A zootecnista Maryon Carbonare trabalha com forragem conservada há mais de dez anos. Ela presta consultoria na região dos campos gerais do Paraná, área localizada no centro-leste do estado, berço do plantio direto, com um sistema cooperativista fortíssimo e uma pecuária de alta tecnologia em carne e leite.
Uma das propriedades acompanhadas por Maryon, na MS DC Consultoria, no município de Ponta Grossa, enfrentou a falta de milho para alimentar o rebanho de 400 animais, das raças angus e canchim, em sistema de cria e recria. “Acabou a silagem de milho e orientamos o produtor a colher os 32 hectares de cevada cervejeira que estava destinada à colheita de grãos”, diz ela. “Fizemos silagem de cevada de planta inteira que abasteceu o plantel durante quatro meses, mantendo o ganho de peso e a taxa de reprodução.”
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Maryon orientou o produtor na mesma linha técnica do que recomenda da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária): os cereais de inverno, como trigo, triticale, aveia e cevada, têm consolidado o papel dessas plantas na nutrição animal. Eles resultam em forragens com maior teor de proteínas e menos carboidrato, quando comparados ao milho e com ótimos resultados de ganho de peso.
No caso da propriedade orientada por Maryon, enquanto a média de rendimento de massa verde na aveia foi de 20 toneladas por hectare, a cevada produziu 35 toneladas de massa verde (ou 12 toneladas de massa seca, MS).
Contudo, quando comparada à silagem de milho, os custos de produção quase dobraram: R$ 0,55 kg/MS no milho e R$ 1,00 kg/MS na cevada. “Mesmo com custos mais altos, não podemos ficar dependentes somente do milho. Podemos produzir volumosos energéticos também no inverno”, afirma Maryon, que também fomenta o uso de cereais como triticale, trigo e aveia na produção de forragem conservada.
Cooperativa aposta na qualidade do angus
Na Cooperaliança, com sede em Guarapuava, 177 cooperados trabalham com cria, recria, engorda e terminação de bovinos da raça angus. No frigorífico da cooperativa são 30 mil bovinos abatidos por ano. O gado da raça angus forma rebanhos por todo o país, identificados com a qualidade da carne reconhecida pelo consumidor. Daí o cuidado com a alimentação.
O engenheiro agrônomo da Cooperaliança, Rodolfo Carletto, conta que a avaliação de cereais de inverno para forrageamento dos animais começou há cinco anos na cooperativa, com análises a campo e em laboratório de culturas como trigo, aveia, centeio, cevada e triticale.
“Com o avanço da soja e do milho sobre a pecuária vimos a necessidade de aprimorar a alimentação do gado, que fica até oito meses nas propriedades dos cooperados em recria e terminação”, diz Carletto.
Segundo ele, o volumoso servido no cocho era baseado na silagem de milho, mas a entrada prematura da suplementação com grãos e o excesso de carboidratos (amido) acabava achatando a curva de crescimento dos animais: “Verificamos que as vísceras estavam ficando comprometidas. Até 50% do fígado acabava descartado por lesões”.
O problema na pecuária, conforme Rodolfo, foi significativamente reduzido com o uso de cereais de inverno que apresentam maior teor de proteínas (11%) e menor teor de carboidratos (30% de amido) do que o milho, que apresentou 7% de proteínas, 35% de amido na silagem e 75% de amido nos grãos.
A escolha da Cooperaliança tem sido o triticale nos últimos dois anos, especialmente na terminação de machos, na qual o resultado no incremento de carcaça chega a 2%, com boa estrutura óssea e muscular.
Em novilhas, o triticale também obteve avaliação positiva, promovendo o crescimento dos animais mais do que a engorda. “O produtor gostou do triticale pela facilidade de cultivo, a rusticidade e o bom volume de massa verde que chegou a 28 toneladas por hectare, ou 9,5 toneladas de massa seca por hectare.
O aproveitamento dos dejetos para fazer a adubação também reduz bastante os custos de produção que podem ser direcionados apenas à aquisição da semente e à aplicação de fungicidas no espigamento”, afirma Carletto. A área destinada ao triticale na cooperativa passou de 430 hectares em 2021 para 750 hectares neste ano, com a cultivar BRS Surubim.
Como a raça wagyu utiliza os cereais de inverno
O preço da carne de bovinos da raça wagyu pode ultrapassar R$ 1.000 por quilo. Isso porque, segundo os especialistas, qualidades como marmoreio, gordura entremeada na carne que derrete durante o preparo, resulta num sabor comparável à experiência de um “chocolate suíço derretendo na boca”.
A raça japonesa chegou ao Brasil em 1992 e hoje conta com um rebanho próximo a nove mil animais de red wagyu (pelo vermelho) e black wagyu (pelo preto). No norte do Rio Grande do Sul, no município de Paim Filho, os médicos veterinários Ricardo e Eraldo Zanella começaram a criação de Wagyu há 20 anos.
Hoje, a Agropecuária Zanella conta com um plantel de 100 animais puros das raças, destinados à produção e comercialização de genética para o próprio estado e também com vendas para São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais.
“O sêmen do wagyu está sendo muito utilizado no cruzamento industrial, principalmente com outras raças como é o caso do angus, hereford e nelore, visando à produção de carnes nobres, principalmente por aumentar o grau de marmoreio da carne”, diz Zanella. “Assim, estima-se que o cruzamento com outras raças ultrapasse 25 mil animais no Brasil.” Zanella também é membro da diretoria da Associação Brasileira dos Criadores de Bovinos das Raças Wagyu.
Na Agropecuária Zanella, os animais são selecionados por avaliações genéticas, e os que passam no processo de seleção vão para um sistema de criação extensivo, onde ficam dois anos no pasto e depois são encaminhados ao confinamento em São Paulo, onde passam da engorda à terminação até alcançar 750 quilos de peso vivo no ciclo completo de 36 meses.
A pastagem sempre contou com campo nativo, aveia, azevém, sorgo e capim sudão, além de silagem de triticale. A primeira experiência com trigo na forragem foi em 2021, quando a parceria com a Embrapa Trigo levou até o produtor sementes das cultivares BRS Tarumã, BRS Tarumaxi e BRS Pastoreio.
No ano passado, os animais entraram na pastagem de trigo com 25 a 30 centímetros de altura e saíram quando as plantas atingiam de 5 a 10 centímetros. O início do pastejo começou no final de junho e se estendeu até o início de outubro.
A carga animal foi de 700 quilos por hectare (ha) de peso vivo (entre quatro e cinco cabeças). O método de pastejo foi o rotacionado ou intermitente, mantendo os animais de três a sete dias em cada piquete, retornando após 15 a 25 dias. Após cada saída, foi realizada a adução com ureia (70 kg/ha) para estimular o rebrote das plantas.
No resultado final, a produção de matéria seca com pastagem de trigo ultrapassou 6000 kg/ha. O ganho de peso vivo chegou a 1,76 kg/novilho/dia em média, com alguns ganhando até 2,1 kg/dia. Em comparação, nos animais que ficaram somente na pastagem de aveia o ganho de peso foi de 1,0 kg/dia.
Em 100 dias no pasto, o gado saiu com 392 kg/animal. “Os bovinos dobraram de peso em pouco mais de três meses na pastagem de trigo. A meta agora é chegar a 460 kg/animal nos dois anos de cria e terminação, ou seja, manter o ganho sem perder o bem-estar animal”, avalia Ricardo Zanella. (Com Embrapa)