Inovação, tecnologia e conectividade são palavras de ordem na estratégia da Volkswagen. A digitalização do consumidor e as tendências no setor de mobilidade informam o plano de negócios da empresa, que avança no Brasil com novas oportunidades de monetização além da venda de automóveis.
O atual objetivo da empresa é, segundo seus líderes, posicionar-se entre os principais players no espaço de mobilidade sustentável. A digitalização é um elemento crucial deste plano: a VW quer gerar cerca de 30% da receita através de uma gama de ativos digitais relacionados ao carro na próxima década, e a subsidiária brasileira tem desempenhado um papel importante no cumprimento dessa meta.
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“Nos tornaremos uma empresa de software, isso é algo que nosso presidente global [Herbert Diess] sempre diz. Já começamos este processo no Brasil e, desde 2020, temos monetizado novos modelos de negócio baseados em tecnologia”, diz Pablo Di Si, presidente e CEO da Volkswagen Brasil, em entrevista à Quem Inova.
“Estou muito satisfeito com o ritmo que estabelecemos nos últimos anos, mas precisamos acelerar: no final do próximo ano, precisamos estar muito próximos do carro conectado”, ressalta o executivo, acrescentando que esse movimento implica em uma “transformação brutal” em serviços para o consumidor final.
“Não se trata somente de ter um carro conectado, e sim disponibilizar muito mais serviços digitais e triplicar, ou quadruplicar a receita [proveniente destes canais]”, pontua o CEO.
DESENVOLVIMENTO MADE IN BRAZIL
A Volkswagen Brasil tem tido autonomia para desenvolver sua própria contribuição para as ambições de progresso da gigante automotiva. Segundo Di Si, a atual mentalidade tem a ver com uma profunda mudança cultural na companhia pós Dieselgate, escândalo que eclodiu em 2015 em que a empresa admitiu falsificar testes de emissões de motores a diesel de seus veículos.
“[O Dieselgate] resultou em um trauma muito grande, e que também gerou muito aprendizado, com as pessoas assumindo os erros. Houve uma mudança de todo o time mundial, chegaram muitas pessoas de fora e ficou claro que precisávamos mudar como empresa”, conta o executivo, que trabalhou na FCA antes de ingressar na montadora alemã em 2014, e assumiu a operação brasileira em 2017.
A transformação cultural nos últimos quatro anos também implicou em um movimento de maior independência para as regiões, segundo o CEO, com o desenvolvimento de produtos alinhados com as necessidade de consumidores locais. “Claro que temos que escutar a Alemanha, aprovar os projetos. Mas o jogo virou dramaticamente”, observa.
Entre as iniciativas que nasceram no Brasil e que têm elementos significativos de inovação tecnológica, está o desenvolvimento de concessionárias digitais, em que todo o processo de venda e financiamento do carro é feito online. Segundo Di Si, o painel de vendas brasileiro é muito mais objetivo do que no mercado natal da empresa.
“O painel de vendas digital da Alemanha tem dezenas de cliques a mais do que no Brasil: o cliente alemão gosta de maior complexidade, entrar em detalhes, e o brasileiro é mais pragmático na compra do carro, o que requer uma tecnologia desenvolvida localmente”, explica.
No entanto, um dos destaques do momento para o CEO no quesito tecnologia é o sistema de infotainment (entretenimento no carro) VW Play, inteiramente desenvolvido no Brasil e exportado para 70 mercados em que a companhia está presente. “Não deixamos de exportar carros, que é o nosso negócio, mas quando você começa a fazer isso com tecnologia, exporta-se conhecimento. Isso é o máximo para nós”, aponta.
“Anteriormente, nunca nos perguntavam como deveria ser o infotainment, pois a Alemanha desenvolvia o sistema para eles e éramos cobrados em milhões de euros pelo desenvolvimento”, argumenta Di Si. “Eu tinha um produto que não era desenvolvido para a região e que custava uma fortuna. O jogo virou.”
Segundo Di Si, o VW Play é uma grande mudança em relação aos sistemas de multimídia que a empresa tinha desenvolvido até então, que não levavam em conta as preferências de consumidores em cada país, como aplicativos de navegação. O atual sistema pode ser configurado de acordo com estas demandas locais.
“Nós desenvolvemos produtos feitos pelas engenheiras e engenheiros brasileiros, pensando nos consumidores daqui. Agora somos nós que exportamos em euros para outros países: é uma mudança violenta de estratégia e de negócio”, comemora.
O VALOR DOS DADOS
Outro elemento que sinaliza a modernização em curso na empresa e que o CEO descreve como um dos mais impactantes no negócio é o aplicativo Meu VW e seus desdobramentos. Incrementada com a tecnologia de inteligência artificial (IA) Watson, da IBM, a ferramenta centraliza todas as interações do cliente com a montadora, bem como o histórico do veículo.
Nos últimos dois anos, a plataforma apoiada por IA tem possibilitado uma interação muito mais frequente com o usuário de carros da montadora e uma análise mais profunda de seus hábitos, diz Di Si: “Antes do movimento digital, o cliente Volkswagen fazia uma [revisão] uma vez por ano ou conversava com as concessionárias. Eu não sabia que gostos este consumidor tinha, como ele dirige, quais são seus interesses”, pontua. “Hoje, eu não preciso perguntar essas coisas para ninguém: a cada clique que o consumidor dá no aplicativo, eu sei se ele escolhe o [carro] vermelho ou o azul, se ele gosta do teto solar ou não, se ele faz os pneus e com que frequência, quais são os opcionais que ele compra”, acrescenta.
