A administradora Jhenyffer Coutinho sonhava em fazer carreira em uma startup ou em uma grande empresa, mas nunca cumpria todos os requisitos das vagas de emprego e por isso não se candidatava. Era o exemplo do que mostram as pesquisas: as mulheres só se candidatam quando preenchem 100% dos pré-requisitos das vagas, enquanto os homens já se aplicam com 60%.
No caso da mineira, natural de Viçosa, faltava o inglês fluente, que ela foi buscar em um intercâmbio nos Estados Unidos. “Eu até poderia me candidatar, mas olha o que fiz para ir atrás do que me faltava. Não quero que as mulheres tenham que passar por isso.”
Ela fez da sua história uma empresa e, em 2020, recebeu o prêmio de melhor startup de impacto do Startup Awards, o “Oscar das startups”, com a Se Candidate, Mulher, que capacita mulheres e oferece sua base de talentos para as empresas. Agora, com quase 40 empresas parceiras – como Accenture, Volvo e Ambev – e cerca de 10 mil mulheres na plataforma educacional, captou R$ 1,2 milhão de investimento e recebeu o prêmio pela terceira vez. “Na 1ª vez, éramos uma aposta; na 2ª, um acontecimento. Agora somos realidade.”
Do interior de Minas a CEO de startup
Foi nos EUA, depois de se assustar com o número de brasileiras que estavam desempregadas no início da pandemia – 6,5 milhões –, que ela começou a colocar de pé a startup. “Foi um estalo. Alguém tinha que fazer algo sobre isso”, diz. E o que nasceu como uma newsletter para dividir conteúdo e incentivar as mulheres é hoje uma plataforma que capacita e ajuda a inserir talentos femininos no mercado de trabalho.
No ano passado, a Se Candidate, Mulher inseria ou recolocava pelo menos uma mulher no mercado a cada dois dias. Hoje, são, no mínimo, duas por dia. “Já chegamos ao equivalente a 45 salas de aulas lotadas de mulheres promovidas e recolocadas.”
Coutinho costuma dizer que é fruto de várias histórias erradas que deram certo. Desde pequena, ouvia que teria um destino semelhante ao de sua mãe, que engravidou aos 13 anos e largou os estudos. Mas a empreendedora transformou o descrédito em combustível para cursar uma boa faculdade, ser a melhor da sua sala e viver uma realidade diferente. “Meu sonho era um salário de R$ 3 mil e vale-refeição.”
Ela estudou administração na UFV (Universidade Federal de Viçosa), trabalhou com empreendedorismo no Sebrae e assumiu as áreas financeira e de pessoas na ABStartups (Associação Brasileira de Startups), de onde se demitiu mais tarde antes de ir para os Estados Unidos. “Pedi demissão e disse que estava indo estudar inglês. O que pouca gente sabia é que eu estava indo ser babá para pagar meus estudos.”
Empreender, que muitas vezes é sinônimo de instabilidade financeira, não era uma opção. Mas o negócio acabou caindo no seu colo. “Em um mês, tinha 15 mil mulheres inscritas na newsletter”, lembra. O crescimento foi orgânico, apenas com divulgação no Instagram e LinkedIn. “Eu vinha do mundo de startups e percebi que tinha uma oportunidade de negócio ali.”
Criando o MVP e escalando o negócio
Coutinho criou uma comunidade sólida. As mulheres pediam para fazer grupos no WhatsApp, queriam dicas de currículo, aulas sobre LinkedIn. “Eu fui ouvindo o que o cliente estava querendo, mas não ia mais fazer de graça”, diz, e começou a testar diferentes modelos em que as mulheres pagavam pelos conteúdos.
Em paralelo, sua caixa de email estava lotada de grandes empresas, nomes como Coca-Cola, Sympla, Itaú, que queriam ter acesso a essas mulheres capacitadas por ela. “O grupo Movile, detentor de sete grandes startups, como o iFood, abriu as portas para a gente validar o B2B lá.” No final do ano, tinha um produto B2C e um B2B validados. “Conseguia atender mil mulheres e tinha um produto B2B com ticket médio de R$ 20 mil.”
A empreendedora voltou ao Brasil em janeiro de 2021. “As pessoas do ecossistema de startups falavam ‘se você fez tudo isso part time, imagina quando você se dedicar 100% a esse negócio’”, lembra. Então, com R$ 9 mil reais em caixa, 3 vezes mais do que tinha para se sustentar em São Paulo antes do intercâmbio, Coutinho começou a desenvolver a primeira versão da plataforma para começar a formar um time. “Eu tinha três meses para fazer a Se Candidate acontecer.”
A Se Candidate, Mulher é dividida em uma parte educacional, a SCM Academy, com cursos de capacitação, e a base de talentos – formada pelas mulheres que finalizaram os conteúdos educacionais. Elas podem comprar o acesso ao curso e as empresas podem adquirir um combo de acessos para oferecer a suas candidatas e ter acesso à base. “99% das vagas dos nossos clientes são preenchidas em 15 dias, enquanto o mercado fecha uma vaga em três meses.”
Hoje, o B2B representa 80% do faturamento. E de R$ 500 mil em 2021, ela espera chegar a R$ 1,2 milhão este ano.
O jogo dos investimentos para mulheres
Isso sem contar o investimento, que entrou em outubro deste ano. O aporte de R$ 1,2 milhão foi feito pelo pool Ladies do grupo Bossanova, por investidoras-anjo do Sororitê, criado para financiar negócios de mulheres, e investidores independentes. “60% da minha rodada foi feita por mulheres.”
Mas ela também lembra que o capital ainda está muito concentrado nas mãos dos homens. “No começo, achei que ia convencer as pessoas com o papo do impacto social. Mas depois entendi o jogo e estava disposta a entrar nele”, diz Jhenyffer, que criou estratégias para se dar bem nesse espaço, como ir a pitches acompanhada de colegas homens.
Além desse aporte, a Se Candidate, Mulher venceu uma premiação de R$ 100 mil para ser acelerada pelo governo do Espírito Santo. Os investimentos serão usados para continuar desenvolvendo o negócio.
A startup agora terá módulo de liderança, muito solicitado pelas empresas, vai investir em tecnologia e quer ampliar o número de clientes B2B e fornecer mais capacitações gratuitas para as mulheres. Em janeiro, a base de talentos que sobram e não são contratados pelas empresas também estará aberta na plataforma. “A gente vai investir bastante em tecnologia para escalar o negócio e trazer mais mulheres.”