Quando se fala de investimento em startups europeias, as fintech ainda reinam supremas. De acordo com dados da consultoria Dealroom, o setor de tecnologia financeira atraiu um quarto de todo o financiamento europeu (US$ 15,6 bilhões, ou R$ 82,43 bilhões na cotação atual) no primeiro semestre de 2022. O setor de software empresarial não ficou muito atrás, com saúde, energia e transporte completando os cinco primeiros colocados no levantamento.
Mas caso se olhe para o sexto lugar está neste posto um setor de novas empresas que nem sempre recebe a atenção que merece, as startups de alimentos. No primeiro semestre deste ano, as empresas em estágio inicial nessa vertical atraíram US$ 3,1 bilhões (R$ 16,3 bilhões) em financiamento.
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E ainda há muito em que investir. À primeira vista, o setor de alimentos – principalmente na produção – parece muito tradicional, mas não é bem assim. Desde a invenção do arado, em algum passado esquecido, até cultivos genéticos e drones de vigilância, a tecnologia sempre forneceu um meio para os agricultores aumentarem seus rendimentos, enquanto a automação e a tecnologia da cadeia de suprimentos ajudaram a agroindústria a trazer uma gama cada vez maior de produtos para prateleiras dos supermercados, mantendo os custos baixos.
O desafio ambiental
Mas, mesmo com a tecnologia ajudando a resolver diferentes desafios, ainda é amplamente discutido que a produção de alimentos é responsável por quase um terço da pegada de carbono do mundo. De acordo com uma pesquisa recente da Universidade de Illinois, esse valor pode chegar a 37%. Em termos gerais, certas formas de produção estão contribuindo para uma degradação ambiental significativa. E isso faz com que muitos dos desafios cruciais de hoje girem em torno de fornecer, de forma sustentável, alimentos de qualidade a uma população mundial em crescimento.
É por isso que o programa de alimentos do EIT (Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia), da União Europeia, destacou o trabalho de startups de alimentos no período que antecedeu a COP27. “O sistema alimentar deve estar no centro da agenda climática”, diz Andy Zynga, CEO da EIT Food.
Mas, como Zynga aponta, até hoje a alimentação não havia sido discutida com grande profundidade nas cúpulas anteriores da COP. Isso mudou este ano com a criação de um pavilhão de Sistemas Alimentares. No período que antecedeu o evento, a EIT Food usou seu próprio blog e mídia social para divulgar o trabalho de 27 empresas inovadoras que operam na cadeia de valor que vai do campo à mesa. A campanha ocorreu sob a bandeira CROP27 [uma referência à palavra “colheita” em inglês] antes do Dia da Agricultura e Adaptação, realizado no dia 12 de novembro.
Tornando a situação explícita
Zynga fala sobre o pensamento por trás da campanha. “Todo mundo afirma que os alimentos contribuem com cerca de 30% das emissões globais”, diz ele. “Queríamos focar no positivo, não no negativo. Acreditamos que a inovação é a resposta.”
Ao mesmo tempo, a organização quer garantir que a agricultura e a alimentação estejam na agenda. “No passado, o impacto da produção de alimentos era implícito, mas não falado explicitamente”, diz Zynga. “Queremos tornar as questões explícitas.”
Mas o que isso significa na prática? A Well EIT Food é uma organização sem fins lucrativos, financiada pela União Europeia, encarregada de fomentar a inovação. Seus objetivos são ajudar startups e scale ups de alimentos que possam enfrentar os desafios de migrar para o líquido zero, melhorar a nutrição e criar um sistema alimentar justo no qual as pessoas possam confiar.
As empresas escolhidas refletem essa missão. Entre elas estão a Napiferyn Biotech (proteínas à base de plantas), Urban Crop Solutions (cultivo indoor para reduzir emissões), Vaxa (redução de emissões por meio do cultivo de algas) e tecnologias Grawindy Renewable Energy (combinando energia renovável com produção de alimentos).
Fatores de impacto
Todas as 27 empresas da lista já estavam sendo apoiadas pelo EIT Food e foram selecionadas de acordo com sua correspondência com os “Fatores de Impacto” identificados pela organização. Essa é uma boa notícia em termos de conscientização das próprias empresas, mas as pequenas, no início de suas jornadas, também podem fazer a diferença para um problema tão intratável quanto são as mudanças climáticas.
Ajudá-la está no centro da missão do EIT Food. O objetivo é fornecer suporte desde os estágios iniciais do desenvolvimento de uma empresa até que ela deslanche em seu crescimento. Os programas incluem desafios da indústria (onde empreendedores desenvolvem ideias em “foodathons”), uma incubadora, uma aceleradora e uma iniciativa da associação Rising Food Stars, plataforma criada pela EIT para scaleups (segundo a OCDE, empresa com retorno médio anualizado de pelo menos 20% nos últimos 3 anos e que tenha pelo menos 10 funcionários). Os programas conectam empreendedores com parceiros e também investidores. “Até agora, nossas empresas atraíram € 400 milhões (R$ 2,2 bilhões na cotação atual) em investimento externo”, diz Zynga.
Esse é o cenário. No curto prazo, a intenção é usar a COP27 para incentivar mais países a priorizar o investimento em inovação alimentar e, ao mesmo tempo, estimular as empresas de alimentos a criar planos de ação para a sustentabilidade.
Mas existe algum incentivo para grandes produtores trabalharem com startups? A Zynga diz que a resposta é sim, citando a demanda do consumidor por produtos ecologicamente corretos, juntamente com um novo sistema de rotulagem ecológica da UE, projetado para permitir que os indivíduos entendam o impacto dos alimentos que ingerem. Movimentos para endurecer a legislação em torno de créditos e débitos de carbono também podem forçar uma ação. Ou seja, o movimento está aí, mas é um jogo longo em curso.
*Trevor Clawson é colaborador da Forbes EUA e já foi editor de negócios da BBC World