Ao caminhar por um belo gramado, é compreensível que uma fábrica seja a última coisa em sua mente. Mas a grama, além de ser agradável de se ver, é uma maravilhosa fábrica de precisão e síntese química. Por meio de uma bioquímica sutil, a grama transforma luz solar, açúcares e minerais em tecidos fibrosos, que possuem a capacidade de se replicar até que uma lâmina o cubra por completo.
Se você quer saber a melhor maneira de construir uma Ferrari, vá a Maranello, na Itália, para vê-las sair da fábrica. Se quer entender como a grama é feita, não há para onde ir além do seu próprio organismo, o melhor especialista do universo em fazer grama. Isso se aplica a praticamente toda a vida multicelular e, à medida que a ciência e a indústria aprendem novas maneiras de trabalhar com a biologia, também oferece uma estrutura útil para pensar sobre como a humanidade atende às suas necessidades.
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Vamos imaginar uma máquina impossível. Ela produz uma proteína deliciosa – na verdade, ela é feita de proteínas deliciosas – e funciona apenas se alimentando de “grama”. Como os seres humanos são inteligentes, eles vão descobrindo maneiras de converter várias moléculas orgânicas em todos os tipos de coisas, por meio da química e alavancando micróbios, como no caso a levedura de cerveja.
Um biotecnólogo, então, poderia sugerir encher um grande tanque de aço com um organismo, como a E.coli, editando seus genes para converter açúcares em proteínas. Essa seria uma solução, mas a natureza não projetou esses microorganismos para criar proteína – mais do que proteína, você obteria mais E.coli. Isso é muito trabalho para um problema que qualquer agricultor sabe como resolver: é só ter uma vaca.
Do ponto de vista dos sistemas, as vacas são incríveis e, novamente, melhores no que fazem do que qualquer máquina humana poderia construir. Com apenas grama e água como insumos, elas produzem leite nutritivo e proteína integral, além de mais de si mesmos. Com uma vaca, um touro, um campo de grama e uma fonte de água, você pode abrir caminho para construir um rebanho. O gado está muito à frente dos Teslas quando se trata de “condução totalmente autônoma”, e quando uma vaca sofre um amassado, el a pode se curar. Ver as incríveis habilidades de um sistema vivo como soluções para nossos problemas é algo que chamo de “cowness”. Você também pode chamá-lo de “grassness”, ou “beeness” ou ‘qualquer outra coisanes’ – quando a natureza tem uma resposta para os problemas que os humanos procuram resolver, suas soluções são geralmente melhores e mais sofisticadas do que qualquer coisa que possamos inventar.
Por meio da biotecnologia, a ciência e a indústria estão encontrando novas maneiras de alavancar as habilidades dos sistemas vivos, principalmente a partir de organismos unicelulares. Por exemplo, empresas como a Colorifix estão “editando” bactérias para produzir corantes sustentáveis; Loliware e Sway estão fazendo plástico com algas marinhas. Mas esses não são exemplos de “bactérianess” ou “algas marinhaness”, e mais um exemplo de como a ciência está encontrando novas aplicações para sistemas vivos. Mas ainda há muitas oportunidades para alavancar o que a evolução já descobriu. Na Polônia, por exemplo, mexilhões e outros moluscos são conectados a sensores para ajudar a avaliar a qualidade do abastecimento de água local. Por que tentaríamos que superar o que a natureza já faz de melhor?
Uma questão fundamental é a escala. Hoje, a escala é fundamental para que qualquer produto ou solução faça a diferença, e a natureza tem seus limites. Com as vacas, vemos isso claramente na pecuária industrial e em todas as suas consequências ambientais e éticas. Mas, em parte, isso é um problema de monocultura: decidimos que a carne e o leite vêm apenas de um conjunto restrito de fontes animais. Também decidimos que os mesmos tipos de carne e leite devem ser consumidos em todo o mundo.
