Muitos funcionários de empresas que estão exigindo o retorno ao escritório suspeitam que essas ordens são baseadas quase que totalmente no instinto do CEO. Agora, os funcionários da Amazon, pelo menos, tiveram suas suspeitas confirmadas. Andy Jassy, CEO da Big Tech, foi criticado nas últimas semanas depois que um áudio vazado de um bate-papo interno revelou que ele não tem dados que embasem sua política agressiva de retorno ao escritório.
No áudio vazado, noticiado pela “Business Insider”, um funcionário pergunta a Jassy quais dados ele possui para respaldar o mandado de trabalho presencial. O executivo admite que não tem “dados perfeitos”, mas cita conversas com “60 a 80 outros CEOs”, todos os quais preferem o trabalho no escritório ao trabalho remoto. Um vice-presidente sênior da Amazon, Mike Hopkins, dobrou a aposta, dizendo sobre o trabalho presencial: “Não tenho dados para comprovar isso, mas sei que é melhor”.
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“Em fevereiro, compartilhamos com os funcionários que iríamos pedir que começassem a ir ao escritório três ou mais dias por semana a partir de maio, porque acreditamos que isso renderia melhores resultados de longo prazo para nossos clientes, negócios e cultura”, disse um porta-voz da Amazon, Rob Munoz. “Depois de vários meses com mais pessoas no escritório com maior frequência, há mais energia, conexão e colaboração, e estamos ouvindo isso dos funcionários e das empresas que circundam nossos escritórios.”
O pedido de retornou ao presencial agitou a Amazon no ano passado, com petições de funcionários que se opõem à política e preparações para demissões em massa.
Jassy não especificou com quais outros executivos conversou, mas o perfil demográfico dos CEOs é bem definido: homem, branco e com mais de 50 anos – assim como Jassy e Hopkins. Não é preciso ser um pesquisador para imaginar que essa também deve ter sido a amostra consultada pelo CEO da Amazon. Entre as principais empresas com políticas de retorno ao escritório, como Meta, Goldman Sachs e Apple, há apenas uma com CEO mulher, Jane Fraser, do Citigroup.
Remoto beneficia as mulheres, presencial beneficia poucos
Não é surpreendente que o trabalho presencial seja uma boa opção para homens de meia-idade, ricos e em posições de liderança em grandes empresas, um grupo que dificilmente precisou se preocupar com tarefas domésticas, cuidar de idosos ou pegar os filhos na escola.
Para as pessoas que são responsáveis por essas tarefas — principalmente mulheres, que ainda fazem pelo menos 65% do trabalho doméstico não remunerado, sem levar em conta a carga mental disso – o trabalho remoto foi revolucionário. As mulheres foram excluídas da força de trabalho aos milhões no início da pandemia, mas rapidamente recuperaram esse terreno entre 2021 e 2022. O que aconteceu?
Nos primeiros dias do trabalho remoto impulsionado pela pandemia, quando escolas e creches foram fechadas, a participação de mulheres entre 25 e 54 anos na força de trabalho caiu. A parcela feminina no trabalho formal saiu de 44,8% em 2019 para 44,3% em 2020 – a menor participação desde 2015 (44%), segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Nos EUA, caiu de 77% para 73,5% entre fevereiro e maio de 2020, de acordo com as Estatísticas Trabalhistas do país. Muitos perderam o emprego, enquanto pelo menos 1,8 milhão de americanas abandonaram o mercado de trabalho por opção, muitas vezes para assumirem cuidados com idosos ou filhos e o ensino a distância. Depois, as escolas e creches reabriram, aliviando essa carga, enquanto o trabalho remoto perdurou. Em maio de 2023, a participação das mulheres na força de trabalho atingiu 77,6% nos EUA, uma máxima histórica.
Mas as políticas de retorno ao escritório já estão diminuindo esses avanços. Um relatório publicado este ano pela empresa voltada à maternidade Mortherly descobriu que o número de mães que ficam em casa disparou de 2022 para 2023, saltando de 15% para 25% das entrevistadas. E 18% das mulheres disseram que mudaram ou deixaram o emprego no ano passado, com quase metade citando o cuidado dos filhos como motivo. 64% das mães que não trabalham fora de casa afirmaram que precisam de um trabalho flexível para voltar ao mercado.
Da mesma forma, o mais recente estudo Women in the Workplace da consultoria McKinsey com a LeanIn descobriu que 9 em cada 10 mulheres querem trabalhar em modelo total ou parcialmente remoto, e observou que 49% das mulheres em cargos de liderança consideram a flexibilidade um dos principais pontos para sair ou assumir um cargo – essa tendência é ainda maior entre mulheres líderes mais jovens.
Esse relatório também concluiu que o escritório tem pouco a oferecer a essas mulheres: todas sofrem um aumento de 10% nas microagressões quando trabalham num escritório físico, e essa realidade é ainda pior para mulheres LGBTQ+, com deficiência e negras.
Dados vão contra o trabalho presencial
Embora os principais CEOs possam achar os dados menos convincentes do que seus instintos, essas informações deixam uma imagem clara: as mulheres em idade produtiva — o que também significa que são as mulheres com maior probabilidade de serem mães que trabalham — são beneficiadas pelo trabalho remoto. O modelo proporciona flexibilidade para alcançar grandes feitos em suas carreiras, ao mesmo tempo em que gerenciam os cuidados com os filhos e a família e as responsabilidades domésticas que ainda recaem desproporcionalmente sobre elas. Da mesma forma, as ordens de volta trabalho totalmente presencial em geral têm desvantagens reais, incluindo a incapacidade de regressar ao mercado de trabalho, opções limitadas de mobilidade e maior exposição a microagressões.
Mas as mulheres não são as únicas que têm a perder com a adoção do trabalho presencial. A McKinsey mostra que 87% dos profissionais trabalhariam de forma remota se tivessem a oportunidade. Uma pesquisa da Gallup descobriu que os funcionários que trabalham presencialmente são menos engajados que os seus pares no modelo híbrido e, especialmente, no remoto. Enquanto isso, as empresas que exigem o retorno ao escritório estão enfrentando níveis crescentes de insatisfação e estão tendo dificuldade para recrutar talentos, especialmente porque o trabalho flexível está entre os três principais fatores que os candidatos levam em consideração ao avaliar uma oferta de emprego.
Uma pesquisa do especialista em trabalho remoto Nick Bloom mostra que, embora alguns estudos sobre trabalho remoto demonstrem uma queda de 10% na produtividade, as explicações mais plausíveis para esta queda incluem falta de orientação e gestão, redução da conexão interpessoal e desafios na comunicação e estabelecimento de normas. Esses não são desafios do trabalho remoto, são desafios de liderança e cultura que foram expostos pelo trabalho remoto.
Então, quando altos executivos vão contra esse modelo, dizendo que é “moralmente errado”, como fez Elon Musk, ou argumentando que “as pessoas que trabalham em casa não são tão eficientes”, como fez Mark Zuckerberg, o que eles realmente estão dizendo é que, como líderes, eles não conseguiram tornar o trabalho remoto eficaz. O escritório exige menos trabalho da liderança, menos comunicação e menos cuidado com a cultura e a comunidade. Em outras palavras, os executivos que promovem o retorno ao escritório podem instintivamente “saber que é melhor”. A questão é: para quem?
*Lisa Conn é colaboradora da Forbes USA. Ela é cofundadora e CEO da Gatheround, empresa que ajuda equipes remotas a melhorar sua interação e impulsionar a cultura da empresa.
(traduzido por Fernanda de Almeida)