Segundo o CEO, a IA e análise avançada de dados também vai ajudar a VW a pensar seus próximos lançamentos, que já têm um elemento significativo de tecnologia no planejamento. O Nivus, modelo recentemente lançado pela empresa, é o primeiro carro desenvolvido no Brasil e que será produzido e comercializado no mercado europeu – e não utilizou um protótipo físico em nenhuma de suas fases, ou seja, foi concebido de forma 100% digital.
“A mudança dramática no nosso negócio causada por tecnologia vai mudar a forma que lançamos o carro, e os atributos do produto na construção, pois já temos muito mais informações”, aponta o executivo.
Para além do design de produto, os dados que a VW captura já começam a se tornar avenidas adicionais de monetização. Exemplos incluem parcerias com seguradoras como a Porto Seguro, em que a montadora fornece dados relacionados a aspectos como o padrão de condução de veículos.
“Protegemos os dados dos consumidores, não damos o dado diluído, mas a Porto Seguro sabe como um determinado carro é conduzido, se respeita o limite de velocidade, se tem um acidente: a partir destes dados, pode oferecer ao consumidor um desconto no seguro”, explica. Outros acordos foram firmados com empresas como a Sem Parar, em que o consumidor pode optar por já ter a tag no carro no momento da compra.
Além disso, Di Si considera importante a aproximação com empresas nativas digitais e fora do setor automotivo, à media em que a empresa se aproxima de suas ambições de carro conectado.
“Hoje já temos alguns dados [relacionados à performance do automóvel], como litros consumidos e óleo, mas à medida que você vai colocando mais sensores, você vai dando mais informações aos consumidores e mais opções: por isso, desenvolver parcerias com empresas de tecnologia e outras, é fundamental”, aponta. Entre estas parcerias, estão acordos com empresas como iFood, que permitem que o consumidor VW faça pedidos do carro.
“Tudo o que tem a ver com consumo e conveniência, nós vamos abordar: se o carro entende que você está procurando por um óculos e o Google Maps entende que você está passando por uma loja que tem uma oferta, poderemos dar um alerta. O carro será um mega celular” prevê.
OPORTUNIDADES E BARREIRAS
As mudanças na forma como as pessoas se deslocam apresentam outras oportunidades para a montadora, segundo o CEO da Volkswagen no Brasil, especialmente em um contexto futuro de carros autônomos, que Di Si estima para daqui 10 a 15 anos.
“Será possível alugar um carro [autônomo] pelo celular para ir até Belo Horizonte, por exemplo: no trajeto de seis horas, você poderá cochilar um pouco, trabalhar algumas horas e acessar a internet para entretenimento”, prevê o executivo. “Neste cenário, é possível vender uma série de serviços e atravessar indústrias: poderemos atacar a indústria de aviação ou de ônibus, e expandir muito o negócio”, pontua.
Movimentos atuais da VW rumo a uma mudança de paradigma, em que certos consumidores começarão a priorizar a mobilidade e experiência ao invés de propriedade, incluem a assinatura de carros Sign&Drive, lançada em novembro de 2020. “Consumidores que querem ter um carro por três, cinco anos, podem preferir comprar, mas para quem gosta de trocar de carro todo ano, a assinatura é fantástica. Não tem certo ou errado: o que temos que fazer é oferecer produtos e o consumidor escolhe”, diz.
Ainda sobre tendências em mobilidade, o executivo aposta em carros elétricos: a montadora caminha para ter cerca de 70 opções deste tipo até 2026. Por outro lado, o executivo é pessimista em relação à adoção no Brasil em um ritmo similar ao que se vê atualmente na China, Estados Unidos e em países da Europa.
“Qualquer consumidor europeu, por exemplo, fez a conta na ponta do lápis de quanto custa um carro à combustão em relação a um elétrico, em termos de custo de deslocamento, isenção em estacionamentos”, aponta, acrescentando que estes países também têm investido significativamente em infraestrutura para elétricos como pontos públicos de recarga.
Outro ponto crucial para a plena adoção destes veículos levantado pelo CEO são os incentivos de governos em outros países para comprar o primeiro veículo, uma realidade ainda inexistente no Brasil. Para ilustrar seu ponto, Di Si faz uma analogia com as indústrias de computadores e celulares, produtos que tinham um alto custo e se posteriormente se tornaram mais acessíveis.
“À medida que estes itens foram ganhando volume de escala, o preço foi caindo. Em relação aos carros elétricos, como é possível acelerar esse processo? Se você incentiva os consumidores, no bolso, seria uma excelente iniciativa, por três, quatro, cinco anos. Quando você atinge um volume, [o incentivo] torna-se desnecessário”, ressalta.
Segundo o CEO da Volkswagen, que tem trabalhado em projetos relacionados à criação conjunta de novas tecnologias de produção de etanol, o que falta no Brasil para promover a adoção de veículos elétricos e híbridos é uma visão estratégica. “O carro à combustão vai acabar, e temos 2 milhões de empregos na cadeia automotiva. Além disso, existem outras indústrias como a de tecnologia, de energia, que são chave para o desenvolvimento de qualquer país: precisamos de políticas de longo prazo para apoiar estes setores.”
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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