“Somos um coletivo para aumentar, cada vez mais, a contribuição do Brasil em criar um mercado de créditos de carbono de alta integridade”, diz Denise Hills, diretora global de sustentabilidade &Co América Latina da Natura, que neste ano foi uma das vencedoras do prêmio SDG Pioneers Brasil 2022 e SDG Pioneer, uma homenagem do Pacto das Nações Unidas às lideranças de destaque na promoção dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), da ONU.
Denise é uma estrategista em busca de soluções, como a de formatar um mercado de crédito de carbono que leve em consideração a floresta nativa e sua exploração como fonte de renda sustentável a partir de produtos com valor comercial para a agroindústria. Como a de cosméticos baseada em produtos da natureza, da qual ela faz parte. Na Natura, 20% das compras totais de matéria-prima vêm da Amazônia. A estimativa é de que a empresa feche 2022 com uma receita líquida próxima de R$ 38 bilhões.
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A Natura faz parte de um coletivo de empresas e instituições que estão juntas em busca de soluções para estruturar o mercado de carbono voluntário no país, como a Amaggi e Raízen, na lista Forbes Agro100 2022, além de Bayer, Rabobank, Auren, B3, BNDES, entre outras. Segundo estimativa da consultoria norte-americana McKinsey, de setembro deste ano, das “80 principais empresas que atuam no Brasil, 77% já publicaram alguma meta de redução de emissões”.
A denominada “Iniciativa Brasileira para o Mercado Voluntário de Carbono”, está com consulta pública aberta para coletar inputs e feedbacks do público em geral sobre os mecanismos proposto. A consultoria afirma que, considerando apenas os atuais compromissos das empresas mapeadas, a demanda por crédito no mercado de carbono voluntário no Brasil deve chegar a 7 milhões de toneladas de CO2eq em 2030, o que representaria aproximadamente US$ 200 milhões (CO2 eq, de equivalente, significa que se computa outros gases, como o metano).
Mas há um potencial de crescimento que aponta para um mercado de carbono da ordem de US$ 1,5 bilhão a US$ 6 bilhões. “Se a gente falar somente de soluções baseadas na natureza – somando aí os nossos principais desafios em agricultura e floresta – em termos de território amazônico nacional com potencial em receber alinhamento de incentivos, onde ele passaria a receber por esse grande serviço ambiental prestado, estamos falando de um mercado bastante importante para o Brasil. É impossível resolver a crise climática sem a Amazônia”, afirma Denise. “Nossa principal missão é destravar esse potencial, somando vários atores. Onde estão os problemas? Os desafios são muitos e a gente não tem bala de prata.”
Em busca de soluções para o carbono
A estimativa é de que, hoje, o Brasil realize apenas 1% de seu potencial de geração de crédito de carbono, mas pode capturar uma grande fatia do mercado global de geração, justamente das soluções baseadas na natureza. Para Denise, faz sentido as empresas e organismos agirem coletivamente para acelerar e catalisar com mais força esse movimento, seja para gerar conhecimento, tropicalizar métodos ou criar um panorama de crédito que seja efetivo para o Brasil e que possa capturar fundos não só no país, mas no mundo. “Desenvolver um mercado de alta integridade é, na verdade, um dos principais instrumentos para atrair fluxos e constância de fluxos para esse mercado no Brasil”, afirma ela. “Trazer benefícios, como a proteção da biodiversidade e o pagamento por serviços ambientais prestados pelos biomas.”
De acordo com a executiva, o grande desafio é o quanto, hoje, se consegue gerar de alinhamento de incentivos econômicos para o desenvolvimento de uma bioeconomia, por exemplo, de floresta em pé. Inclusive que valorize aspectos sociais das comunidades que fazem essa proteção. No caso da Natura, de proteção de sua própria cadeia de valor. E, principalmente, se opondo a uma economia altamente emissora, baseada no uso de combustíveis fósseis ou que devasta sistemas que equilibram o ecossistema de gases que dá origem a toda a vida. “A gente precisa desenvolver uma economia que seja capaz de gerar desenvolvimento, sem impacto negativo para o próprio sistema. E nisso, créditos e precificação são essenciais”, afirma.
