O consumo de produtos orgânicos pode alcançar um movimento financeiro global da ordem de US$ 211 bilhões em 2024, segundo a consultoria americana BCC Research. Em 2000, esse mercado era de cerca de US$ 17 bilhões. A carne bovina não está fora dessa corrida, inclusive no Brasil, onde ela é um dos alimentos mais desejados na mesa do consumidor.
No ano passado foram 27,6 quilos, por habitante, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), um dos mais altos consumos do mundo. No Brasil, satisfazer o público faminto por carne bovina orgânica é um movimento levado por produtores de gado que apostam nesse nicho de mercado que tem desafios gigantes em toda a cadeia de produção. Eles atendem e dão respostas a um arsenal de conceitos que estão na mente dos consumidores. “Os consumidores estão desejando um estilo de vida mais saudável e de impactos mínimos ao ambiente”, explica Fernanda Canto Guina, professora de relações internacionais e comércio exterior da Unaerp (Universidade de Ribeirão Preto) e pesquisadora especializada em comércio de carne bovina. “Isso é um processo que está ocorrendo no mundo inteiro. Por essa razão, a produção e o consumo de carnes orgânicas tendem a crescer.”
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Para todo o mercado de orgânicos, e não somente para a carne bovina, os dados da Organis (Associação de Promoção dos Orgânicos) mostram que, em 2020, o setor no Brasil registrou crescimento de 30% em relação a 2019, movimentando cerca de R$ 5,8 bilhões. As lojas que ofertam carne são um retrato desse crescimento: balcões com carnes orgânicas são uma cena cada vez mais vista em supermercados e boutiques especializadas.
A tradicional Wessel, por exemplo, está investindo em uma linha de bovinos produzida em fazendas dedicadas à pecuária orgânica. Atualmente, a empresa conta com carne moída e hambúrgueres orgânicos em sua loja online. De acordo com o proprietário, Istvan Wessel, as vendas de orgânicos alcançaram bons resultados nos últimos anos e, por isso, a marca pretende se expandir nesse setor ao lançar polpettone e kafta orgânicos. Para ele, o sucesso da tendência se apoia no valor que os consumidores dão a uma cadeia produtiva 100% natural.
“Produzir um boi orgânico dentro de um bioma relevante, como o Pantanal, é um fato que chama a atenção das pessoas Se o animal é criado solto e comendo capim sem agrotóxicos e grãos não transgênicos, as pessoas vão enxergar isso com bons olhos ao comprar e consumir esse tipo de carne”, aponta Wessel.
No e-commerce de alimentos Raízs, a carne bovina faz parte de um cardápio que inclui outras proteínas, como o frango. Elas estão entre os itens mais comprados por um público seduzido pelo conceito da carne orgânica. Para Thomás Abrahão, CEO e fundador da startup, isso ganhou força durante a pandemia. “Como muitas pessoas estão passando mais tempo em casa, elas estão se questionando sobre a origem dos alimentos que comem, quem os produziram e em que condições. Diante disso, muitas pessoas recorrem aos alimentos orgânicos.”
Wessel e Abrahão afirmam que há uma percepção bastante forte de que os compradores manifestam mais confiança nas carnes orgânicas do que nas não orgânicas. Isso porque na construção do conceito do que é orgânico há uma preocupação em mostrar ao consumidor que essa carne tem origem a partir de um sistema de produção rígido, apoiado em modelos sustentáveis do ponto de vista ambiental. Não por acaso, seus negócios estão dando protagonismo às vendas online, onde as linhas orgânicas conquistam cada vez mais público. “Na loja virtual da Raízs, o consumidor consegue conhecer um pouco mais sobre a história do produto, do produtor e sobre a origem das carnes orgânicas de bovinos e de frango, o que aproxima o consumidor de quem produz o alimento e gera mais confiança”, afirma Abrahão.
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Wessel diz, também, que as carnes orgânicas estão fazendo sucesso entre os consumidores mais jovens, graças ao acesso às informações sobre o produto. E aposta que as próximas gerações estarão ainda mais atentas ao que consomem. “Os adolescentes de hoje têm mais informações que os adultos de 50 anos atrás”, afirma Wessel. “Eles também são grandes leitores de rótulos, olham os ingredientes, os benefícios nutricionais e escolhem com mais critérios. Por isso, as novas gerações tendem a dar mais importância aos seus alimentos.”
