Cofundadora e CEO da Reprograma, Mariel Reyes Milk busca a expansão internacional com cursos que já treinaram centenas de mulheres em situação de vulnerabilidade no Brasil, além de grandes empresas na região que querem contratar programadoras e aumentar a diversidade e inclusão em suas equipes de tecnologia.
Em conversa com Quem Inova, a empreendedora detalhou os planos para 2021 para a Reprograma, que atende empresas como Itaú e Accenture, que patrocinam bootcamps (imersões de treinamento) com o intuito de absorver a maioria das formandas, ou pagam uma comissão ao contratar mulheres que já passaram pelo programa. Os cursos, de programação front e back-end, são gratuitos para as alunas, que também podem receber um apoio financeiro para itens como acesso à internet, além de empréstimos de equipamento.
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Segundo Mariel, até junho deste ano, mais de 800 mulheres, muitas delas negras e trans – juntos, estes dois recortes representam 87% das alunas – terão sido treinadas pela Reprograma. Cerca de 75% entram no setor de tecnologia em seis meses após a conclusão do curso, com salários de R$ 4 mil em média. A startup digitalizou seus cursos em 2020 e está trabalhando no aperfeiçoamento da plataforma, em um projeto de dois anos apoiado por parceiros como o IDB Lab, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Facebook, Accenture, Creditas e iFood.
Com a digitalização dos bootcamps, a Reprograma deve expandir para outros países da América Latina: a startup está em tratativas com uma grande empresa que está implementando um projeto de treinamento em programação focado em adolescentes em cinco países da região. A iniciativa visa contribuir para preencher a grande lacuna de talento digital em países latinos: só no Brasil, até 2024, serão necessários 420 mil profissionais trabalhando na área de TI segundo dados da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), mas somente 46 mil novos profissionais se formam por ano.
Além disso, um novo sistema de gestão e recrutamento, com informações sobre a jornada de treinamento de rede de alumni da Reprograma e a progressão profissional das desenvolvedoras que forma, deve trazer mais eficiência para o “match” das programadoras com os empregadores, e ajudar a atrair mais patrocinadores para as iniciativas da startup.
Nos próximos 12 meses, Mariel espera poder reproduzir o mesmo track record dos bootcamps presenciais e serviços de recrutamento da Reprograma no ambiente digital e ser o agente que capacita as alunas e as conecta com empresas interessadas em ter uma força de trabalho mais diversa. “Nossa tese é que, daqui a um ano, nossa plataforma deve permitir uma expansão para outros países de forma eficiente, e conseguiremos executar toda a jornada de treinamento e recrutamento online,” antecipa.
ABORDAGEM ESTRUTURADA
A história da Reprograma se entrelaça com a trajetória de Mariel no Brasil, que teve início em 2010, quando desembarcou no país como consultora para a International Finance Corporation (IFC), braço do Banco Mundial, em um projeto focado na Amazônia. Depois de cinco anos conhecendo as realidades nos rincões do Brasil em iniciativas da instituição de desenvolvimento que envolviam governos e empresas, identificou outro desafio para endereçar: o gap de expertise tecnológica do país, com foco em um público sub-representado no setor.
“Tudo o que faço parte de uma consciência social”, diz Mariel, que se enquadra na descrição de uma cidadã do mundo. Nascida no Peru, foi criada no Uruguai e morou em diversos outros países. Após concluir o mestrado em meio ambiente e desenvolvimento econômico na London School of Economics, viajou o mundo através do trabalho na IFC e em organizações como a WWF, lidando com os stakeholders, de banqueiros a camponeses nas Filipinas. “Foi uma grande escola, em termos de como estruturar uma ideia, [transformá-la em] um projeto, executar e monitorar”, conta.
Depois de sair do IFC, Mariel se viu atraída pela oportunidade de focar em mulheres e tecnologia, em específico grupos como mulheres trans. “Muitas vivências que tive foram impactantes na construção da visão feminista que tenho do mundo”, pontua, lembrando de episódios como as reuniões que fazia com lideranças na Amazônia, em que mulheres não tinham voz. “Eu queria fazer algo por elas e mostrar ao mundo que somos capazes”.
