Entrar no rol de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade é o que pode ocorrer com o Queijo Minas Artesanal. Nesta semana, em um evento que começou ontem (27), em Rabat, no Marrocos, e termina no dia 2 de dezembro, o queijo está sendo apresentado aos participantes, com a intenção de iniciar um processo em busca da certificação. A condição de patrimônio cultural imaterial é uma concessão da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), com a apresentação da candidatura do produto ao Comitê Intergovernamental para Salvaguarda desse tipo de instrumento, composto por representantes de 24 países, sendo que a cada dois anos metade deles são substituídos. Um produto do agro nessa categoria é inédito no país.
De acordo com a agência especializada das Nações Unidas (ONU), com sede em Paris, patrimônio cultural imaterial “são as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que comunidades, grupos e, em alguns casos, os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural”. Mas não é somente isso. Esse patrimônio precisa ter uma característica específica. Ele deve ser transmitido de geração em geração e ser constantemente recriado pelas comunidades, contribuindo para promover “o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana”. E mais, deve estar alinhado ao desenvolvimento sustentável.
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Para mostrar que o queijo artesanal produzido em Minas Gerais possui tais credenciais, além do processo legal, o evento no Marrocos conta com uma exposição e um workshop sobre os tipos e maneiras de processar os queijos e, claro, estão programadas degustações dos produtos.
A intenção de mostrar o queijo e caminhar para um processo de candidatura à Unesco ganhou musculatura em setembro, durante o Festival do Queijo Artesanal de Minas, realizado na capital Belo Horizonte, quando foi entregue ao ministério do Turismo o documento ‘Modo de fazer do Queijo Minas Artesanal’, com uma carta assinada por João Carlos Leite e Mariana Resende, respectivamente, o presidente e a vice-presidente da Amiqueijo (Associação Mineira dos Produtores de Queijos Artesanais de Minas Gerais), a principal associação que representa o setor, mais o Iepha-MG (Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do estado).
“O Queijo Minas Artesanal passou por um longo processo de legalização, de discussão entre os setores produtivos e as entidades públicas, junto a todas as cadeias do segmento, para chegarmos a esta qualidade mundialmente reconhecida”, disse na ocasião Thales Fernandes, secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais. O processo, depois de iniciado, pode durar dois anos até o reconhecimento formal da Unesco.
De onde vem o Queijo Minas Artesanal
O Queijo Minas Artesanal é fabricado desde o século XVIII e reúne conhecimento passado entre gerações e características muito próprias. Mas o modo de fazer o queijo artesanal somente foi reconhecido legalmente em 2002, pela primeira vez para a região do Serro, quando o Iepha concedeu o registro de patrimônio imaterial no Brasil. No ano de 2008, o “Modo de Fazer do Queijo Minas Artesanal” foi reconhecido nacionalmente pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), contemplando as regiões do Serro, Serra da Canastra e Serra do Salitre/Alto Paranaíba.
De acordo com a lei estadual daquele mesmo ano, é considerado “Queijo Minas Artesanal o queijo confeccionado a partir do leite integral de vaca fresco e cru, retirado e beneficiado na propriedade de origem, que apresente consistência firme, cor e sabor próprios, massa uniforme, isenta de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas”. A principal característica que diferencia o Queijo Minas Artesanal de outros queijos artesanais produzidos no Brasil, e mesmo de outros produtos mineiros, é a adição do chamado “pingo”, fermento natural composto por bactérias láticas endógenas (bactérias originalmente presentes no leite cru com cepas específicas da região) que levam ao produto final características próprias de aroma, sabor, odor e textura do local onde é produzido.
De modo geral, esse tipo de queijo é proveniente de pequenas propriedades. São cerca de 40 mil toneladas por ano, de cerca de 9.000 produtores. São 10 regiões reconhecidas como produtoras de Queijo Minas Artesanal. São elas: Araxá, Campo das Vertentes, Cerrado, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Serra da Canastra, Serra do Ibitipoca, Serra do Salitre, Serro e Triângulo Mineiro. No total, Minas Gerais tem cerca de 30 mil produtores de queijos, contando os demais tipos do produto.
No Brasil há seis reconhecimentos internacionais de patrimônio cultural imaterial concedidos pela Unesco, entre eles a Arte Kusiwa – Pintura Corporal e Arte Gráfica Wajãpi (desde 2003), o Samba de Roda do Recôncavo Baiano (desde 2005), o Frevo (desde 2012), o Círio de Nossa Senhora de Nazaré (desde 2013), a Roda de Capoeira (desde 2014), e o Complexo Cultural do Bumba Meu Boi do Maranhão (desde 2019), de acordo com o Iphan. No mundo, alguns exemplos do mesmo título são a Dança dos Dervixes, na Turquia, o Fado de Portugal, a Gastronomia na França, o Tango na Argentina e Uruguai, o Flamenco na Espanha e o Teatro de Sombras, na China, país com o maior número de títulos da Unesco.