A mineira Grazi Mendes recebeu, na sexta-feira, (27), em Nova York, o Most Influential People of African Descent (MIPAD). O reconhecimento celebra e reconhece os 100 futuristas afrodescendentes mais influentes do mundo. Grazi e head Latam de diversidade da Thoughtworks , uma das maiores consultorias de tecnologia do mundo.
Reconhecida na categoria “Afrofuturismo e Criativos”, voltada para profissionais que estão à frente de projetos e serviços que fazem a conexão entre a cultura africana, a ficção científica e a arte, Grazi relembra sua trajetória para valorizar esse momento.
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“Quando vejo o meu nome em listas internacionais, junto a pessoas que admiro e me inspiro, sei que não é só a Grazi Mendes, pensadora de futuros, ativista e executiva, mas, também, a garota que, há muitos anos, desejou fazer parte de uma sociedade mais inclusiva, diversa e plural. E é por ela que eu tenho trabalhado na construção desses futuros”, afirma.
Além da Grazi, representando o Brasil, o baiano Paulo Rogério Nunes, co-fundador da startup Vale do Dendê, também integra a lista. Anualmente, a MIPAD divulga listas de pessoas referências para a comunidade negra, sendo também uma das realizações da “Década Internacional dos Afrodescendentes”, lançada pela ONU e que teve início em 1º de janeiro de 2015, com término em 31 de dezembro de 2024.
Em entrevista para a Forbes Brasil, ela falou sobre a relação com a tecnologia e a importância de estar presente nessa lista.
Forbes Brasil – Como começa sua paixão por tecnologia?
Grazi Mendes – Meu contato com a tecnologia começa aos 13 anos de idade, quando eu fazia manutenção de computadores, no início da década de 90, quando o digital começava a entrar timidamente na realidade de algumas pessoas no Brasil. Eu mesma não tinha dinheiro para comprar um computador, mas já tinha ouvido que essas máquinas iriam mudar o mundo. Para mim, essa mudança deveria ser positiva, e isso me estimulou a fazer um curso no Senac nessa área. Assim, ficaria mais perto dos computadores enquanto aprendia a consertá-los. Minha estratégia funcionou: aos 16 anos recebi meu primeiro carimbo na carteira de trabalho como Auxiliar de CPD – Central de Processamento de Dados. A partir daí, a tecnologia e essa esperança persistente (quase teimosa) em utilizar suas ferramentas para construir realidades melhores e mais inclusivas nunca mais deixaram de ocupar parte importante da minha vida. Hoje estou como diretora LATAM na consultoria global de tecnologia, Thoughtworks, além de ser cofundadora do Voa, Papagaio (projeto de inclusão da juventude periférica nas universidades) e atuo como professora em programas de formação executiva.
FB – Como você enxerga o papel da tecnologia como agente de mudança?
Grazi – Para entender os potenciais de ação da tecnologia, é preciso compreender quem a produz, quem a utiliza, quem se beneficia e também quem é impactado e, de certa forma, moldado por ela. Quando pensamos na mudança que a tecnologia pode trazer, é importante pensar que o futuro não será feito de tecnologia, mas que a tecnologia é, no presente, a grande aceleradora desses futuros, aí incluindo os futuros possíveis e desejáveis que imaginássemos. Estamos em uma encruzilhada histórica, e a discussão precisa ir muito além. A tecnologia não é o sujeito da nossa conversa, é o objeto. Os sujeitos, aqueles que agem, são outros e são plurais. São as pessoas, em seu aspecto mais diverso, que irão definir o futuro da humanidade, do planeta e, veja bem, da própria tecnologia. Há sempre um potencial de mudança ao nosso alcance, seja através de pequenas ações cotidianas, seja através de mobilizações em prol de uma tecnologia mais ética, responsável, comprometida com a melhoria dos cenários atuais. Caso contrário, arriscamos criar futuros que não merecem ser vividos, ou simplesmente repetir o passado com um disfarce diferente, perpetuando padrões que deveríamos ter rejeitado há muito tempo. Um futuro onde a tecnologia avança, mas os abismos sociais persistem não é um futuro que desejamos. Tecnologias que exacerbam o desemprego ou ampliam a precarização das condições de vida e de trabalho e geram caos social não deveriam receber aporte milionários. Pelo contrário, deveríamos investir em criar soluções para as mazelas do nosso tempo. Apoiar pessoas e organizações que, das margens, estão criando tecnologias para endereçar problemas reais e distribuir melhor os benefícios enquanto outras estão minimizando o potencial de danos. O futuro responde às nossas indignações e à coragem de nossas ações. Resta saber com o que nos indignamos e o que estamos fazendo para efetivamente mudar o que não podemos aceitar.
FB – O que representa ser reconhecida internacionalmente?
Grazi – Todo reconhecimento é algo que me leva de volta ao encontro comigo mesma. Ao ser reconhecida, lembro de me examinar novamente, analisar minha coerência e meu lugar na jornada. Por isso, meu impulso é também meu compromisso: contribuir com o futuro revolucionário em que eu acredito, um futuro plural e inclusivo. E faço isso todos os dias, em todos os papéis que eu ocupo. Quando vejo meu nome em listas internacionais, junto a outras pessoas que admiro e nas quais me inspiro. Sei que quem é reconhecida não é só a Grazi Mendes, pensadora de futuros, professora, ativista e executiva, mas também a garota que, há muitos anos, imaginou um futuro mais inclusivo, mais diverso e mais plural, no qual coubesse todo mundo. Pela honra dessa Grazi do passado, tenho trabalhado muito na construção desses futuros. Avante!
FB – Qual a importância dia de mapear futuros desejáveis a partir de uma ótica de inclusão?
Grazi – Pensar a inclusão é encorajar uma visualização do mundo, da vida e das estruturas sociais não pelo que elas são nesse momento, mas por tudo aquilo que elas podem ser. E as possibilidades são tantas! Pensar a inclusão é querer criar novos imaginários, mais plurais, que desafiam o status quo, e trabalhar para isso. Não há inovação real sem a ousadia de romper com os antigos modelos que nos trouxeram até aqui. E por isso não há inovação real sem inclusão. Quando agimos juntos pela inclusão, estamos cada vez mais perto de expandir os limites de nossas próprias realidades e de criar novos futuros, que nos caibam e nos pertençam.