Desafios na produção
Mas produzir carne orgânica não é uma tarefa fácil para os pecuaristas. Isso porque ela é resultado de uma longa cadeia de insumos necessários à produção, como os grãos que compõem a dieta animal, entre eles o milho, o farelo de soja e o sorgo, por exemplo. Em caso de doença, o animal somente pode ser tratado com medicamentos homeopáticos e fitoterápicos. E as pastagens não podem receber qualquer agroquímico, como pesticidas e inseticidas. Na criação de gado orgânico, o desafio está na produção para aumentar a oferta nos pontos de venda. Junte-se a isso regras rígidas estabelecidas pelo Mapa (ministério da Agricultura e Pecuária), sendo que toda fazenda deve possuir um plano de manejo auditável por uma certificadora. Qualquer produto sem um selo certificado não pode ser considerado produto orgânico.
Para Fernanda Canto Guina, o maior desafio na produção de carne orgânica é justamente a oferta de insumos naturais. A cadeia de suprimentos ainda é deficitária. “Ao contrário da agropecuária tradicional, as fazendas orgânicas são obrigadas a alimentar os animais com grãos não transgênicos. Como os animais vivem soltos, eles se alimentam do que o local tem a oferecer, de acordo com o clima e a estação”, explica Fernanda. Mas, se o produtor precisar suplementar a dieta do animal, há uma barreira no caminho. A produção de grãos orgânicos no Brasil ainda é muito tímida e carece de números oficiais sobre o volume e locais de cultivo. Entre especialistas, a estimativa é de que as fazendas que se dedicam a esse segmento não passam de 300 a 400, do total de 5,3 milhões de propriedades rurais no país.
Exemplo na criação
Um dos projetos mais consistentes de produção de boi orgânico no Brasil, fornecedor para a Wessel e Raízs, está nas mãos da ABPO (Associação Brasileira de Produtores Orgânicos), entidade criada em 2001 por pecuaristas da região do Pantanal. A marca Korin, conhecida por sua ampla variedade de produtos orgânicos, e engajada na agricultura natural desde 1988, é parceira da ABPO desde 2012.
Para Reginaldo Morikawa, diretor superintendente da Korin, as fazendas de criação de animais orgânicos devem ser dependentes dos recursos locais, de modo que todas as etapas de produção sejam sustentáveis na região da criação. O Pantanal, com suas pastagens naturais, tem vocação para esse tipo de atividade econômica. “Seguindo esses protocolos, consegue-se uma carne saudável e de melhor qualidade”, acredita Morikawa.
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No caso dos animais criados no Pantanal pelos pecuaristas da ABPO, a produção do gado é ainda mais complicada que em outras regiões do país, justamente por causa das oscilações de recursos alimentares provocadas pelas cheias e secas desse bioma. Para Morikawa, “um dos maiores desafios do negócio é permitir que os animais vivam o máximo possível e de modo rentável, dentro das condições ambientais.”
Por conta do custo de produção mais oneroso ao produtor, as carnes orgânicas são mais caras. Além disso, na ponta do consumo há mais um desafio: a demanda concentrada em alguns cortes de carne por parte do consumidor, ou seja, não se rentabiliza todo o animal. “A maioria das pessoas querem comprar alcatra, contrafilé, filé mignon e outras peças orgânicas específicas. Mas, as demais partes dos bovinos e itens como couro e colágeno não são aproveitados. Esse fator encarece ainda mais a carne bovina orgânica”, diz Morikawa.
Istvan Wessel também aponta o alto custo do bovino orgânico como o maior entrave ao aumento das vendas. “Geralmente, as carnes orgânicas custam 20% a 30% a mais do que as convencionais, e a maioria dos consumidores está disposta a pagar por essa diferença. No entanto, como o valor da carne bovina vem aumentando, o custo da carne orgânica também tende a se elevar e a demanda começa a frear.”
A solução para deixar os preços dos orgânicos mais atraentes aos consumidores, segundo Wessel, é justamente aumentar a variedade de carnes ofertadas. Mas há também que educar o consumidor. “A princípio, as carnes orgânicas são mais compradas pelas classes A e B. Para que se tornem mais acessíveis, mais produtos devem ser feitos com elas, como carne moída e hambúrgueres. Quanto maior a variedade, maior será a aceitação entre os consumidores.”
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