Se algum dia tiver uma dúvida de como o setor conhecido como tecnologia é competitivo, o fundador e CEO da Neurotech, Domingos Monteiro, pode olhar para a própria carteira de clientes. A companhia nasceu no centro de inovação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) há 20 anos. Nos primeiros meses, conquistou 15 clientes. “Desses, apenas dois ainda existem”, diz Monteiro. Nessas duas décadas, todos os demais fecharam ou foram absorvidos por outras empresas. “Eram empresas de varejo, de diversos serviços que não existem mais”, afirma o executivo. “Um deles fazia listas telefônicas, algo que hoje é totalmente inútil.”
A quebra dos primeiros clientes não impediu que a Neurotech conquistasse outros: ela presta serviços para cerca de 300 companhias. Atualmente, uma sociedade anônima de capital fechado, a companhia tem uma expectativa de faturamento de R$ 100 milhões para este ano.
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O negócio da Neurotech são dados, muitos dados. Não os próprios, mas os dos clientes. Por meio de inteligência artificial, a empresa analisa todas as informações à disposição das empresas para as quais trabalha, e que muitas vezes não são usadas de maneira eficaz. “Nossos clientes tomam 70 milhões de decisões todos os meses com base em nossos sistemas”, diz o executivo. Decisões como subscrever ou não uma apólice de seguro, por exemplo.
Um bom exemplo são as seguradoras que cobrem acidentes ou roubo de automóveis. Esse é um trabalho complicado no Brasil, onde a sinistralidade é alta. Por isso, as seguradoras calculam os preços das apólices tendo em vista modelos estatísticos. Mulheres dirigem melhor do que homens; pessoas com mais de 40 anos são mais prudentes que jovens; o número de furtos e roubos aumenta perto das faculdades. Os sistemas da Neurotech permitem ir além. “As seguradoras passam a usar informações que já estavam disponíveis, mas que não entravam nos cálculos”, explica Monteiro. “Por exemplo, os dados das secretarias de segurança pública sobre furtos, roubos e acidentes nas regiões pelas quais os veículos passam.”
Outro segmento são as empresas de varejo, especialmente o comércio eletrônico. “Nossos sistemas permitem à empresa acompanhar a navegação do cliente nos sites de internet, para entender melhor do que ele está precisando ou o que deseja, e fazer uma oferta direcionada”, diz o executivo. Segundo Monteiro, o cliente do varejo está cada vez mais exigente em termos de variedade e praticidade, por isso facilitar sua jornada pode ser a diferença entre fechar ou não a venda.
As empresas também estão cada vez mais conscientes da necessidade de usar os recursos com inteligência, especialmente as informações. Uma pesquisa realizada no primeiro semestre pela Dell do Brasil mostra que 73% dos executivos entrevistados disseram estar conscientes de que usar bem as informações disponíveis é essencial para a boa tomada de decisões. Há vários exemplos de companhias pequenas e inovadoras que devoraram (ou destruíram) os mercados de gigantes bem estabelecidos – basta pensar no exemplo anterior das listas telefônicas. Isso requer um esforço por parte da empresa, pois o peso do imediatismo é muito grande e a pressão é para tomar decisões de curto prazo. Não por acaso, a mesma pesquisa detectou que, apesar da consciência dos executivos e empresários, apenas 28% das empresas usam os dados com eficiência. “Os recursos são escassos e, por isso, o hoje engole o amanhã”, diz Monteiro. Mas não há alternativa. “A empresa que não inova corre um risco sério de continuidade.”
*Reportagem publicada na edição 102, lançada em outubro de 2022