assédio. E isso é algo que destrói carreiras por causar traumas. Quando você analisa o assédio sexual, há três níveis. O primeiro é o que chamamos de ofensa degradante de gênero: piadas sexistas e coisas assim. O segundo é atenção sexual indesejada, como ter pessoas tentando tocar seu corpo ou tentando beijá-la, por exemplo, ou ainda pressionando você para tomar uma bebida ou sair. E finalmente vem a coerção sexual, que é um alguém punindo a mulher se ela não dormir com tal pessoa ou algo assim. E, claro, no auge da coerção sexual há o estupro. O nível de trauma depende da gravidade do assédio, mas as consequências nunca são simples.
F: Você acha que as mulheres de hoje conseguem denunciar mais esse tipo de assédio?
SK: Nem sempre. Primeiro, há uma vergonha. Vão dizer que fizeram isso porque você usava um vestidinho curto ou algo assim. Desde cedo, nós não educamos o homem, nós apenas educamos as mulheres para serem autoprotetoras. Então, há muito o que ser feito. Em termos de assédio sexual, é muito mais importante educar os homens do que as mulheres, independentemente da idade.