Depois de cortar todo o cabelo danificado pelo excesso de alisamento que começou aos seis anos de idade, Carla Moraes iniciou uma transição capilar que marcou sua trajetória – pessoal e profissional. “Eu renasci junto”, diz a executiva, hoje vice-presidente da Oracle. “Poder assumir a minha identidade e a minha beleza me ajudou a assumir outras coisas importantes da minha essência.”
Carla entrou no mundo corporativo e no universo de tecnologia na década de 1990, há 30 anos, performando aquilo que tinha como referência e sem a menor ideia de onde poderia e queria chegar. “Fui criada nessa cultura do ‘gestor trator’, o homem que não pensava em ninguém e não perguntava da família.”
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Sua trajetória prova que mais importante do que ter um plano é estar pronta para assumir as oportunidades que aparecem no caminho. “Eu não tinha visibilidade do que era ser vice-presidente de uma multinacional. E aquilo que você não vê, você não pode sonhar.”
Conforme foi subindo, e assumindo cargos e projetos relevantes em grandes empresas como Itaú, Vivo e Avon, da Natura &Co, os ambientes foram ficando cada vez mais masculinos e brancos. “Quando cheguei na Natura, fiquei surpresa ao abrir a câmera em uma reunião de board e ver tantas mulheres quanto homens.”
Mas essa consciência das dificuldades adicionais vividas por mulheres e pessoas pretas, ainda sub-representadas na liderança das empresas, não acompanhou toda a sua trajetória, só veio há menos de 10 anos. “A ignorância não é uma dádiva. Se eu tivesse tido consciência mais cedo, também teria tido mais ferramentas para fazer a mudança.”
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Foco nos resultados
Desde que iniciou a carreira, Carla não precisou se preocupar em mandar currículos. Os resultados dos projetos que liderou falaram por si só – e chamaram a atenção do mercado. “Sempre me preocupei com o resultado financeiro. No mundo corporativo, é isso que conta no final”, diz ela. “Se você não traz o número, sua carreira se dissolve.”
Hoje, a VP de vendas tem como clientes alguns dos maiores bancos do país – Caixa, Banco do Brasil, Itaú, BTG. Nessa posição, acompanha de perto as empresas usando tecnologias que ajudou a implementar ao longo da carreira. “Fiz parte da história”, diz ela, que atuou em diversos momentos do sistema financeiro no país, do TED ao Pix.
Antes de assumir a posição atual, há cinco meses, a executiva estava à frente de 240 pessoas e 18 indústrias em pré-vendas para toda a América Latina. Agora, também está de olho em como a IA generativa pode beneficiar o setor, e a própria Oracle, que desenvolve e vende softwares, hardware e bancos de dados para mais de 420 mil clientes em 175 países. “Já estou ouvindo as necessidades dos clientes e estudando o que está relacionado com a minha área e com as minhas causas”, afirma a executiva, ativista contra o racismo no digital.
De Santos ao corporativo
Carla de fato não projetou essa trajetória – até porque não tinha meios para isso. Desenvolvimento de carreira não era um tema presente nas conversas da sua família. Mas enquanto o pai dizia que as filhas não deviam trabalhar, a mãe – que foi fazer faculdade aos 60 anos – incentivou os estudos. “Mesmo sem muitos recursos, eu fui muito privilegiada por ter esse apoio.”
Cursar ciência da computação em uma faculdade local, onde conseguiu uma bolsa de estudos, era a única possibilidade para a jovem de Santos que vinha de escola pública e adorava ciências exatas. “Foi um divisor de águas”, lembra. “Não entrei por uma causa nobre, e sim porque era o que tinha. A tecnologia ainda não era uma profissão glamourosa, mas me encantou.”
Foi o que abriu as portas para o mundo corporativo. Depois de alguns trabalhos ainda na adolescência e uma experiência como funcionária pública, ficou entre os 18 aprovados em um programa de estágio com mais de 1.000 inscritos da General Motors. “Minha mãe ficou louca que eu deixei de ser funcionária pública para ser estagiária, mas ia ganhar bem mais e acabou sendo um turning point.”
“O resto é história”
Com as roupas que costurou para seguir o dress code da época – salto alto e saia quatro dedos acima do joelho –, teve treinamentos de soft e hard skills e iniciou ali uma trajetória que já leva mais de três décadas em grandes empresas.
