Diana Vasquez cresceu na vila de pescadores de El Aceituno, Honduras, onde seu avô era pescador. Até hoje, ela enxerga com clareza como era o seu pequeno mundo cercado por “conchas em todos os lugares. Havia milhares e milhares.”
“Quando eu era criança, a rua principal era coberta com essas conchas de moluscos brancos. E as paredes das casas também – era como um concreto de conchas esmagadas. Minha avó construiu uma cama de conchas ao ar livre apenas para secar as roupas porque as conchas absorvem o calor do sol.”
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Mas sob as pressões da pesca excessiva, poluição e mudanças climáticas, El Aceituno é uma sombra de seu antigo eu, uma vez que a comunidade de pesca artesanal vigorosa diminuiu muito.
Hoje, motivada pelo amor à sua terra, uma conexão com o oceano e aqueles que vivem dele, Vasquez defende as comunidades pesqueiras da América Central com a organização ambiental global sem fins lucrativos “Rare”.
A ONG de médio porte, com orçamento de US$ 32 milhões (R$ 165,32 milhões) no ano fiscal de 2022, está sediada em Arlington, Virgínia (EUA). Subsídios de governos e fundações, bem como contribuições de indivíduos, apoiam a equipe global de 178 pessoas da Rare no seu trabalho ambiental, tanto em terra quanto no mar.
Isso inclui não apenas o trabalho comprovado de organização de base, mas também a coleta científica e o compartilhamento de dados sobre o estado das águas, as criaturas que vivem nelas e as famílias que dependem de uma pesca robusta para fornecer alimentos às suas famílias e aos outros.
Em toda Honduras, as comunidades agora precisam se mobilizar para manter seus meios de subsistência costeiros diante não apenas das pressões climáticas, mas também do impacto da pesca excessiva – de grandes empresas e pescadores locais. Vasquez tem ajudado grupos comunitários a se organizarem e trabalharem com o governo para produzir resultados que preservem seu modo de vida único, nascido da ligação entre oceano e cultura.
O desafio não é exclusivo de Honduras ou mesmo da América Central. A ONU (Organização das Nações Unidas) lançou neste ano o seu programa “Blue Transformation” para, como diz, “aumentar o potencial dos sistemas alimentares subaquáticos e alimentar a crescente população mundial de forma sustentável”.
Houve poucas vezes na história contemporânea em que o trabalho árduo de preservação dos oceanos, restauração da biodiversidade marinha e sustentação do suprimento global de alimentos se cruzaram no tipo de tempestade perfeita que agora enfrenta o planeta.
A Rare diz que quase três bilhões de pessoas em todo o mundo dependem do peixe como principal fonte de proteína. De fato, a ascensão do peixe como fonte alimentar significativa é de importância crítica, o WFP (Programa Mundial de Alimentos) informou este mês que a fome global está aumentando, com cerca de 828 milhões de pessoas em estado de fome em 2021. Na verdade, o WFP lançou um alerta vermelho sobre o aumento da fome global devido à guerra na Ucrânia, às mudanças climáticas e aos estresses econômicos e pandêmicos.
É muito para enfrentar e por onde começar é possivelmente a questão mais assustadora de todas. No entanto, além dos grandes temas internacionais de reparo oceânico e diagnóstico científico sofisticado, há pessoas que trabalham metodicamente in-loco na reconstrução. O programa de pesca costeira da Rare chamado “Fish Forever” alcança mais de 1,6 milhão de integrantes da comunidade pesqueira em quatro continentes. Rocky Sanchez Tirona é a diretora administrativa do programa.
“A Rare se baseia na mudança de comportamento; chamamos de soluções centradas no comportamento”, diz Tirona. “Trabalhamos para que as pessoas – seja a comunidade, os líderes ou mesmo o governo nacional – se alinhem em torno de uma visão compartilhada para uma pesca costeira mais sustentável e, em seguida, ajam juntos.”
