“A vida de uma pessoa LGBTQIA+ não é simples”, constata Barbara Wolff Dick, diretora de design da Loggi, unicórnio brasileiro de logística. A gaúcha de 34 anos descreve Porto Alegre (RS), onde nasceu, como uma cidade “conservadora”, onde enfrentou vários tipos de preconceito.
“É esperado que uma pessoa LGBTQIA+, principalmente não-conformante de gênero como eu, fique à margem e não alcance posições e espaços de tomada de decisão e liderança porque nos consideram pessoas estranhas, esquisitas, diferentes”, diz a especialista, que foi contratada pela logtech paulistana um pouco antes da pandemia, em 2020.
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Estes estigmas impuseram diversas dificuldades, mas não impediram o avanço da trajetória de Barbara, que se formou em tecnologia para sistemas na Unisul e se pós-graduou em design estratégico e inovação pelo Instituto Europeu di Design. A designer começou a trabalhar muito antes de se formar, e já fazia diagramação e tratamento de imagens desde os 18 anos, além de bicos de tradução simultânea e formatação de trabalhos e artigos acadêmicos no início de carreira.
A carreira da especialista antes de se juntar à Loggi incluiu uma experiência como dona de seu próprio negócio. Aos 22 anos de idade, a gaúcha abriu uma empresa com amigos para trabalhar com desenvolvimento de produtos e empreendedorismo, e ajudou a criar produtos como a plataforma de financiamento coletivo Catarse. Além disso, trabalhou no desenvolvimento de negócios e empreendedorismo na periferia do Rio de Janeiro, com cursos e programas de formação para a nova economia.
Em 2014, Barbara se juntou à consultoria multinacional de inovação Thoughtworks. Durante os seis anos em que trabalhou na empresa como head global de design liderando um time de quase 300 pessoas em 14 países, ajudou a firmar a cultura de produto, design e inovação na empresa norte-americana.
Em 2020, sentiu que o momento era de voltar os olhos para o Brasil, tanto do ponto de vista profissional quanto pessoal: “O convite da Loggi foi perfeito para o que eu buscava: apoiar e desenvolver a consolidação do design brasileiro como meio inovador, criador de oportunidade para todo mundo e fomentador de novos talentos”, pontua.
Na startup brasileira, a área liderada por Barbara é responsável por colocar as pessoas usuárias, a qualidade do serviço e a experiência do cliente no foco das decisões relacionadas ao desenvolvimento de produtos. Através de sua atuação, a especialista quer apoiar e avançar com uma comunidade inclusiva e diversa no design brasileiro, além de desenvolver pessoas e lideranças não-normativas.
“Aqui na Loggi, por exemplo, contribuí com o objetivo de garantir que, pelo menos, duas de cada três posições de liderança sejam ocupadas por pessoas de grupos minorizados. Isso diz muito sobre endossar programas internos e ter um posicionamento externo de apoio à construção de carreiras”, ressalta.
Apesar de observar um movimento no mundo de startups com programas e iniciativas importantes, principalmente voltadas à empregabilidade da população trans e à inclusão de famílias não heteronormativas em programas de benefícios, Barbara argumenta que ainda há um grande escopo para melhorias neste sentido.
“Estamos no começo de uma jornada de olhar e apoiar pessoas de grupos minorizados também como fundadores de startups de sucesso, por exemplo, seja com programas focados de desenvolvimento ou com rodadas de investimento mais diversas”, aponta a designer.
“O mercado de tecnologia e inovação têm um longo caminho pela frente – não pensando somente na questão de empregos, mas também de ambientes de trabalho inclusivos e diversos, e na destinação de investimentos”, diz Barbara, que além do trabalho na Loggi também atua como investidora.
Em seus movimentos no mundo investidor, Barbara começou a olhar para fundos focados em cenários de fundadores com diversidade de gênero, raça, formação e também geografia. “Hoje invisto ativamente em empresas fora de São Paulo, e com o comprometimento de olhar para grupos minorizados”, aponta. “São pequenos passos, mas que, no longo prazo, têm grande potencial de mudança.”
Porém, a designer de 34 anos ressalta que uma história é muito mais fácil de ser contada do que vivida: “Tive que parar de estudar algumas vezes – por questões financeiras, emocionais ou familiares”, conta. “Não foi sempre que eu tive apoio familiar e não foi simples chegar até aqui.”
Segundo ela, existe um sentimento forte de abandono em muitas vivências LGTBQIA+. “Nem sempre as pessoas que estiveram ao seu lado a vida toda entendem as mudanças e as escolhas que você precisou fazer para seguir inteira. Algumas se afastam, com a intenção de lhe dar espaço, e você se sente só”, pontua, lembrando do apoio essencial que sempre recebeu do avô materno e da esposa Fernanda, com quem se casou há quase dez anos.
Este perfil faz parte de um especial que aborda as vivências de pessoas da comunidade LGBTQIA+ no ecossistema de inovação brasileiro, que a Forbes Tech veiculará nas próximas semanas. Para saber mais sobre os desafios e oportunidades relacionados a este público nas empresas de tecnologia, leia a reportagem que deu início à série.
Angelica Mari é jornalista especializada em inovação e comentarista com duas décadas de atuação em redações nacionais e internacionais. Colabora para publicações incluindo a FORBES (Estados Unidos e Brasil), BBC e outros.
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