Enquanto muitas empresas começam a discutir como avançar suas estratégias de negócio com base em inovação tecnológica, a Randon tem trabalhado na evolução do que construiu neste espaço ao longo das últimas décadas e aposta em investimentos e parcerias com startups para acelerar o processo.
Onipresente nas estradas do país, a companhia baseada em Caxias do Sul (RS) informou na semana passada que teve uma receita bruta de R$ 4,7 bilhões no acumulado do ano, uma alta de 98,3% em relação ao ano anterior. Um elemento importante para este resultado é a digitalização das nove empresas do conglomerado, que emprega mais de 13 mil pessoas e inclui negócios que vão desde a fabricação de reboques e semirreboques até serviços financeiros.
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Em entrevista à Quem Inova, o CEO da empresa de mais de sete décadas de existência, Daniel Randon, falou sobre estilo de gestão, oportunidades e desafios. O executivo, que tem entre suas influências o autor indiano Ram Charan e suas ideias de liderança focadas na excelência do atendimento ao cliente final, trabalha rumo a um modelo de portfólio.
“Nossa visão vem ao encontro de algumas coisas que o Charan acredita, principalmente no que diz respeito ao [conceito de] fill in the gaps, ou seja, preencher as lacunas na cadeia até o cliente com um portfólio de serviços, ou alguém vai fazer isso no seu lugar”, diz Randon.
O executivo observa que essa abordagem é evidente em empresas como a Amazon, que concorre em vários outros setores para além do foco de seu negócio histórico de comércio eletrônico de livros. “Passamos a entender que a empresa precisa trabalhar em vários nichos de negócios, com um achatamento da estrutura organizacional para ganhar mais agilidade na tomada de decisão e um foco em digital”, pontua.
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Parte deste processo, que se intensificou nos últimos dois anos, inclui esforços como a criação da área de negócios digitais, com linhas de atuação em Robotic Process Automation (RPA), data science, inteligência artificial e soluções digitais, e a nomeação de Daniel Ely como chief transformation officer em abril de 2020.
A empresa investiu cerca de R$ 90 milhões em digitalização no ano passado. Ações neste espaço incluíram a compra de cerca de 250 robôs da antiga fábrica da Ford no Brasil e a compra da Auttom Automação e Robótica em fevereiro deste ano, para impulsionar as iniciativas de inovação no chão de fábrica. Outras iniciativas incluem a criação da Randon Tech Solutions, com foco em fornecimento de soluções, máquinas especiais e smart manufacturing.
Além disso, a companhia criou a Conexo, iniciativa de inovação aberta das Empresas Randon, em 2020, e a ExO, que a companhia chama de “célula exploratória” de conexão com startups, e também acelerou suas iniciativas em corporate venture capital.
Neste contexto, a missão da empresa vai muito além de somente produzir itens vistos em caminhões Brasil afora, e passa pelo desenvolvimento de uma suíte de serviços digitais para seu público-alvo, que devem ser tornar cada vez mais representativos na receita da companhia, diz Randon. “Na nossa visão, é possível criar novos serviços, materiais e processos baseados em novas tecnologias e até patenteá-los”, aponta o executivo.
O valor agregado no segmento em que a companhia opera, segundo o CEO, está cada vez mais concentrado nas “pontas” da cadeia, sobretudo nas áreas de marketing e no pós-vendas. “E a tendência global é de um crescimento ainda maior”, pontua.
FOCO EM STARTUPS
A colaboração com novos negócios de base tecnológica é crucial na execução do plano das empresas Randon. Este processo começou com a Gupy, empresa de que desenvolve uma plataforma online de recrutamento, seleção e admissão. A experiência inicial positiva levou a uma ampliação destas interações, e a contratação direta de serviços de mais de 50 startups.
Os serviços prestados por novas empresas para a Randon vão desde o backoffice, em atividades como a digitalização de documentos e aplicações nas áreas de sustentabilidade e meio ambiente, até projetos em áreas como eletrônica embarcada, inteligência relacionada ao processo de fretes e o desenvolvimento de um eixo elétrico para carretas, com a promessa de redução em até 25% no consumo de combustível.
“Vemos que o caminhoneiro e transportadoras têm várias necessidades, desde o abastecimento até áreas como a otimização da roteirização do transporte, e isso apresenta várias oportunidades para nós”, pontua Randon, em referência à contribuição que as startups trazem para a companhia.
A empresa também tem um esforço estruturado em investimentos neste tipo de negócio, com um montante anual de cerca de R$ 18 milhões. Os aportes acontecem através de frentes como o Instituto Hélice, que também envolve outras empresas do segmento, como a Marcopolo, e viabilizou cinco investimentos até agora.
