Em 2019, Bruna Dagostino Ramos viu sua vida mudar completamente depois que o filho Philip, de apenas um ano, foi diagnosticado equivocadamente com TEA (Transtorno do Espectro Autista). Com um misto de medo e insegurança, ela começou a estudar, por conta própria, as alternativas de tratamento. Foi quando descobriu a medicação à base de CBD (canabidiol) como um potencial terapêutico, capaz de proporcionar melhorias no comportamento, funcionalidade e qualidade de vida em pacientes do espectro. Hoje, aos três anos, o pequeno faz tratamento diário com o CBD, porém para TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), sua real condição.
“O canabidiol foi a alternativa que mais chamou a minha atenção por ser uma substância natural e ter resultados positivos no tratamento com crianças”, diz. O artigo “Experiência da Vida Real no Tratamento do Autismo com Cannabis Medicinal: Análise da Segurança e Eficácia”, publicado pela revista científica “Nature”, relata um estudo no qual de 188 pacientes com TEA tratados com cannabis medicinal, 30,1% relataram melhora significativa dos sintomas em apenas seis meses de tratamento, enquanto 53% obtiveram uma resposta moderada no mesmo período. Segundo o levantamento, os resultados ocorreram, principalmente, para sintomas de inquietação, irritabilidade e ataques de raiva, agitação, problemas do sono, ansiedade, constipação e problemas na digestão. Essas melhorias foram notadas em, pelo menos, 75% dos participantes.
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No caso de Philip, os resultados surgiram pouco depois do primeiro mês de uso do CDB, com progressos no foco, na fala e nas condições do sono. “Com o uso contínuo há quase um ano, meu filho teve uma grande evolução. Antes, ele tinha atraso de fala e acordava muitas vezes durante a noite. Pude ver os resultados do tratamento de perto, o que foi muito especial”, conta.
Diante desse cenário, Bruna, junto ao marido Paulo Ramos, decidiu criar a Seeding Brasil, uma master service com sede na capital paulista que busca fomentar o mercado de cannabis legal no país, tornando a indústria mais acessível para pacientes e médicos em todas as áreas. Com o apoio dos sócios Bruno Magliari e Alisson Goulart, a companhia – lançada oficialmente no início deste ano – oferece serviços de suporte a médicos e pacientes e consultoria de mercado para empresas interessadas em vender os produtos no país.
“No Brasil, para conseguir os remédios, é necessário ter uma receita médica e a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Conversamos com cerca de 30 médicos a cada semana e percebemos que muitos deles já enxergam os benefícios do tratamento, mas ainda têm dúvidas sobre as indicações do canabidiol ou como fazer a prescrição correta.” Pensando nisso, a Seeding passou a organizar eventos e disponibilizar cursos online para apoiar a disseminação de informações confiáveis sobre o setor.
Além da rede de médicos prescritores, a empresa auxilia os pacientes no pedido da autorização de importação, compra e entrega dos produtos, e ainda realiza o acompanhamento do tratamento no pós-venda. “O retorno dos clientes é muito gratificante. Já vimos casos de crianças que convulsionavam 19 vezes por dia e, após o uso do CBD, esse número caiu para três ou quatro vezes ao mês. A discussão sobre o canabidiol é importante porque melhora a qualidade de vida das pessoas. Por isso é fundamental que o mercado cresça e mais pessoas tenham acesso”, argumenta.
DE OLHO NAS INOVAÇÕES
A empreendedora faz da tecnologia uma aliada dos negócios, utilizando blockchain para rastrear os produtos em toda a cadeia, dos fabricantes aos revendedores e consumidores finais. “Conseguimos identificar todo o processo: qual semente foi usada e onde ela foi plantada até chegar ao óleo de canabidiol que é vendido. Isso otimiza o processo e aumenta a confiabilidade da indústria, algo fundamental”, considera.