A Reprograma nasceu depois de muitas conversas entre Mariel e diversas lideranças que atuam em áreas relacionadas ao treinamento de mulheres para o setor de tecnologia, como Camila Achutti, fundadora da iniciativa Mulheres na Computação e da Mastertech, além de fundadoras de iniciativas de fora do Brasil, como Mariana Costa, da Laboratoria. O desafio logo ficou claro: Mariel não tinha experiência como empreendedora, e a proposta era inédita, o que também trouxe dificuldades.
“Quando comecei a pesquisar, vi que não existiam iniciativas estruturadas e completamente gratuitas para mulheres de backgrounds vulneráveis, que as conectassem com empregadores. Mas eu não tinha ideia do quão difícil seria [colocar a Reprograma de pé]”, recorda.
Mesmo sem a fluência em português, Mariel continuou a bater em portas e conseguiu os recursos para viabilizar a primeira sessão de seis semanas de treinamento da Reprograma em maio de 2016. Em um espaço emprestado, um pequeno grupo de mulheres foi atendido por um time de voluntários que incluiu Carla de Bona e Fernanda Faria, que se tornariam as cofundadoras da startup.
O trio tem habilidades complementares: Carla, descrita por Mariel como a “Rainha do UX” no Brasil, é responsável por aspectos como estruturar os módulos e definir as linguagens de programação que entram no currículo, bem como a coordenação da equipe de instrutoras; Fernanda, que, segundo Mariel é seu “braço direito e esquerdo”, cuida de todos os aspectos da operação, ao passo que a CEO é responsável por atrair as parcerias institucionais.
CATALISADORAS DE MUDANÇA
A equipe da Reprograma tem 12 mulheres, além de uma rede de cerca de 60 instrutoras e mentores e voluntários atuando em território nacional. Os bootcamps chegam ao radar de possíveis candidatas pelas mídias sociais, e atraem cerca o interesse de cerca de 3.000 mulheres a cada chamada, das quais cerca de 250 são selecionadas para uma primeira fase através de um criterioso processo de seleção, resultando em uma classe de 40 mulheres.
Além disso, a startup também conta com parceiros para alcançar mulheres que possam estar em situação de exclusão digital ou cenários mais severos de vulnerabilidade. Segundo Mariel, que se orgulha de ter uma taxa de finalização superior à média de escolas de programação (cerca de 97% das alunas completam os cursos), o segredo é construir um ambiente acolhedor.
“Para atrair mulheres, especialmente as que se encontram em situações vulneráveis, em áreas rurais e sem independência financeira, é preciso adaptar as estratégias e metodologias. Além disso, mulheres que estão cuidando da casa e os filhos precisam de flexibilidade e cursos assíncronos”, ressalta a empreendedora.
Para apoiar o processo de treinamento em competências técnicas, a Reprograma também equipa as mulheres com módulos de competências socioemocionais. Mariel tem tido conversas com algumas das maiores escolas de programação do Brasil sobre formas de criar uma abordagem diferenciada para este público, bem como mentores e um corpo docente diverso.
“É preciso falar sobre a importância não só de treinar estas mulheres, mas de ajudá-las a permanecer no curso e no setor de tecnologia, uma vez que entrarem em uma empresa. Esta descoberta fez toda a diferença para nós”, conta a empreendedora. “Trazemos um espaço seguro onde mulheres trans, negras, mães que estão fora do mercado por 10 anos, que talvez não acreditam nelas mesmas, podem se tornar quem elas quiserem e, principalmente, encontram representatividade nestes espaços.”
“[O objetivo é] dar voz a estas mulheres e as ferramentas para que elas se tornem catalisadoras para a transformação do mercado”, acrescenta, trazendo casos de ex-alunas como o de Bárbara Fraga Aguilar, que, depois de trabalhar na startup mineira MaxMilhas, voltou para a Reprograma como instrutora, e posteriormente fundou sua própria empresa, o hub de inovação e impacto KilomboTech.
Além de promover mudanças individuais e no setor de tecnologia, Mariel acredita que treinar mulheres para as quais a economia digital não é um caminho profissional óbvio é uma forma de endereçar os grandes desafios da América Latina, como o desemprego: “O Brasil está muito atrasado na formação de talentos em tecnologia, e ao mesmo tempo, temos um segmento de startups que cresce de forma exponencial. Neste cenário, precisamos buscar formas de consertar isso, e alcançar o resto do mundo nesta corrida.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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