O sequenciamento de DNA ficou muito mais barato e isso abriu as portas a diferentes usos. Nos dias atuais é relativamente barato ter seu próprio DNA avaliado por serviços como 23andme, MyHeritage ou Ancestry.com. Pessoas podem aprender sobre sua origem étnica e até mesmo se conectar com parentes que nunca conheceu, com a possibilidade de surpresas nesse caminho. Embora as histórias familiares, orais ou escritas, sejam muitas vezes incompletas ou “higienizadas”, o registro de DNA é totalmente transparente. Também é cada vez mais possível aprender sobre possíveis riscos à saúde que uma pessoa possa ter herdado.
Atualmente, há uma aplicação interessante do sequenciamento de DNA para rastrear a “etnia” de peixes que vivem no oceano. É claro que nesse caso não são os peixes que querem a informação – são as agências governamentais ao redor do mundo que são responsáveis pela gestão da “pesca” oceânica e das populações de peixes selvagens que compõem uma parte significativa do suprimento alimentar humano de proteínas e que fornecem gorduras ômega-3 saudáveis e minerais importantes.
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De acordo com um artigo publicado em 2020 na revista Nature, intitulado “The Future of Food From the Sea”, os humanos atualmente capturam 59 milhões de toneladas de “alimento do mar”, dos quais 84% são de pesca selvagem e 16% é da “maricultura” – peixes e bivalves cultivados. Isso representa 17% da oferta global de carne para o consumo. Em 2050, espera-se que essa quantidade aumente para entre 80 milhões e 103 milhões de toneladas, principalmente por meio de aumentos na maricultura. Mesmo assim, a estimativa é de que os peixes capturados na natureza forneçam entre 56% e 71% do total da demanda de 2050.
Os seres humanos vêm pescando peixes que vivem no oceano há séculos, e os ecossistemas que sustentam esses peixes são capazes de manter uma população viável, mesmo sob um grau significativo de pressão da pesca humana. No entanto, existem exemplos históricos de sobrepesca problemática, como a população de bacalhau do Atlântico que já foi abundante na costa dos EUA e do Canadá, mas que entrou em colapso em 1992.
Governos de todo o mundo criaram agências reguladoras para rastrear populações importantes de peixes, para que possam saber se estão sendo ameaçados pela pesca excessiva. Se isso estiver acontecendo, eles podem suspender a pesca para permitir que as populações se recuperem. E mais, os peixes não estão sujeitos às fronteiras humanas e, portanto, há muitos casos que exigem cooperação internacional. A ONU (Organização das Nações Unidas) tem um “Código de Conduta para Pesca Responsável” e existem organizações regionais de gestão da pesca que elaboram os detalhes. O sistema não é perfeito, mas pelo menos para o mundo desenvolvido, a pesca é em grande parte um empreendimento sustentável. No entanto, pode haver mudanças na dinâmica da população oceânica ligada às mudanças climáticas e, portanto, a importância do monitoramento e gerenciamento provavelmente aumentará.
Os reguladores utilizam várias ferramentas para monitorar o que está acontecendo com a população de peixes. Para as espécies que sobem um rio de água doce e clara para desovar, é possível literalmente fazer contagens de amostras dos peixes enquanto nadam rio acima. É possível “pesquisas acústicas” que quantificam o movimento submarino geral em locais-chave e, em seguida, vincular esses dados da amostragem baseada em capturas para identificar quais espécies estão envolvidas. Os reguladores podem medir a captura devolvida à natureza pelo pescador. Juntos, esses métodos permitem que os reguladores façam um trabalho razoavelmente bom na manutenção de populações sustentáveis, mas para algumas espécies importantes isso pode ser particularmente difícil.
O complicador é que para algumas espécies de peixes existem subpopulações chamadas de “estoques” que se misturam em mar aberto durante a maior parte do ano, mas depois voltam em diferentes épocas e/ou lugares para “desovar”. Isso seria comparável a uma sociedade humana diversificada, na qual as pessoas ainda se casam quase exclusivamente dentro de sua sub comunidade étnica. Para espécies, como a maioria dos salmões, que têm muitos estoques distintos que são capturados à medida que sobem o rio de origem, é relativamente fácil gerenciar estoque por estoque, simplesmente fechando ou abrindo a pesca em um determinado rio. Para espécies que são colhidas em mar aberto – o manejo específico do estoque é muito mais difícil. Por exemplo, existem seis unidades populacionais distintas de bacalhau do Atlântico.
