
Luciana Navarro e Patrícia Camargo deixaram carreiras corporativas consolidadas para apostar em um mercado bilionário, mas ainda incipiente no Brasil: o de clean beauty. “Pegamos nossas economias e investimos na ideia”, lembra Luciana, que à época buscava cosméticos seguros para usar durante a recuperação de uma quimioterapia. O investimento inicial para fundar a Care Natural Beauty foi de R$ 800 mil. “Ou seja, a única opção era dar certo”, completa Patrícia.
Hoje, com a marca recém-adquirida pela centenária Granado e presença em todas as lojas da Sephora no Brasil, as fundadoras projetam faturar R$ 60 milhões em 2025 e R$ 200 milhões até 2027. Sem abrir valores atuais, afirmam que o crescimento foi de 40% no último ano.
Para além dos números, o sucesso da marca estava mais do que atestado quando, cerca de cinco anos após o lançamento, em agosto de 2024, Patrícia foi diagnosticada com câncer de ovário. Entre as marcas recomendadas por seu oncologista para pacientes em tratamento, estava a sua. “A gente preparou a Care para o momento em que eu precisei dela.”
Alinhamento de astros
Fundada em 2018, a Care deu um salto logo após seu nascimento: meses depois, foi selecionada para um programa de aceleração da Sephora no Vale do Silício. Seis anos depois, com presença consolidada nas gôndolas da varejista, as sócias perceberam que era hora de escalar. “Desde o início, nosso objetivo foi fazer a Care ir para o mundo, e isso demanda muito investimento”, diz Luciana. “Você percebe que precisa se alavancar quando está deixando de fazer dinheiro porque está sem capital.”
As conversas com grandes grupos de beleza começaram em 2024. A Granado se destacou desde o início, especialmente pela condução da negociação por Sissi Freeman, à frente do marketing e das vendas há mais de 20 anos. “Obviamente, todos os grupos olham para os resultados, mas ela viu a Care além disso”, diz Patrícia. A aquisição foi anunciada em dezembro, sem valores divulgados.
O momento e as necessidades das duas empresas também estavam alinhados. De um lado, legado centenário; de outro, pioneirismo e sustentabilidade. “A Granado tem uma presença física muito relevante e a gente tem domínio do digital no nosso setor”, explica a sócia.
Com a aquisição, os planos incluem a abertura de 28 lojas próprias e 35 quiosques até 2028, além da expansão internacional, aos moldes do trabalho que vem sendo feito pelo grupo nos Estados Unidos e na Europa desde 2017. A Care também passa a ocupar uma posição estratégica no portfólio da empresa, que teve receita de R$ 1,6 bilhão e ainda não tinha uma marca de skincare e maquiagem. “A Care pode ganhar o mundo com esse trabalho de falar do Brasil de uma forma autêntica e sofisticada.”
Intuição também é dado
A marca nasceu de um encontro da dupla em diferentes – porém convergentes – momentos de vida e carreira. Luciana havia se tornado mãe e repensava sua trajetória em uma bem-sucedida empresa de live marketing. Patrícia, então diretora jurídica na gigante de beleza Coty, não enxergava no Brasil os avanços da clean beauty, que já bombava no exterior. “Naquela época, esse mercado inexistia. Hoje, não é mais um diferencial, é quase um must have”, diz a advogada, citando formulações livres de parabenos, petrolatos e metais pesados. Todos os produtos da Care são veganos, com ativos orgânicos e embalagens recicláveis e refiláveis.
A intuição, nem sempre bem-vinda no mundo dos negócios, foi peça fundamental para as empreendedoras – das transições de carreira à venda da marca. “Estranho seria uma liderança de duas mulheres que não contamina o time com todo o poder que o feminino tem”, diz Patrícia.
Depois da primeira conversa da dupla sobre a marca e ainda refletindo se deixaria um cargo estável para criar um negócio, Luciana acordou de madrugada com o nome, o conceito e a identidade visual da marca na cabeça. Anotou tudo em um papel, hoje emoldurado no escritório da empresa, no bairro de Pinheiros, em São Paulo. “Esse foi o nosso business plan”, brinca.
“Conceito Apple”
A principal inspiração naquele momento era a Apple, o que já revelava a valorização de pilares como tecnologia e design. “Sempre que se falava em formulação limpa, com ativos orgânicos, isso ficava de fora. Mas por que a embalagem precisa ser de bambu?”, questiona a empresária. “A gente quer um produto bonito e que passe toda a cientificidade e tecnologia que ele traz.”
O desafio é orquestrar todas essas demandas – sustentabilidade, tecnologia, beleza e, claro, performance. “Não basta uma formulação limpa se a combinação de ativos não for muito feliz”, diz Luciana. Para elas, um negócio sustentável vai além das embalagens. “Nosso olhar também passa pelas planilhas financeiras”, diz Patrícia.
No início, as fundadoras faziam de tudo no negócio, mesmo com uma divisão de tarefas bastante clara: Luciana cuidava das áreas de recursos humanos, finanças e operações; Patrícia, de marketing e vendas. Na pandemia, quando a empresa recebeu um aporte e triplicou de tamanho, eram elas quem participaram das conversas com os fundos. Mas desde que acertaram a venda para a Granado, ficaram com a “parte boa” do negócio – segundo elas mesmas: inovação e desenvolvimento de produtos.
As sócias lideram a empresa desde o dia zero com uma sintonia que extrapola os negócios: complementam as frases uma da outra, assim como são complementares na liderança. “Pensamos diferente e nos alternamos entre o racional e o emocional”, diz Luciana. É aí que mora o segredo de uma liderança compartilhada, complementa Patrícia: “Temos uma empresa chamada Care, que trabalha com cuidar – e entendemos que nossa relação também precisa desse mesmo cuidado.”