O alvo desses esforços são os “mares territoriais”, águas oceânicas costeiras sujeitas à autoridade de um governo local. Essas águas se estendem até 12 milhas náuticas da costa — cerca de 22.2 mil quilômetros. Em comparação com toda a paisagem aquática da Terra, essas águas costeiras representam menos de seis por cento do mar. Mas a Rare observa que é aqui que se encontra a maior biodiversidade do oceano e onde, com quase 500 milhões de pessoas vivendo nessas áreas, algumas das necessidades humanas mais intensas são experimentadas.
Tirona se aprofunda ainda mais. “Os mares territoriais representam seis por cento do oceano. Mas 70% da biodiversidade marinha pode ser encontrada nesses seis por cento, porque é onde estão os recifes de corais, manguezais, ervas marinhas, todas as espécies que estão associadas a esses habitats. Em termos de emprego, trata-se de pesca de pequena escala, onde um total de quase 113 milhões de pessoas trabalham para empregos ou subsistência.”
Além disso, a qualidade da captura dessas pescarias é criticamente distinta. “Entre a pesca de pequena escala e a pesca industrial, 40% da captura é na pesca de pequena escala. Isso parece um número pequeno”, diz Tirona. “Mas 97% dessa captura de 40% é para alimentar as pessoas.” Isso contrasta fortemente com a pesca industrial, diz ela, que é transformada em comida para animais ou outras coisas.
O ecologista marinho e fotógrafo da natureza George Stoyle é o arquiteto digital da organização de dados levantados pelo programa sobre questões a saúde dos ecossistemas, resiliência às mudanças climáticas, produção pesqueira, pesquisas domiciliares e, mais contemporânea, o impacto da pandemia de Covid.
Ele visitou e fotografou todos os quatro locais continentais com atuação da Fish Forever.
“A tomada de decisão embasada é o objetivo final dos dados”, diz Stoyle. “Temos equipes para cada país que coletam dados em campo, agregam e analisam, e os disponibilizam de forma útil aos governos municipais para auxiliar no processo de tomada de decisão para melhor gerenciar os recursos.”
A Fish Forever, com um orçamento anual de US$ 10,5 milhões (R$ 54,2 milhões), trabalha constantemente para expandir a vasta rede de pessoas que se beneficiam direta ou indiretamente do trabalho da Rare. Eles podem ser encontrados ao longo das costas caribenhas de Honduras e Guatemala, na costa amazônica do Brasil, no longo litoral de Moçambique, no pequeno estado insular de Palau, Sulawesi, Indonésia, que faz parte do Triângulo de Coral, e 60 municípios nas Filipinas, onde o programa Fish Forever foi criado em 2013.
O desafio da Rare: como comunidades pesqueiras costeiras podem atender a grandes visões globais, como a iniciativa endossada por quase uma centena de nações que busca transformar 30% das áreas terrestres e aquáticas do planeta em “espaços protegidos” até 2030 – ou, resumidamente, “30 por 30.”
Grande meta, diz Tirona, mas quem vai fazer isso acontecer?
“Em muitos dos lugares em que estamos trabalhando, isso vai ser muito difícil. A ciência nos diz que se você deixar 20% dos habitats críticos em paz e não os tocar e deixá-los se recuperar, você verá mais peixes saindo dessa área. Então eles vão conversar entre si: podemos lidar com 20%? Talvez ainda seja muito alto. Então, talvez eles comecem com dez por cento e subam até 20% mais tarde.”
Na Inglaterra, uma equipe de cientistas da Universidade de Cambridge identificou o que eles veem como quinze dos principais desafios para a biodiversidade marinha. Enumerados no periódico “Nature Ecology and Evolution”, eles vão desde o impacto de incêndios florestais, exploração de recursos, pesca predatória, mineração oceânica de vários tipos e, claro, poluição desenfreada.
Na ponta que será imediatamente impactada por esses estresses estão os constituintes do Rare – fustigados por furacões, sofrendo com calor e seca extremos, lançando linhas de pesca em águas esgotadas. Por extensão, porém, todos nós também somos.