Com apenas oito meses de operação, a Seeding já tem como parceiras grandes empresas internacionais responsáveis pela fabricação de produtos à base de canabidiol. A marca inglesa BeYou, por exemplo, tem uma linha à base de CBD com bombas de banho, sprays orais e itens que prometem aliviar a endometriose. “Apesar de não vendermos diretamente, ajudamos essas marcas a se posicionarem no mercado brasileiro e oferecemos auxílio aos consumidores no processo de aquisição.”
Outra parceria é com a CBD Vitality, também do Reino Unido, que usa o canabidiol para produzir óleos, cosméticos e produtos de skincare. A novidade é a linha voltada para o esporte, desenvolvida por especialistas em saúde e projetada para indivíduos preocupados com a boa forma e com estilos de vida acelerados. Os itens foram pensados como parte de um cronograma fitness e prometem estimular o metabolismo para maior rendimento e redução da fadiga, manutenção do foco e relaxamento, ação anti-inflamatória e recuperação muscular.
“O mercado de cannabis para a saúde e o bem-estar é muito promissor, e está cada vez mais aquecido. As pessoas estão, aos poucos, começando a entender os seus benefícios”, diz Bruna. Para a empreendedora, o apoio de celebridades, como Kim Kardashian, Jennifer Aniston, Jane Fonda e Snoop Dogg tem sido fundamental para disseminar informações sobre o setor. Recentemente, a cantora norte-americana Beyoncé revelou que está construindo uma fazenda de maconha. “Explorei os efeitos do canabidiol durante minha última turnê e experimentei seus benefícios para dor e inflamação. Isso ajudou nas minhas noites agitadas e na inquietação que vem por não conseguir dormir”, disse em uma entrevista para a revista “Harper’s Bazaar”.
No Brasil, a Anvisa aprovou, no ano passado, a importação legal para o uso medicinal de produtos à base de canabidiol para tratamentos sob prescrição médica. Antes utilizada apenas para tratamentos de doenças como epilepsia e Parkinson, a cannabis agora está sendo receitada também para combater ansiedade e depressão.
Em junho deste ano, o marco regulatório da cannabis voltou a ser alvo de discussões com a aprovação do projeto de lei 399/2015 em comissão especial da Câmara dos Deputados. O texto pretende viabilizar a comercialização de medicamentos que contenham extrator, substratos ou partes da planta Cannabis sativa em sua formulação para fins terapêuticos. Para entrar em vigor, o projeto tramita em caráter conclusivo, ou seja, pode não passar pelo plenário da Câmara e ir direto para a votação dos senadores.
MERCADO PROMISSOR
A regulamentação da cannabis no Brasil poderia gerar 117 mil empregos e movimentar R$ 26,1 bilhões em quatro anos, de acordo com levantamento da empresa de inteligência de mercado de cannabis Kaya Mind. “A tendência é clara e crescente. A Anvisa aponta que, em 2015, havia 321 pacientes com autorização para usar os medicamentos canábicos. Em 2019, esse número saltou para 10.862 e, no último ano, para 26.885”, diz Bruna.
Nos Estados Unidos, o CBD ainda é ilegal em nível federal quando contido em alimentos ou rotulado como um suplemento dietético. Mas o mercado pode chegar a US$ 19,5 bilhões em 2025 se a FDA (Food & Drug Administration, agência federal do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos) aprovar o composto como um aditivo legal em 2022, de acordo com uma projeção feita pela empresa de pesquisa de mercado de cannabis BDSA.
“O mercado tem muito espaço para crescer, mas isso depende de serviços de qualidade e da regulamentação. A barreira do preconceito e a falta de informações corretas prejudica o setor, e é justamente por isso que criamos a Seeding: para ajudar outras empresas a crescerem em um mercado de qualidade e compreendido pelas pessoas”, conclui Bruna. A estimativa da Seeding é faturar R$ 3,61 milhões nos próximos três anos.
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