Considerada uma das futuristas mais importantes do mundo, a britânica Adah Parris esteve no Brasil, mais especificamente em Salvador, no início desta semana, para participar do Festival Afrofuturismo. Adah falou sobre a filosofia “Cyborg Shamanism”, ou Xamanismo Ciborgue, em tradução livre.
“Compreendo a importância do Festival Afrofuturismo para o Brasil, especialmente para Salvador, ao posicionar o país como um centro de discussões relevantes sobre inovação, empreendedorismo, criatividade e futurismo, invertendo a lógica de concentração dessas discussões nos países do Norte Global – Europa e Estados Unidos. Neste sentido, ter a Adah por aqui foi uma oportunidade muito importante para nosso papo”, diz Paulo Rogério Nunes, CEO do Hub de inovação Vale do Dendê e idealizador do festival.
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Em entrevista exclusiva à Forbes Brasil, Adah falou sobre o conceito que criou e reforça a importância da ancestralidade para a tecnologia. “Se entendermos que o objetivo principal da tecnologia é nutrir, criar e manter os relacionamentos, talvez o mundo dos ciborgues esteja finalmente voltando às suas origens nos mundos do xamã.”
Forbes Brasil – Quais são os pilares da filosofia Xamanista Ciborgue?
Adah Parris – Ela é feita de uma série de provocações em torno de ser um bom ancestral. Na verdade, é um chamado para sermos conscientes em como nos mostramos e navegamos pelo mundo. As provocações, na verdade, criam um alfabeto. Quando eu estava trabalhando no alfabeto, percebi que havia uma ordenação específica para eles, o que levou à criação da estrutura do Xamanismo Ciborgue.
FB – Como você dividiu esse conceito?
Adah – Primeiro temos que olhar para dentro de nós mesmos, reconhecer que somos uma parte interconectada e interdependente de tudo o mais no mundo. Não podemos nos separar ou nos ver como superiores a todas as outras espécies do planeta. Precisamos de novas hierarquias de necessidades, ou seja, sobre o “nós” e não sobre o “eu”. Por isso, acredito que o primeiro valor que temos é sermos regenerativos. Uma vez que admitimos que somos uma grande parte do problema, então podemos começar a explorar o que é a nova “Teoria da Mudança”. Durante a pandemia, percebemos que muito do que pensávamos ser normal foi quebrado. As pessoas tinham crises existenciais e procuravam e estavam abertas a novas soluções, inovações e ideias. Meu próprio trabalho decolou durante a pandemia e acredito que isso seja parte do motivo. Antes da pandemia me diziam que o conceito era “radical demais”. Agora sou convidado a falar em conferências ao redor do mundo para ser provocativa e fazer as pessoas se sentirem desconfortáveis, mas é claro que faço isso com empatia, compaixão e um entendimento fundamental de que não sou uma “especialista”, mas alguém que reconheceu padrões em vários e geralmente justapostos mundos.
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FB – E como a tecnologia entra neste contexto?
Adah – Se entendermos que o objetivo principal da tecnologia é nutrir, criar e manter os relacionamentos como descrevo anteriormente, talvez o mundo dos ciborgues esteja finalmente voltando às suas origens nos mundos do xamã. A mudança pode ser desconfortável, mas novamente verificando o papel que o ego desempenha em nossas tomadas de decisão e assumindo o papel do ativista (acreditando em algo maior do que nós mesmos), saindo de nossas zonas de conforto abrimos espaço para sonhar grande. Uma das perguntas que faço aos meus clientes e públicos é: como seria o seu negócio, qual seria o seu modelo de negócio se não dependesse do ser humano e da natureza como capital? Isso leva à próxima fase: como tornar essas mudanças sustentáveis? Como ser proativo na criação de legados? Muitas culturas indígenas falam do tempo em relação a sete gerações. Reconhecendo que as mudanças que podem precisar acontecer podem acontecer além de suas próprias vidas.
FB – Qual a relação que você estuda do impacto da tecnologia na cultura e identidade de um povo?
Adah – Depende de como você define tecnologia, de cuja perspectiva e como você define cultura. Se estamos falando de tecnologias digitais, então estou cada vez mais preocupada com o desenvolvimento, o dimensionamento e a amplificação cada vez mais rápidos de tecnologias emergentes marcadas como uma espécie de panaceia para todos os males do mundo. Se olharmos por trás da fumaça e dos espelhos, descobriremos que muito do que se diz ser uma “tecnologia emergente” é, na verdade, uma manifestação digital do que já existe nos saberes ecológicos tradicionais, nos sistemas vivos e mais do que no mundo humano.
FB – E quais os impactos negativos que ela pode causar se não for bem direcionada?
Adah – Estou cada vez mais preocupada com o rápido desenvolvimento e a adoção generalizada de tecnologias emergentes, que muitas vezes são saudadas como uma panaceia para muitos dos nossos desafios globais. Essa narrativa, predominantemente impulsionada e amplificada por entusiastas de tecnologia nos principais hubs digitais, traz à tona questões sobre ética, autonomia, inclusão e privacidade. Um excelente exemplo é a abertura da OpenAI de sua plataforma para indivíduos criarem sua própria IA personalizada, acho isso cada vez mais preocupante quando muitos já não compreendem totalmente ou consideram os impactos de longo prazo de suas decisões. Esses desenvolvimentos também trazem à tona preocupações sobre a sustentabilidade e o impacto ecológico dessas tecnologias. É crucial questionar quem realmente se beneficia dessas inovações, particularmente quando consideramos as complexidades associadas aos países que fornecem matérias-primas para nossos produtos eletrônicos. Isso destaca a necessidade de uma compreensão mais holística das implicações de nossos avanços tecnológicos. Devemos considerar não apenas as inovações imediatas, mas também seus impactos ambientais e socioeconômicos mais amplos. Devemos considerar também a importância da inclusão, o respeito às diversas perspectivas e o reconhecimento dos contextos históricos não podem ser exagerados. Temos também de reconhecer e reconhecer as práticas culturais e os sistemas de conhecimento que estão frequentemente na vanguarda negligenciada ou ignorada de grande parte do nosso desenvolvimento tecnológico.