Pesquisadores brasileiros lideraram uma competição de bioinformática em busca de moléculas que possam funcionar como tratamentos para a COVID-19 no futuro. A necessidade de novos tratamentos continua relevante: em 2023, o vírus ainda era a 10ª principal causa de morte nos EUA, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).
Karina dos Santos Machado, professora associada da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), liderou a equipe que venceu uma competição organizada pela Conscience, uma organização canadense de biotecnologia sem fins lucrativos. O grupo identificou as moléculas mais promissoras que podem levar a um novo tratamento eficaz contra todos os tipos de coronavírus.
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Machado explica que, ao buscar novos medicamentos, os cientistas precisam entender como uma possível substância interage com um alvo — geralmente uma proteína. Para isso, usam simulações computacionais que ajudam a prever o grau de adaptação entre o candidato a fármaco e a proteína-alvo, como uma chave encaixando em uma fechadura.
“As moléculas que avaliamos computacionalmente e identificamos como promissoras para o alvo NSP13 do SARS-CoV-2 vieram de um banco de dados”, explica ela, acrescentando que os organizadores realizaram testes experimentais com as moléculas mais promissoras, embora novos testes ainda sejam necessários.
“Essas estratégias in silico (simulações computacionais) apoiadas por inteligência artificial têm o potencial de tornar o processo de descoberta de medicamentos mais ágil e eficiente no Brasil”, diz Machado, acrescentando que essas técnicas já estão sendo desenvolvidas e aplicadas para investigar novos compostos terapêuticos, inclusive aqueles derivados de plantas e animais da rica biodiversidade brasileira.
Ela ressalta que a plena integração dessas abordagens in silico na indústria farmacêutica brasileira ainda está em estágios iniciais. “Superar essa lacuna seria um passo significativo para acelerar a descoberta de medicamentos para doenças negligenciadas, tão presentes em nosso país”, afirma. “Espero sinceramente que nossa vitória no Cache Challenge #2 ajude nesse sentido, destacando o potencial das pesquisas feitas nas universidades para a indústria farmacêutica.”
Machado também menciona que outra estratégia promissora é a reutilização de medicamentos. A descoberta de novos usos para fármacos por meio de algoritmos é particularmente útil em situações com recursos limitados para testes ou onde há uma lacuna entre a academia e a indústria farmacêutica, como ocorre no Brasil.
Crescendo no Brasil
Machado cresceu em Bagé, uma cidade no sul do Brasil, na fronteira com o Uruguai, e desde cedo se interessou por números, desafios lógicos, calculadoras, máquinas de escrever e videogames. “Quando estava terminando o ensino fundamental, pedi aos meus pais que me matriculassem em um colégio técnico focado em informática; eu tinha visto computadores na TV, mas nunca tinha usado um”, relembra ela, acrescentando que ganhou seu primeiro computador aos 15 anos de idade, um marco significativo no Brasil daquela época.
O interesse por tecnologia levou Machado a cursar engenharia da computação em uma universidade pública próxima a Bagé, depois a obter um mestrado em ciência da computação focado em bioinformática (com bolsa de estudos) e, por fim, a conquistar um doutorado em bioinformática estrutural. “Desde 2005 trabalho nesta área e sempre sonhei em descobrir um novo medicamento para alguma doença”, diz.
Ela destaca que, no Brasil, grande parte da pesquisa científica vem das universidades públicas, onde os pesquisadores precisam equilibrar aulas, trabalhos administrativos, orientação de alunos e pesquisa, tudo com recursos limitados. “As condições ambientais distintas, incluindo clima, biodiversidade e ecossistemas, requerem abordagens específicas que muitas vezes não são abordadas por pesquisas internacionais”, conclui.