Em 2025, se a produção de peixes continuar no mesmo ritmo dos últimos oito anos, o Brasil vai chegar a 1 milhão de toneladas processadas e prontas para consumo. Esse alimento, para o consumidor, tem uma qualidade que não se discute: peixe é saudável. A vontade e a disposição do setor move um mercado de 1 milhão de produtores, gera cerca de 1 milhão de empregos diretos e outros 2 milhões indiretos. Em 2021, os chamados peixes cultivados movimentaram R$ 8 bilhões.
Os dados foram apresentados hoje (22), pela PeixeBR (Associação Brasileira da Piscicultura), entidade que reúne produtores de alevinos, genética, engorda de peixes, frigoríficos, empresas de ração, equipamentos, nutrição, insumos veterinários, além de entidades estaduais. “Foi um ano em que, para o setor, a palavra confiança deu o tom”, afirma Francisco Medeiros, presidente executivo da Peixe BR, se referindo a uma pesquisa anual realizada com os associados juntamente com a coleta de dados.
“O mundo está faminto por peixe. A aquacultura no mundo, assim como no Brasil, continua sendo uma das atividades do agronegócio que mais avança, com crescimento anual muitas vezes superior a duas casas decimais”, disse à PeixeBR, Thiago Ushizima, gerente de negócios de aquacultura da Adisseo Latam, uma das maiores multinacionais francesa da área de nutrição.
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No ano passado, o Brasil produziu 841.005 toneladas de peixes de cultivo em tanques escavados e em tanques de rede em rios (tilápia, peixes nativos e outras espécies), volume 4,7% acima de 2020. Os dados estatísticos são apurados pela própria entidade desde 2014 e diferem do que apresenta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
“A coleta do IBGE é feita por técnicos e não recenseadores, além de vários estados terem funcionários ou pouquíssimos para a tarefa”, afirma Medeiros. “No Mato Grosso do Sul, por exemplo, os dados de uma única empresa são maiores que os do IBGE. No caso dos peixes nativos, 80% do consumo no país não passa por nota fiscal.” Para registro, em 2014, no primeiro levantamento da PeixeBr, o volume foi de 578.800 toneladas, o que representa até agora um crescimento no período de 135%.
Tilápia é a rainha do cultivo de peixes
Confiante na metodologia própria e no trabalho dos técnicos da entidade, a Peixe BR aponta que em 2021 foram produzidas 534.005 toneladas de tilápia, um crescimento no ano de 9,8%. A espécie representou 63,5% da produção total de peixes de cultivo. Há investimentos nesse setor e eles devem aumentar ainda mais no próximo período.
O Sul lidera com folga a corrida da tilápia, com 86% do cultivo de peixes nessa região. Foram 231.900 toneladas, volume que representa 43,4% da produção nacional. O Sudeste vem em segundo lugar com 144.340 toneladas (27%), seguido pelo Nordeste, que com 95.300 toneladas no ano passado participa com 18% do total. O Centro-Oeste, que também avança no cultivo e é um dos estados mais promissores para os próximos anos, produziu 61.650 toneladas, 11,5% do total.
No do ano passado, por exemplo, a mato-grossense Bom Futuro, com sede na capital Cuiabá, uma das maiores empresas do agro, dona de 580 mil hectares de lavouras, contou com exclusividade à Forbes sobre o seu projeto de verticalizar a cadeia da tilápia com uma marca própria para o varejo. A Bom Futuro, que tem entre os seus controladores Eraí Maggi Scheffer Maggi, investe na piscicultura desde os anos 2000. Nos próximos dias, outra grande empresa do setor deve anunciar também investimentos semelhantes.
Uma segunda categoria, que representa 31,2% do total criado, a dos peixes nativos – os chamados peixes redondos –, enfrentou turbulências. Concentrado nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Maranhão, Pará e Amazônia – nesta ordem – foram produzidas 262.370 toneladas, um recuo de 5,85% em relação a 2020. Estão na categoria o tambaqui, um peixe apreciado por suas costelinhas saborosas; a pirapitinga, popularmente chamada de pacu negro ou caranha, e o pacu, propriamente dito, com sua carne plena de gorduras do bem; além dos seus híbridos, principalmente a tambatinga (cruzamento do tambaqui com pirapitinga).
