Nos últimos anos, ouvimos várias estimativas alarmantes sobre quanto tempo levará para alcançar a igualdade de gênero. De acordo com o relatório mais recente da ONU Mulheres, no atual ritmo de progresso, levará 286 anos para alcançar a igualdade de gênero no mundo. E segundo o Fórum Econômico Mundial, levará mais 132 anos para fechar a lacuna global de gênero. Seja qual for a projeção mais precisa, o resultado é que a taxa atual de “progresso” é inaceitavelmente lenta.
Estatísticas desencorajadoras como essas e o desejo de fornecer maneiras para acelerar a taxa de progresso impulsionaram a análise e o lançamento do livro “Equality Within Our Lifetimes: How Laws and Policies Can Close – or Widen – Gender Gaps in Economies Worldwide”, que trata de como as leis e políticas podem fechar ou estreitar a lacuna econômica de gênero no mundo todo. É um chamado para a ação escrito por Jody Heymann, Aleta Sprague e Amy Raub, da organização WORLD Policy Analysis Center. O livro explora como a igualdade de gênero é alcançável e urgentemente necessária para enfrentar alguns dos maiores desafios da atualidade.
“Todos os países do mundo se comprometeram a alcançar a igualdade de gênero, mas ainda persistem grandes desigualdades. O mundo ficou muito complacente com a estimativa de que levará séculos para fechar a lacuna de gênero”, diz Heymann, autora, professora da UCLA e diretora-fundadora da WORLD.
“Observamos como leis e políticas moldaram a desigualdade em nossas vidas e como também podem diminuir as barreiras e possibilitar a aceleração do progresso”, diz Heymann. “Alcançar a igualdade de gênero no tempo de nossas vidas é completamente viável se estivermos realmente comprometidos em garantir que metade do mundo não seja empurrada para fora da economia.”
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O livro revela que a desigualdade de gênero “custa trilhões de dólares para os países anualmente. No entanto, as disparidades globais no emprego, remuneração e liderança não são simplesmente resultado de discriminação histórica, viés cultural ou escolhas individuais – elas são impulsionadas diretamente por leis e políticas que derivam e reforçam os estereótipos de gênero”.
A obra analisa as leis em todos os 193 países membros da ONU – abrangendo tópicos como educação de meninas, discriminação no emprego de todos os tipos, assédio sexual e necessidades de cuidados. Ela expõe as maneiras pelas quais as leis e políticas que não abordam a discriminação reforçam papéis desiguais de gênero e como desvalorizar o trabalho com o cuidado – na maioria das vezes desempenhado por mulheres – contribui fortemente para a desigualdade de gênero.
Cuidado não remunerado é destinado às mulheres
A prestação de cuidados é uma área-chave que requer melhores políticas para promover a igualdade. “Desproporcionalmente, quem cuida de todos em nossas vidas, desde a infância até a velhice, são mulheres”, diz Sprague, advogada e analista jurídica sênior da WORLD. “Os números globais mostram que as mulheres em todo o mundo gastam três vezes mais tempo em cuidados não remunerados do que os homens, e elas têm quase 15 vezes mais chances de ficar fora do mercado de trabalho por causa disso. E essas disparidades são reforçadas pela lei”.
Por exemplo, 185 países fornecem pelo menos um mês de licença remunerada para mães, mas apenas 51 o fazem para pais, segundo o estudo. “Quando os países fornecem licença remunerada apenas para as mães, ou quando há grandes disparidades de gênero na duração da licença, os empregadores podem discriminar as mulheres em idade reprodutiva com base na presunção de que elas vão precisar de um tempo longe do trabalho que seus colegas do sexo masculino não vão”, diz Heymann.
Ao mesmo tempo, segundo ela, quando apenas as mulheres têm acesso à licença parental, inevitavelmente assumem maiores responsabilidades de cuidado durante a fase de recém-nascido. “A desigualdade estrutural na lei cria um ciclo vicioso: as políticas baseadas em estereótipos de gênero forçam as mulheres a assumir a maioria das responsabilidades, e os empregadores então citam essas responsabilidades para justificar mais discriminação contra todas as mulheres”.
As lacunas políticas no apoio à prestação de cuidados são particularmente acentuadas nos EUA. O país é um dos apenas sete em todo o mundo sem licença remunerada para as mães, e também está ficando para trás quando se trata de licença remunerada para os pais. “A pesquisa afirma que a igualdade de gênero em casa é essencial para promover a igualdade no trabalho”, diz Sprague. “Mas os EUA estão agora entre apenas 37% dos países do mundo – e o único da OCDE – sem licença parental remunerada.”
Os impactos nas carreiras das mulheres são severos. “Quase um terço das americanas abandonam seus empregos depois de ter um filho, muitas vezes porque não têm outra escolha”, diz Sprague.
Nota da editora: No Brasil, segundo um estudo da FGV, dois anos depois de tira licença-maternidade, quase metade das mulheres está fora do mercado de trabalho.
Mas as lacunas nas políticas de cuidado afetam as mulheres em todas as fases da vida. “Sem licença remunerada para cuidar de membros adultos da família, as mulheres americanas também têm três vezes mais chances do que os homens de se aposentar mais cedo para cuidar de um cônjuge doente ou de um pai idoso”.