Os estoques do Georges Bank e do Golfo do Maine, perto dos EUA, estão indo tão mal quanto no Mar Céltico (ao largo da costa sul da Irlanda). O estoque no Mar do Norte está se recuperando, e os estoques no Mar de Barents e na Islândia estão indo bem. Particularmente para as unidades populacionais de bacalhau na costa leste do Atlântico, os dados normais de amostragem populacional apenas informam o que está acontecendo para a espécie como um todo, não para o estoque individual e, portanto, as decisões de manejo podem não ser capazes de atingir o equilíbrio ideal entre proteção e fornecimento.
Para outra espécie importante, o arenque, a situação é ainda mais complicada. Há uma gama de quatorze estoques de arenque distintos que os reguladores estão tentando gerenciar.
Muitos métodos foram usados na tentativa de rastrear esses estoques distintos, desde tentativas de encontrar diferenças físicas, até a observação de seus parasitas e marcação física, mas como um grande estudo recente concluiu: “A realidade é que a confusão em torno da estrutura populacional do arenque em sua distribuição persiste. Isso tem impedido a identificação de populações e dificultado a delimitação de estoques em muitos casos…”
Em outras palavras, essas populações não poderiam realmente ser gerenciadas de maneira ideal sem uma maneira prática de obter as estimativas populacionais específicas de estoque necessárias.
Isso fez do arenque um caso de teste ideal para a aplicação de um sistema de teste baseado em DNA, que foi desenvolvido pela empresa global de saúde animal Merck Animal Health nos EUA e Canadá, também conhecida como MSD Animal Health em outros lugares, incluindo a União Europeia, América Latina e Ásia.
O ponto de partida para esta aplicação da tecnologia foi um projeto de WGS (sequenciamento do genoma inteiro) realizado sob os auspícios do Conselho de Pesquisa da Noruega. O nome da pesquisa é “Gensinc: Adaptações genéticas subjacentes à estrutura populacional em arenque”. Esse levantamento identificou cerca de 10 milhões de SNPs (polimorfismos de nucleotídeos singulares) que refletem toda a diversidade genética dessa espécie. Entre eles, pesquisadores acadêmicos identificaram 800 SNPs mais relevantes que poderiam ser usados para diferenciar os estoques de arenque, porque são conectados a diferenças genéticas que estão “associadas à adaptação ecológica a diferentes áreas geográficas e condições de desova”. Foi então necessário reduzir a lista de marcadores a um número mais prático.
O que se seguiu foi um grande estudo científico envolvendo 17 cooperadores de 6 países para caracterizar o DNA do arenque em amostras de pesquisas oceânicas. Este foi um grande projeto olhando para peixes de pesquisas de pesca e capturas comerciais entre 2014 e 2021. Seu tamanho, sexo e maturidade foram registrados e uma amostra coletada para teste de DNA. Com isso, 45 SNPs foram escolhidos para o teste de DNA e, do terceiro trimestre de 2019 até o final do projeto em 2021, eles passaram a ter as amostras testadas em sequência usando a plataforma de DNA “Traceback Fisheries”, criada pela Merck Animal Health, um fornecedor comercial (eles primeiro confirmaram que este serviço lhes forneceu as mesmas informações de genótipo que seu método de laboratório anterior).
A partir desse esforço, os autores concluíram que o teste de DNA lhes deu novas capacidades valiosas: “Se implementado como parte da coleta regular de dados do MSHAS, o método de identificação de estoque genético no presente estudo permitirá a divisão dos índices de pesquisa de outras populações, o que antes não era possível”.
No caso, havia dois estoques de arenque para os quais os dados sugeriam que não eram populações reprodutoras distintas e não precisariam ser rastreadas separadamente. A conclusão geral do autor foi:
“O que está claro é que os resultados do estudo atual melhorou a capacidade de delinear o levantamento e avaliar os estoques de arenque na chamada Divisão (uma determinada área de presença do peixe) e há uma necessidade agora de traduzir isso em uma gestão melhorada.”
O monitoramento do nível de estoque baseado em DNA pode em breve ser expandido para outras espécies importantes em todo o mundo, e a Merck Animal Health está trabalhando com vários pesquisadores e reguladores nesse processo, de acordo com Ciaran Meghen, líder de ciência, análise e qualidade da empresa. Sua lista de projetos inclui salmão do Atlântico, truta marrom, bacalhau, arenque, carapau, camarão do Pacífico Whiteleg, perca e espadilha. Todo esse campo é um exemplo de como as tecnologias genéticas avançadas estão ajudando nos desafios de sustentabilidade do suprimento de alimentos.
* Steven Savage, colunista da Forbes EUA, é biólogo pela Universidade de Stanford e doutor pela Universidade da Califórnia, em Davis.
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