Cecília Dias ocupa uma das posições mais altas na hierarquia da PepsiCo no Brasil. Mas quem vê aonde a executiva chegou e sua desenvoltura na liderança não pensa que a CMO da gigante de alimentos e bebidas tem um lado introvertido. “Ninguém imagina o tanto que eu já ensaiei, falei sozinha e me dediquei para apresentar em um palco com naturalidade. São anos fazendo isso.”
O que à primeira vista pode parecer um desafio para alguém que busca crescer no mundo corporativo, acabou sendo uma carta na manga para a executiva. Escutando mais do que falando, Cecília aprendeu a ler as pessoas e os ambientes em quase 30 anos de carreira no marketing. “Sempre recebi feedback de que tinha que me vender e falar mais. Mas foi o meu lado introvertido que me ajudou a longo prazo.”
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Há sete anos na PepsiCo, Cecília Dias chegou à gigante de alimentos e bebidas depois de quase duas décadas na Unilever. “Tive a chance de me reinventar e, hoje, sou uma marqueteira que sabe falar de negócios e números”, afirma ela, que foi reconhecida como uma das melhores CMOs do Brasil pela Forbes em 2023.
A executiva de marketing acompanhou um investimento recorde de R$ 1,2 bilhão nas operações da PepsiCo no Brasil em 2023 e ajudou a trazer mais resultados para a companhia. “Hoje, o Brasil está entre os top 10 mercados que mais crescem para a PepsiCo no mundo. Só com nossos salgadinhos, estamos presentes em 80% das casas no país.”
Formada em Comunicação Social pela ESPM, Cecília foi descobrindo os pilares que sustentam sua carreira e vida pessoal ao longo dos anos. Hoje, não abre mão de valores como flexibilidade e diversidade, dentro e fora do trabalho. “Se você me conhece no trabalho e me encontra fora da empresa, vai ver que sou sempre a mesma pessoa.”
Com a rotina dividida entre as responsabilidades como CMO da PepsiCo e o tempo ao lado do filho, Nic, a executiva defende que realização pessoal e profissional caminham juntas. “Sou uma pessoa dedicada e muito comprometida, mas encaro o esforço com alegria.”
Confira, abaixo, destaques da entrevista com Cecília Dias, CMO da PepsiCo Brasil
Forbes: Como foi sua trajetória até chegar à posição de CMO da PepsiCo Brasil?
Cecília Dias: Minha vinda para a PepsiCo me marcou muito, porque eu entrei para uma vaga muito diferente do que eu estava acostumada e precisei encarar muitos desafios relacionados a negócios. Acabei me tornando uma profissional mais completa.
Estou na empresa há sete anos e cheguei nessa posição com uma história dentro do marketing. Além da minha formação, eu fui gostando dessa área ao longo da minha trajetória, porque aprendi a me soltar e me tornar cada vez mais autêntica, fazendo as coisas do jeito que eu acredito. Tenho um lado criativo e de conexão que me ajudou a fazer as coisas acontecerem.
Antes da PepsiCo, você ficou quase 20 anos na Unilever. O que te fez mudar?
Entrei como estagiária na Unilever e, apesar de já ter trabalhado em outros lugares, tudo o que eu conhecia de trabalho era aquela empresa.
No momento da mudança, eu não podia morar em outros estados ou países. Naquele estágio da minha carreira, seria importante ter essa experiência para conhecer um outro negócio e até ir para uma vaga global. Estava desenhando como eu continuaria a minha carreira lá, mas, em paralelo, veio essa conversa com a PepsiCo. Apesar de ter 20 anos de carreira na Unilever, a mudança fluiu de um jeito muito natural. Além do lado prático, tive uma intuição de que ia ser muito bom para mim. E foi, de fato.
Como foi essa imersão na nova empresa?
Vim para fazer um turn around de negócios, mas, quando cheguei, me deparei com um desafio mais holístico. Tinha uma parte de consumidor, mas também uma parte de fábrica, de olhar número e de uma cultura diferente da empresa. Se eu soubesse que era isso, nem sei se teria tido tanta segurança de vir. E se naquela época o meu chefe atual soubesse que o desafio ia se desenrolar desse jeito, talvez eu nem fosse escolhida.
Mas, no fim, deu muito certo porque eu tive a chance de me reinventar e virar uma marqueteira que sabe falar de negócios e números. Percebi que as pessoas sabem o que precisa ser feito, mas falta uma coordenação. Usei muito mais o meu lado de líder do que minhas habilidades técnicas.
Quais resultados você está ajudando a empresa a atingir?
Dois principais resultados são ligados essencialmente ao que eu lidero com as minhas equipes. Um é participação de mercado, que é um resultado que vem de toda a empresa, mas que é liderado pela área de marketing. A outra parte é o desenvolvimento da categoria: a gente não trabalha apenas para aumentar a participação desse mercado, mas também para desenvolver a categoria e aumentar o mercado.
A gente vem trabalhando por meio de inovações para trazer produtos diferentes para ocasiões diferentes. É um trabalho multifuncional, mas são duas funções muito lideradas pela minha área.
Qual é a importância do Brasil dentro da PepsiCo?
É um país que a empresa vê globalmente como uma grande oportunidade de crescimento por duas razões. A primeira é porque o Brasil é um país grande e a gente ainda tem um hábito mais definido quando comparado com outros países menores. Existe muita oportunidade de crescer o per capita da categoria e trazer novas marcas para cá.