Políticas contra a desigualdade de gênero
Nota da editora: Em março deste ano, no Dia Internacional da Mulher, o governo brasileiro anunciou um PL (projeto de lei) para garantir que mulheres recebam igual remuneração aos seus colegas que exercem as mesmas funções no trabalho. O novo projeto de lei – que ainda deve passar pelo Congresso para ser sancionado – determina uma multa de 10 vezes o valor do salário mais alto pago pela empresa que descumprir a igualdade salarial.
Os países que implementaram melhores políticas de prestação de cuidados mostram resultados claros. Sprague observa que quando a Espanha reservou apenas 13 dias de licença remunerada para os pais, as mulheres tiveram uma probabilidade significativamente maior de retornar ao trabalho depois do parto. Quando o Japão introduziu a licença remunerada para as necessidades de saúde da família, os trabalhadores tinham menos probabilidade de deixar o emprego dentro de um ano.
Além da falta de apoio em relação à prestação de cuidados, as mulheres em países que carecem de proteção legal contra discriminação de gênero no local de trabalho, remuneração desigual e assédio sexual têm menos probabilidade de subir na carreira e chegar à liderança e mais probabilidade de enfrentar assédio no trabalho. “Não deveria ser nenhuma surpresa que as mulheres ainda não estejam ascendendo a posições de liderança quando 88 países ainda não proíbem as formas de discriminação de gênero que mais importam para o avanço profissional”, diz Heymann.
“Da mesma forma, não devemos nos surpreender que o assédio sexual no trabalho continue generalizado quando 104 países não têm leis contra ele ou não pedem aos empregadores que tomem medidas para evitá-lo. Nem que em todo o mundo as mulheres ganhem 80 centavos por cada dólar que os homens ganham quando em 42% dos países não há garantia de pagamento igual para o mesmo tipo de trabalho.”
Desigualdade de gênero está custando trilhões de dólares
Outra lição importante do livro é que quando as mulheres não avançam, a economia também fica retida. “Os benefícios humanos de alcançar a igualdade de gênero seriam inúmeros, e os econômicos, enormes”, diz Heymann.
“A McKinsey projetou que, se eliminássemos totalmente as disparidades de gênero na economia, o PIB global anual aumentaria US$ 28 trilhões (R$ 140 trilhões) até 2025.”
Eliminar a disparidade salarial também teria impactos relevantes. De acordo com o Banco Mundial, igualar os rendimentos vitalícios de homens e mulheres globalmente aumentaria a riqueza em mais de US$ 160 trilhões (R$ 801 trilhões) no total.
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“É muito dinheiro que estamos deixando na mesa”, afirma Heymann. “A igualdade de gênero é um direito humano fundamental e que afeta a qualidade de vida de mulheres, meninas e comunidades. Mas alcançá-la também renderia, apenas nos EUA, entre US$ 2,6 trilhões (R$ 13 trilhões) e US$ 4,3 trilhões (R$ 21,5 trilhões) por ano.”
E é claro que a desigualdade de gênero não afeta negativamente apenas as mulheres. “Pesquisas mostram que prejudica a todos, com consequências que começam antes mesmo de nascermos e que moldam nossas experiências de educação, saúde e trabalho ao longo da vida”, diz Sprague. “Por outro lado, o avanço da igualdade de gênero melhora as condições para todos. É uma das ferramentas mais poderosas que temos para o crescimento da economia global, tirando bilhões de pessoas da pobreza, reduzindo o impacto da mudança climática e criando um mundo onde todos realmente têm oportunidades iguais para contribuir e liderar no trabalho”.
Como avançar rumo à igualdade de gênero
É importante ressaltar que as autoras observam que os países estão fortalecendo suas leis. “Desde que o #MeToo decolou globalmente, pelo menos 11 países promulgaram leis que proíbem o assédio sexual no local de trabalho pela primeira vez”, diz Sprague. “Algumas regiões avançaram rapidamente em diversas áreas importantes para a igualdade de gênero na economia.”
Mas acelerar o ritmo dessa mudança será fundamental para alcançar a igualdade no curto prazo. O livro fornece um roteiro abrangente para ajudar a avançar na igualdade de gênero, com soluções imediatas e de longo prazo. Ele inclui dados para todos os 193 países, resumos de políticas em três idiomas e mais de 100 mapas globais em todos os seis idiomas oficiais da ONU.
“Se você é um tomador de decisões, adote políticas que tornarão seu país e seu local de trabalho mais igualitários e bem-sucedidos economicamente. Se você é um líder comunitário, mobilize o que é viável para defender a mudança. E se você é um membro da comunidade, saiba que sua voz na defesa da igualdade é importante”, diz Heymann.
Uma versão gratuita do e-book está disponível aqui. Para acessar os mapas globais, fichas informativas multilíngues, infográficos e outros recursos, clique aqui.
*Marianne Schnall é colaboradora da Forbes USA. Ela é jornalista, entrevistadora e autora, além de fundadora do Feminist.com e host do podcast ShiftMakers.
(traduzido por Fernanda de Almeida)