Passou pela Caixa Econômica Federal e mais tarde liderou um grande projeto na Vivo. O sucesso lhe rendeu o convite para ir para o Itaú, levada pelo antigo chefe, onde ficou por 15 anos – cada um deles em uma área. “Eu entrava num lugar com problema, fazia uma leitura mais rápida que a média, mexia em pessoas e entregava os projetos”, e em um desses casos, entregou 70% da meta anual do banco, o que deu mais visibilidade internamente.
E também do lado de fora. Depois de mais de duas décadas em tecnologia e voltada para o setor financeiro, foi para a Avon como head de e-commerce, em um mercado totalmente novo. “Perguntei para o presidente ‘Você tem certeza?’, mas ele queria trazer a digitalização para as representantes de beleza e aquela causa falou comigo.”
Entrou no meio da pandemia, liderando a distância, aumentou a taxa de conversão para o e-commerce em 90% e, em seis meses de empresa, assumiu 14 países. “Hoje tenho a consciência de que essa é uma habilidade que eu tenho: trazer as pessoas, convencer e levar para o caminho que eu acredito ser o certo.”
Além do crachá
Mais recentemente, encontrou despretensiosamente no forró um contraponto ao universo por onde circulou nas últimas décadas. “Me trouxe muita conexão com cultura, com o Brasil e com um ambiente diferente do mundo executivo”, diz ela, que se considera uma “mulher de fases” – também anda de moto, fez curso de cerâmica e fazia tricô e crochê.
E quando precisa de um pouco de paz, também encontra na música – é formada em piano clássico. “É o único objeto que eu tenho desde os meus 10 anos de idade e que carrego para onde quer que eu for.”
Hoje, Carla se divide entre São Paulo e Santos – sua cidade natal e para onde voltou durante a pandemia. “Quem nasce na praia sempre quer voltar”, diz a executiva, que não abre mão de estar em casa, mas também é do mundo. Já viajou por 30 países e em breve deve conhecer o continente africano.
Ser referência
Depois de subir sem referências, Carla virou uma. Foi procurada para ser mentora de jovens nas empresas por onde passou, e também acompanha estudantes da Universidade Zumbi dos Palmares. “Isso faz a diferença. Às vezes uma boa conversa muda muita coisa na sua carreira.”
Também faz mentoria reversa com um grupo de presidentes globais, é membro do Conselheira 101, que prepara mulheres negras para entrar em conselhos, do board do Instituto Pactuá, em prol de equidade no ambiente corporativo, e da Fundação Dom Cabral, onde fez MBA. “Você pode achar que está dando, mas está sempre recebendo.”
A jornada de Carla Moraes, vice-presidente de vendas da Oracle
Primeiro cargo de liderança
“O primeiro power mesmo foi como coordenadora no Itaú. Eu já tinha sido líder no projeto da Vivo, mas dessa vez eu realmente sentei na cadeira e tive dificuldades. O meu gestor era gerente e virou superintendente. Eu era analista, sentei na posição dele de gerente para virar coordenadora. Então eu dei um um duplo carpado, pulei duas posições e assumi 30 pessoas. E ali para mim foi muito difícil, porque eu cuidava de pagamentos, de débitos, de arrecadação, de setor público, eram muitos sistemas complexos em uma empresa grande. E dois meses depois veio a fusão do Itaú com o Unibanco. Mas tive comigo o Ricardo, meu superintendente, que foi um mentor para mim e virou um grande amigo até hoje.”
Quem te ajudou
“Nessa ida para a EDS [que foi subsidiária da General Motors], foi um colega que fez a minha inscrição. E durante a trajetória, tive alguns gestores que me apoiaram.”
Turning point
“Foi a entrada na EDS, quando eu saí do serviço público para vir para grandes empresas. Me abriu muitas portas em São Paulo e outra perspectiva de vida.”
O que ainda quero fazer
“Quero fazer muitas coisas. Quero ir para a África. Quero ver a tecnologia e a generative AI ajudando a gente a viver um pouco mais e com qualidade. Para eu conseguir ver essa mudança que eu acho que está acontecendo, talvez a gente não tenha mais que falar de diversidade daqui a alguns anos. E ao mesmo tempo eu não tenho um grande projeto ou alguma coisa muito certa. Quero continuar vivendo atenta às possibilidades que forem se apresentando. Hoje eu tenho a sensação de que vale a pena, de que eu fui aproveitando, que eu estou aprendendo, que eu sou uma pessoa melhor e vou deixar o mundo melhor do que eu encontrei.”
Causas que abraço
“Empoderamento feminino e contra o racismo são as principais. Mas também a diversidade como um todo e agora os 50+ porque ninguém me falou sobre o climatério e como isso pode atrapalhar a sua carreira.”
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