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Uma frente de ‘cowness’ pode preferir trabalhar com o que já prospera em uma determinada região; uma certa fonte de proteína fará mais sentido em um lugar ou cultura do que em outra, e de onde vem um ser vivo é tão importante quanto o que ele faz. Por exemplo, alavancar os perfis nutricionais dos grilos e sua incrível capacidade de reprodução parece oferecer uma maneira verdadeiramente escalável de atender às necessidades nutricionais de um planeta em crescimento (se o Ocidente conseguir superar seus melindres). É, também, um exemplo de ‘cricket-ness’ mudando a maneira como vemos o mundo e como obtemos o que precisamos. Essas mudanças de perspectiva podem e devem também informar a maneira como fazemos o que precisamos e, com o tempo, podem ajudar a nos alinhar com o planeta em que vivemos.
Vamos dar mais um exemplo: bombas d’água. Existem várias técnicas para extrair umidade do ar ou água do subsolo, mas nada faz isso como uma árvore. O “treeness” de uma árvore — as coisas que ela faz melhor do que qualquer coisa que possamos projetar — inclui construir e reproduzir-se, perfurar-se profundamente no solo, purificar água e operar em um modelo distribuído, tudo alimentado pelo sol.
Elas também são incríveis movimentadores de água. Cresci em uma fazenda de bordo, então passei incontáveis horas colocando milhares de plugues na lateral das árvores de bordo [típicas das regiões norte do planeta], uma maneira bastante simples de extrair a umidade armazenada. Mas elas se mostraram como seres bons em canalizar água. Em vez de cavar poços mais profundos, não faria mais sentido extrair umidade das bombas vivas que já estão fazendo isso?
O aguapé (Pontederia crassipes), apesar de ter estruturas de raízes rasas, transpira cerca de três vezes mais água de uma lagoa do que a evaporação normal. Tente cavar um poço de 100 pés, e você descobrirá que a árvore do pastor (Boscia albitrunca) pode afundar suas raízes a 230 pés no subsolo. Que potencial existe para as plantas serem aplicadas como bombas de água? Em um ambiente desértico, como onde cresce a árvore do pastor [espécie protegida na África do Sul], pode-se imaginar capturar água com algo como um poço de ar. Em ambientes mais úmidos, como a China, as plantas estão sendo testadas para reciclar a água de aterros contaminados. O resultado aqui é que podemos recuperar água cavando e extraindo, ou aproveitando as habilidades latentes das plantas.
Para colocar em termos grosseiros, a evolução é talvez o maior designer, e a biologia o maior fabricante que o mundo jamais conhecerá. Faz sentido para os humanos submeterem-se ao seu gênio em todas as oportunidades. Por muito tempo antes da tecnologia, era isso que os humanos faziam, porque simplesmente não havia outra opção.
As coisas que os humanos fazem e usam hoje, embora por definição sejam originárias de recursos terrestres, são processadas a ponto de serem quase abstratas da natureza. Mesmo que a tecnologia e a compreensão científica avancem para mexer com o funcionamento interno dos seres vivos, ainda podemos nos beneficiar do que a natureza faz melhor do que jamais poderíamos antes. De fato, obter uma compreensão mais profunda de como os seres vivos funcionam pode melhorar esse relacionamento.
Encontrar e trabalhar com a ‘vacacidade’ de um novo organismo, geralmente, se resume a encontrar novas maneiras de construir sistemas de suporte à vida — com organismos unicelulares, estes assumem a forma de biorreatores líquidos, grandes tanques de fermentação; para organismos mais complexos, como árvores, poderíamos imaginar sistemas de construção em torno de árvores que sustentam seus modos de vida, enquanto também canalizam a água das folhas para uma torneira.
Parte de trabalhar com a natureza é operar dentro de seus limites e com respeito a ela, não apenas tratá-la como um recurso bruto, mas como um ser vivo que compartilha nosso planeta conosco e pode ser nosso parceiro no negócio de viver aqui. Isso deve estar no centro do trabalho com a biologia para projetar ou construir qualquer coisa que os humanos usem.
É, também, uma mensagem oportuna, pois os humanos agora entendem o suficiente sobre como a natureza funciona para saber que devemos atender às nossas necessidades em equilíbrio com seus processos. Talvez isso comece buscando mais maneiras de alavancar o que já foi projetado. Ainda há tanta ‘cowness’ a ser descoberta e utilizada, desde que não esqueçamos de procurá-la. As possibilidades são tão infinitas quanto a variedade de vida na Terra.
*Eben Bayer é colaborador da Forbes EUA e CEO da Ecovative, empresa que produz materiais sustentáveis com as ‘estruturas radiculares’ de cogumelos