A advogada pernambucana Karla Capela Morais acaba de se tornar a única mulher na América Latina contemplada na edição 2020 do Women Leaders in AI, iniciativa da IBM que premia mulheres que se destacaram no uso da inteligência artificial para impulsionar transformação, crescimento e inovação nos mais variados setores.
Com uma carreira no direito que já soma duas décadas, Karla começou a se interessar pela tecnologia há alguns anos, quando um dos clientes de seu escritório, uma grande seguradora com uma ação de massificados (muitos processos sobre a mesma matéria), avisou que o sistema de remuneração seria alterado – em vez de continuada, seria na entrada e na saída do pleito, o que impactaria o fluxo de caixa da empresa. “No primeiro momento, aquilo me assustou, mas logo comecei a pensar num jeito de reverter a situação”, conta Karla.
Foi então que a advogada ouviu falar, pela primeira vez, de metodologias ágeis, conjuntos de práticas que proporcionam uma forma mais adaptável às mudanças de gerenciar projetos, produzindo entregas mais rápidas e frequentes. Depois de analisar qual delas seria mais adequada ao mundo jurídico, de prestação de serviço continuado, Karla optou pela modalidade Scrum e a implementou no dia a dia do Raimundo & Capela, o escritório do qual é sócia.
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“O problema é que, quando você trabalha com uma metodologia de gestão como essa, há a necessidade de dados em tempo real, porque se você não conseguir medir o resultado, ela estará fadada ao insucesso. Então eu precisava resolver esse gap”, conta a advogada, que tinha na cabeça a solução ideal. Essa solução precisava, em primeiro lugar, unificar todos os sistemas da justiça e trazer a informação para dentro do escritório. “Em vez de entrar em cada um deles, quebrar a captcha (ferramenta anti-spam) e pegar os dados, eu queria algo automatizado”, conta.
“Além disso, eu sou uma usuária ruim de tecnologia – assim como a maioria dos advogados –, então eu precisava de algo simples, amigável e colaborativo, para vencer a resistência natural dos meus colegas e fazer com que eles se sentissem parte daquilo. Por outro lado, estamos vivendo a era do compartilhamento. Quando você centraliza o conhecimento, deixando-o disponível para todos os envolvidos, é possível extrair novas ilações sobre um mesmo tema. A tecnologia é inclusiva. Seu objetivo é que mais pessoas tenham acesso a mais informações. Isso amplia a visão de todo mundo e o progresso é consequência”, diz.
Por fim, Karla queria poder visualizar, com facilidade e de uma maneira mais ampla e clara, tudo que estava entrando e saindo do escritório e, assim, controlar com precisão seu fluxo de caixa.
A partir dessas necessidades, apelou para a tecnologia, de maneira a conseguir integrar os mais de 200 sistemas da justiça em operação atualmente no país e, assim, ter as informações just in time. A tarefa não era nada fácil, afinal o país acumula, hoje, 100 milhões de processos, um contingente de mais de 6 bilhões em alvarás e 30 bilhões em depósitos recursais que podem ser trocados por seguro garantia conforme recente decisão do TST. Mas aí surgiu um outro entrave. “Cada um desses sistemas tem uma linguagem diferente, não apenas em termos de formato, mas de vocabulário mesmo. Alguns usam, por exemplo, a expressão ‘peça de contestação’, enquanto outros preferem ‘peça de defesa’ que, na verdade, significam a mesma coisa”, conta.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
Foi então que Karla foi apresentada ao Watson, o sistema de inteligência artificial da IBM, capaz de ler todas as informações, interpretar e gerar um resultado a partir de um modelo de treinamento pré-determinado. Com esse aprendizado, a tecnologia começou a ser utilizada para automatizar algumas tarefas, como o exame inicial de uma ação jurídica. O que antes era realizado por um advogado e consumia cerca de duas horas (no caso de um processo considerado pequeno, de 200 páginas), hoje é feito pelo sistema em seis segundos.
“Não tinha outro jeito de conseguir isso sem a tecnologia. Com essa solução, conseguimos liberar os nossos recursos humanos para funções mais estratégicas”, diz Karla, citando que, atualmente, 70% do tempo dos advogados brasileiros é gasto com atividades burocráticas. Ela cita outras tarefas “aprendidas” pelo Watson, como, por exemplo, a indicação de encerramentos em tempo real e a sugestão de providências em cima de sentenças. “Até então, esse acompanhamento dependia totalmente do ser humano.”
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Karla ressalta, ainda, a eficiência conquistada no andamento processual, cujos eventos acontecem alguns dias antes da publicação. Segundo ela, atualmente, na área jurídica, os advogados são surpreendidos com os fatos e, por isso, trabalham sempre de forma reativa e não ativa, sobre um prazo que já está correndo. “Agora, com as informações em tempo real, isso não acontece mais. Conseguimos nos antecipar e pensar cada processo de forma estratégica e dinâmica, evitando riscos e prejuízos, inclusive financeiros”, diz ela, contando que, recentemente, conseguiu recuperar R$ 330 milhões em descontingenciamento para um cliente graças a essa visão 360º. “O impacto é muito grande para qualquer cofre, principalmente num momento de crise como o que estamos vivendo, onde o capital é essencial para manter empregos.”
A solução implementada deu tão certo, que Karla empacotou a solução e criou uma empresa em 2018, a Koy, que passou a oferecê-la ao mercado, tanto para outros escritórios de advocacia quanto para as áreas jurídicas das empresas. A Norma, como foi batizada a versão do Watson da startup, uma referência à norma jurídica, já funciona em 20 outras empresas, gerenciando um total de 30 mil processos.
A advogada explica que a solução pode ser customizada para o nível de automação que o contratante deseja ou necessita, e por isso o custo e o tempo de implantação variam muito, mas diz que o retorno já pode ser observado no primeiro mês. “O ROI é de 136%”, conta. Em 2019, a Koy foi a única empresa da área jurídica acelerada pelo BNDES e, em fevereiro do mesmo ano, apresentou a Norma num evento da IBM no Vale do Silício. Em 2020 veio a premiação que, por causa da pandemia, aconteceu de forma virtual no início de maio durante o Think Digital. Karla figurou ao lado de outras 35 executivas de empresas como AT&T, KPMG, Paypal, Santander, Vodafone, Siemens e Japan Airlines do mundo todo.
Em 2020, o objetivo é fortalecer a estratégia de crescimento e chegar ao fim do ano com uma taxa de faturamento 200% maior. Mas Karla ressalta que seu propósito é muito maior. “Minha meta passa pela humanização da área jurídica, deixando para as máquinas aquilo que elas fazem de melhor e para os seres humanos toda a parte criativa, de forma a gerar um impacto maior em toda a sociedade. À medida que evoluímos, novos conflitos são criados e precisam ser solucionados e a capacidade humana deve ser empregada nisso. Nós, como seres humanos, temos características que nunca poderão ser substituídas pelas máquinas. E elas devem ser utilizadas para agilizar e democratizar o acesso das pessoas ao atendimento jurídico.”
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