Além disso, a Randon Ventures, braço de corporate venture capital do grupo lançado em fevereiro de 2020, investiu em seis startups até agora, que incluem a TruckHelp, de assistência digital ao caminhoneiro, a Soon, de reboques, a TruggHub, de gestão de fretes fracionados, a Abbiamo, de entrega no mesmo dia para e-commerce, e a Delta, de gestão de frotas.
Segundo Mateus de Abreu, head officer da Randon Ventures, a iniciativa de CVC é uma evolução da jornada da companhia com as novas empresas inovadoras. “Nossa interação com as startups tem sido muito positiva e nossos executivos veem muito valor nessa relação”, pontua.
Tendo nascido com uma tese de investimento-anjo de oito a 10 startups no primeiro ano, o braço de investimento acabou pivotando para ser tornar um mecanismo de apoio para as ambições da companhia de agregar mais produtos e serviços à jornada do caminhoneiro e de empresas do setor de logística.
Com foco em aportes seed e séries A que variam de R$ 500 mil a R$ 13 milhões, a companhia tem interesse nos segmentos de fintech (startups focadas em serviços financeiros), insurtechs (de seguros), autotechs (da indústria automotiva), logtechs (de logística) e de indústria 4.0. Até agora, todas as investidas são brasileiras, mas a companhia tem planos de buscar oportunidades de co-investimentos com fundos de venture capital nos ecossistemas da China, Israel e Vale do Silício, além do outros países da América Latina.
“O foco é sempre voltado aos nossos nichos de atuação e [em startups] que tenham sinergia com as empresas Randon; é óbvio que buscamos um eventual ganho financeiro, mas o ganho estratégico também é muito importante”, aponta Abreu.
Além disso, Abreu diz que a Randon Ventures tem sido cada vez mais procurada para fazer o investimento do tipo “smart money”, em que o investidor fornece não só o capital, mas a expertise do setor: “O mercado vê isso com muito bons olhos”, pontua o executivo.
“Talvez no passado a primeira leitura era de que a Randon Ventures é uma mini fábrica de M&As da Randon e que vamos comprar todas as startups do segmento. Não estamos buscando isso, mas sim co-investir com participações minoritárias e estabelecer parcerias mutuamente produtivas”, ressalta.
EDUCAÇÃO DIGITAL
A colaboração com startups na trajetória de digitalização da jornada do caminhoneiro também ajudou a companhia a desmistificar algumas crenças, em particular no que se refere à abertura e preparo desta audiência para consumir produtos digitais, diz Abreu.
“Aprender a se posicionar na nova economia é um desafio para todas as empresas, sejam as corporações tradicionais ou as emergente: tínhamos uma dúvida sobre a aderência à tecnologia no início, mas logo fomos positivamente surpreendidos”, diz o executivo, citando números da TruckHelp, que tem uma base de usuários de cerca de 500 mil caminhoneiros.
“O Brasil tem um caminho a percorrer em educação digital em todos os setores e a logística não é diferente, mas estamos vendo um avanço bem interessante”, argumenta Abreu, acrescentando que a empresa vê um crescimento exponencial na adoção de tecnologia em logística, a exemplo do que acontece no setor financeiro, outro setor em que a Randon quer aumentar sua presença.
A evolução do braço financeiro da empresa, a R4, tem como pilar uma joint venture com a venture builder gaúcha 4All para que a empresa também se posicione como uma fintech. “A logística hoje tem uma carência de soluções [financeiras] específicas, e entendemos que há oportunidades nesse mercado”, diz Abreu. Segundo o executivo, o cenário fica ainda mais interessante quando considerada a agenda de modernização e abertura do sistema financeiro.
“O open banking vem para apoiar nossos planos, pois vai igualar as condições de competição, a ponto de players de nicho ou novos entrantes poderem se posicionar, e acreditamos que temos um grande diferencial considerando nossa história no setor”, pontua.
APRENDIZADOS
Segundo Daniel Randon, a estratégia da empresa também tem um objetivo maior, que é desenvolver o sul do país como um importante centro de excelência em inovação para o setor de transportes.
“Assim como temos o vale da polenta, do galeto e do vinho com uma grande força do turismo, acreditamos muito que precisamos criar um ecossistema importante na região para atrair e reter as nossas lideranças, além de novos negócios e empreendedores”, pontua o CEO.
Refletindo sobre as lições da pandemia, além da necessidade de colocar a saúde dos colaboradores em primeiro lugar, Randon cita o foco na criação de negócios exponenciais como um dos grandes aprendizados dos últimos meses.
“Quem desenvolve novas soluções, produtos e processos e atende a necessidade do cliente com a ajuda de tecnologia sem dúvida chega com bastante vantagem, e isso é o que fica dessa pandemia. Vimos isso em indústrias como o e-commerce, que teve um enorme crescimento, e as empresas do nosso setor não são exceção”, finaliza.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros. Escreve para a Forbes Tech às quintas-feiras
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