Desde 2019, uma fake news tem sido arduamente combatida nas redes sociais, a sobre Doença de Haff, ou doença da urina preta, causada por uma toxina que pode ser encontrada em alguns peixes e crustáceos e que em humanos afeta o sistema muscular e órgão como rins. A Fiocruz vem acompanhando o cenário. “O mercado desses peixes está retomando, com os esclarecimentos constantes”, diz Medeiros. Além da fake news, a falta de programas oficiais de apoio ao cultivo e dificuldades de mercado foram decisivos para esse desempenho do segmento.
Para as outras espécies – carpas, trutas e pangasius que representam 5,3% da produção total – o cultivo foi de 44.585 toneladas, crescimento de 17% ante 2020. “A panga na região norte tem sido um sucesso, com novos projetos em andamento, principalmente no Maranhão e no Piauí”, afirma Medeiros. O panga, um peixe gordo, de textura firme, cor branca, sabor suave e sem espinhas, é pleno ômega 3.
“A piscicultura representa a atividade de produção animal que mais cresce nos últimos anos. Obviamente que isso decorre do consumo ainda baixo –menos de 5 kg por habitante ao ano–, mas também das características dos peixes de cultivo em termos de qualidade e segurança”, diz Medeiros. “A atividade é extremamente profissional, trabalha com boas práticas e utiliza modernas tecnologias em genética, sanidade, nutrição e equipamentos.”
Peixes com maior rendimento de carne, vacinas mais modernas visando a saúde e o bem-estar animal, blends de rações que auxiliam na proteção das células e na modulação da fisiologia dos animais têm sido foco de pesquisas públicas e privadas. Por exemplo, um estudo da Apta (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios), apresentado no ano passado mostra que os peixes panga, quando alimentados com ração com 40% de proteína bruta, podem ganhar até 20% a mais peso em tanques-rede de um metro cúbico.
Mais consumo de peixe, mas como?
O consumo de peixe no país poderia ser maior, se caso alguns desafios já tivessem sido superados. Desafios antes e depois da porteira. No ano passado, o principal deles foram os preços dos insumos e matérias-primas para alimentação animal, o mesmo de aves, suínos e bovinos, que são o milho e a soja. O Indicador do Milho ESALQ/BM&FBovespa, preço base em Campinas, SP, teve aumento real de 45,7% na comparação com o mesmo período de 2020, e o preço do farelo comercializado na mesma região paulista avançou 21,9%, também em termos reais.
Dentro da porteira ainda estão os licenciamentos ambientais, em que as regras dependem da interpretação de cada estado sobre leis gerais a serem aplicadas. Investimentos em maior grau poderiam ocorrer, caso houvesse uma segurança jurídica maior, ponderam as lideranças da PeixeBR. Mesmo assim, ele vêm ocorrendo.
No ano passado, os financiamentos de custeio foram de R$ 625 milhões, valor 43% acima de 2020. Os financiamentos nessa categoria representam de 10% a 12% do custeio total da atividade. Juntando financiamento de custeio e investimentos, o total foi de R$ 653 milhões tomados, volume 19,7% superior. Medeiros diz que os dados mostram que as empresas estão se organizando para acessar o mercado de crédito, sendo os principais captadores as empresas de integração de cadeia. “Isso significa apoio ao sistema produtivo, que os recursos estão chegando nos produtores de peixes”, afirma.
Fora da porteira, os desafios não são novos. Embora o produtor de peixe receba por sua produção valores muito próximos de aves e suínos, o produto perde a competição nas gôndolas por ter uma cadeia de frio ainda frágil e cara. “Somos líderes em genética, processamento, tecnologias e pesquisa”, diz Medeiros. “É por isso que o setor de tecnologias na área de comercialização é um dos que mais devem crescer nos próximos anos”.