O médico veterinário, Cléber Soares, foi seminarista e depois técnico agrícola, profissão que o inspirou a cursar a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e apostar na carreira de pesquisador na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), desde 2004. Seu nome já esteve na lista de cotados para assumir a instituição. Em abril de 2020, Soares aceitou o convite da ministra Tereza Cristina para ocupar a secretaria de inovação e tecnologia da pasta, uma das mais ativas do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Ele falou com exclusividade à Forbes, para a edição especial Agro 100, sobre sustentabilidade, bioeconomia, digitalização, inovação aberta e foodtech, temas que podem impactar o setor e elevar o agronegócio a um novo patamar de produtividade e excelência. Confira:
Forbes: Para os atores que atuam no agronegócio há hoje uma clara visão dos processos de inovação que ocorrem no país?
Cleber Soares: Existe uma certa confusão entre o que é inovação e o que é ciência e tecnologia. Isso é natural, porque o vocabulário e os jargões voltados à ciência e tecnologia são muito fortes no Brasil e nos países em desenvolvimento. A evidência disso é que quando se pega, por exemplo, o índice global de inovação e o índice global de ciência e tecnologia, no caso do Brasil, o país está muito bem posicionado dentro do índice global de ciência e tecnologia, ou seja, em gerar conhecimento, informação e conteúdo. Temos ficado próximos das posições 12 e 15, em termos de publicações científicas e conhecimento. No índice de inovação publicado em 2021, o Brasil está na 57ª posição.
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O que sintetiza o conceito de inovação?
Inovação é a transformação de conhecimento, de dados, de processos, de ativos em riqueza. Essa riqueza pode ser monetizada ou não monetizada. A riqueza monetizada é gerar dividendos, comércio etc. E a não monetizada pode ser captura de valor. Então, se você não gera riqueza, em síntese não está gerando inovação, lembrando que novidade não é sinônimo de inovação. Há cinco grandes drives, ou grandes eixos que vão pautar a inovação no agronegócio brasileiro: sustentabilidade, bioeconomia, digitalização, inovação aberta e foodtech.
O que define hoje sustentabilidade?
Olhar para a sustentabilidade está muito em cima de ativos ambientais ligados ao agro. Mas o principal ativo chama-se carbono e o agronegócio tem que agregar e capturar valor. Foi a grande discussão da COP26, em Glasgow. Outros grandes ativos são a água e o solo, e a nossa macroestratégia, o nosso carro-chefe, é o plano ABC+.
Os demais drives também têm peso dessa magnitude?
Sim. A bioeconomia precisa ser vista como um recorte do agronegócio. O Brasil detém 20% da biodiversidade do planeta, que possui em torno de 8,2 milhões de espécies vegetais. E desse total, nove espécies vegetais suportam a alimentação de 70% da população de todo o planeta, como arroz, soja, milho, batata, beterraba… Mas nenhuma delas tem suas origens no Brasil, e nós somos uma potência agrícola. Então, temos oportunidades, nos 20%, de explorar ativos como a mandioca, o guaraná, o açaí, o cacau, o cupuaçu e por aí em diante.
Quais os principais desafios da digitalização?
No digital temos três camadas. A primeira, mais desafiadora, é a infraestrutura. Não adianta ter o melhor celular do mundo se não tiver conectividade. Com base nisso, começamos a fomentar pilotos para poder puxar o setor. Estamos com 250 em assentamentos e comunidades rurais em todo o Brasil, usando conexão com satélite. Estamos, também, planejando instalar sete pilotos de conectividade de alta qualidade. A segunda camada é da plataforma de integração de sistemas de informação. Não adianta o produtor ter conectividade se os sistemas não conversam entre si. E a terceira camada é das soluções tecnológicas, de como monetizar dados e transformar em valor agregado.
Na inovação aberta, o que sustenta esse drive?
O agro vai avançar a partir da conexão com outros setores da indústria. Precisamos fortalecer as alianças de ecossistema de inovação, e ter uma visão contemporânea, induzindo o surgimento dos hubs de inovação. Neste mês participamos do anúncio do hub do Triângulo Mineiro, já estamos com um hub em Londrina (PR), e vamos anunciar o corredor de inovação de São Paulo.
Por que as foodtechs entram separadas na sua definição de drives?
O agronegócio é muito importante, mas os países desenvolvidos faturam muito mais com nossa comoditização. Temos de olhar para sistemas produtivos alimentares e adicionar valor sobre ele. Por exemplo, a agenda de alimentos plant based. Somos os maiores produtores de soja e milho do mundo e plant based é a forma de explicar o que são novos ingredientes e seu macroconceito. Temos também o conceito de células cultivadas para produção de carne de laboratório. Não é à toa que a BRF fechou parceria com a LabFarm, que detém a melhor tecnologia de células cultivadas no mundo. Mas a evolução da inovação alimentar nesse segmento é tamanha que hoje já tem tecnologia que usa molde de proteína vegetal para cultivar célula animal em cima, tendo um produto final híbrido.
Que valor esses elementos trazem para a sociedade?
No ano passado, o Banco Mundial chegou à síntese de impactos negativos da pandemia. Um deles foi o aumento de 24,4% de desemprego, o aumento na ordem da pobreza de 24% e o terceiro foi a fome, entre 20% e 21%. Fizeram essa projeção e acertaram. Hoje, estima-se que tenha cerca de 1,1 bilhão de pessoas em situação de insegurança alimentar, e cerca de 1 bilhão com fome aguda. Na essência, temos dois itens para garantir segurança alimentar: proteína, e pouco importa se vem de picanha, peito de frango, pescado ou de grãos de feijão. E o segundo elemento é a energia nutricional, que pode estar no milho, batata mandioca. Precisamos inovar, agregando, capturando e adicionando valor, seja por alimento cultivado, de fermentação de precisão ou híbridos. Quem tem fome, tem pressa.