Existe uma grande aposta na gente, com grandes investimentos para trazer mais inovações para cá. Antes, a gente importava as latas de batata. Hoje, produzimos localmente. Trouxemos novas marcas, variações de produtos e novas tecnologias para os alimentos.
Todo esse investimento vem porque a gente tem criado uma confiança com a entrega. Há cinco anos, a gente vêm expandindo a nossa receita, o nosso market share e a penetração na casa dos consumidores. Para a PepsiCo, é sempre muito importante olhar tanto essa parte de business mais interno, quanto essas métricas de mercado. Hoje, temos essa visão de oportunidade de crescer, com uma operação que vem criativamente se desafiando para entregar cada vez mais.
Quais desafios você enfrentou ao longo da carreira?
O meu grande desafio no mundo corporativo sempre foi ser uma pessoa introvertida. Esse mundo tende a ser mais facilitado para as pessoas extrovertidas. Depois de 25 anos de carreira precisando fazer um esforço para me relacionar, além de ser super nerd, fui reconhecida publicamente pela Forbes [como uma das melhores CMOs do Brasil], o que foi uma grande conquista para mim. Minha mãe ficou maluca quando contei para ela.
Pela visibilidade que tenho no cargo hoje, quando falo que sou introvertida, várias pessoas discordam. Mas elas não imaginam o tanto que eu já ensaiei, falei sozinha e me dediquei para entrar em uma convenção de vendas e apresentar em um palco com naturalidade. São anos fazendo isso.
Olhando para a sua carreira, quais foram as suas principais características que você acha que te trouxeram para esse ponto?
O meu lado introvertido é muito desafiador, sempre recebi feedback que tinha que me vender e falar mais. No entanto, tenho um lado de escuta e observação aguçado e sou muito treinada para ler os ambientes. Essa minha capacidade foi o que acabou me ajudando no longo prazo.
Em quase 30 anos de carreira, o que te manteve firme nessa jornada profissional?
Hoje, consegui chegar em um balanço. Mas em vários momentos da carreira quando a gente é desafiado, precisamos reencontrar esse equilíbrio. Se você me conhece no trabalho e me encontra fora da empresa, eu sou sempre a mesma pessoa. Quando era mais jovem, ficava muito presa ao desafio profissional, tinha uma sede de ambição e independência financeira, além de ter um trabalho que eu fazia bem e que eu gostava. Ao longo dos anos, virou uma questão de propósito e de muitos matches com valores em que eu acredito. Tem muita coisa que eu aprendi na empresa e trouxe para a minha vida de clareza, diversidade e inclusão. Às vezes, vou em uma reunião na escola do meu filho e tenho mais repertório porque eu consegui estar aqui.
Essa evolução começou como algo mais profissional e eu fui me encontrando nisso, de maneira que, hoje, eu me sinto muito à vontade no trabalho. É um balanço de uma carreira que foi dando certo, mas também de uma pessoa que foi combinando com essa jornada.
Estamos vendo um movimento de profissionais de marketing ganhando mais espaço e alcançando posições de CEO. Como você avalia esse novo cenário?
O contexto que a gente vive hoje é uma saída de pandemia e um mercado cada vez mais competitivo com questões globais que trazem bastante instabilidade para todo mundo. Está ficando muito óbvio para todas as empresas que a gente perdeu de alguma maneira a conexão com o consumidor. Na retomada da vida das pessoas depois da pandemia, as empresas percebem que, apesar da macroeconomia, do câmbio e da inflação, no final das contas o que importa é como as pessoas estão se comportando. O consumidor retomou essa vida ressignificada, está todo mundo na rua, com gastos dentro e fora de casa. Dentro desse cenário complexo, vejo um resgate da importância das pessoas de marketing do consumidor dentro da tomada de decisão das empresas.
Muitas vezes, você está vivendo a sua vida, observando, assistindo filmes e lendo e vai se conectando com os assuntos que estão fervilhando. Essa parte de conexão com pessoas está voltando para o centro da tomada de decisão de negócios.
Qual o seu momento atual na empresa e os próximos passos?
Estou em um momento muito feliz, porque recentemente fui promovida a uma nova posição que acumula a função junto de Latam. Ainda tem muita coisa para construir e dominar na minha vida. A minha agenda de viagem virou uma loucura. Sou uma mãe super presente com meu filho, então estou me adaptando aos poucos a essa readequação.
No primeiro ano que você assume uma posição, você vai fazendo o que tem que ser feito. No segundo, o plano da marca e o que você implementa já tem um pouco mais da sua cara e do que você acredita. No terceiro ou quarto ano, é quando você consegue consolidar muitas entregas. Hoje, eu estou em uma fase de tentativas enquanto continuo me acostumando e aprendendo.
O que você diria para profissionais das novas gerações que querem buscar uma posição como a sua?
A gente está se reinventando muito. Tem muitos profissionais que olham para mim e falam que queriam essa posição, mas tem outros que olham e pensam: ”Mas será que eu queria viajar tanto? Será que eu queria toda essa responsabilidade?” Às vezes, eu mesma questiono como fazer minha posição de um jeito mais leve.
Sou de uma geração que vê o esforço e a disciplina como positivos, mas essa não precisa ser a história de todo mundo. Essas diferenças geracionais nos dão um norte para o que podemos transformar nas empresas.