A ideia do grupo de empresas do coletivo, e que tem a Mc Kinsey como catalisadora, é agora, no pós COP27, órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, elaborar uma primeira versão de novos mecanismos para esse mercado e desenhar uma próxima onda de ações. “A ideia é ser uma grande aceleradora, se pudesse dizer que existe nesse contexto uma aceleradora. Talvez uma incubadora mais moderna de algumas experiências de forma mais coletiva e escalável”, explica Denise. “Mas isso é uma maratona, não é uma jornada de meses, é uma maratona que provavelmente vai levar muito mais do que um ano.”
Mas o rumo já está definido, já que o Brasil é um dos maiores potenciais para a originação de soluções climáticas naturais, principalmente pelo tema floresta. No entanto, o Brasil não está sozinho. A Indonésia também é um case de floresta que pode entrar fortemente no mercado voluntário de crédito de carbono. “É interessante como os países que têm uma floresta muito potente, em geral, tem as soluções ligadas com a natureza que nascem de uma evolução da agricultura”, afirma Denise. “As soluções nascem a partir da floresta e o desenvolvimento de agricultura combinada com floresta. E pelo pacto global de conservação florestal, o Brasil é a primeira economia em escala a adotar práticas agrícolas mais sustentáveis.”
Denise reforça que os diversos potenciais para capturar carbono e, portanto, emitir créditos de alto impacto em valor agregado, com um importante custo de escala, a floresta está no centro da roda. Ou seja, entre reflorestamento ou conservação, a salvação pode ser o manejo da floresta. “Se eu manejar a floresta Amazônica em alguns lugares, não transformando ela em agricultura, posso potencializar a geração de renda e somar como pagamento de serviços ambientais na emissão de crédito”, afirma.
Mercado de carbono e os SAFs
Sua teoria vai ao encontro do que vem se tornando senso comum, principalmente entre os produtores rurais, de que o país não precisa de desmatamento ilegal para aumentar suas áreas de agricultura convencional ou regenerativa, já que há cerca de 60 milhões de hectares de áreas de pastagens degradadas e que parte dela pode ser destinada ao plantio de cultivos. E mesmo as áreas que poderiam ser desmatadas dentro da lei, que atualmente são cerca de 90 milhões de hectares – boa parte dentro de propriedades rurais –, poderiam entrar nos projetos de crédito voluntário de carbono.
Para ela, isso faz parte do pacote de desafios. “Uma das idiossincrasias no Brasil é quem preservou mais do que devia, agora paga a conta porque não consegue capturar benefício”, afirma. No caso, por exemplo, de um produtor que poderia desmatar legalmente 20% de sua área, mas desmatou menos que isso. “Na verdade, isso está pela lógica econômica antiga, na qual a floresta em pé vale menos do que deitada. Está aí mais uma razão pela qual se faz necessário o desenvolvimento de vários mecanismos, porque uma fazenda com mais reserva do que a lei manda poderia funcionar como uma câmara de compensação.
Atualmente, para esse tipo de ativo, o Brasil consegue emitir créditos em quantidades muito pequenas. Fazendas assim poderiam prestar um serviço ambiental, que é remunerado, inclusive por ser protegida por lei. “Provavelmente, muitos produtores não necessitariam de crédito de carbono para financiar uma safra, porque há múltiplos mecanismos para isso. Mas, definitivamente, para a floresta, o crédito é um mecanismo importante.”
No caso da Natura, que compra produtos manejados na floresta, a ordem é conservar e restaurar. E claro, procurar valor. Por exemplo, entre os açaizeiros, ao identificar, pelo conhecimento tradicional, uma molécula que pode ter um efeito cosmético, a empresa busca o manejo e desenvolvimento com a comunidade. “Então, eu vou adensar a floresta, criar atividade econômica, potencializando o sistema”, afirma Denise. Um dos exemplos de sistemas agroflorestais manejados é o da CAMTA (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu), no Pará, fundada por imigrantes japoneses, que são originalmente produtores de cacau, hortaliças e arroz, e que expandiram as atividades por meio do manejo da floresta.
Com a Natura, a cooperativa possui sistemas implantados há sete anos e há quatro anos, além da primeira experiência há 10 anos. “Quem decide o que vai fazer com a floresta é a cooperativa”, afirma Denise. “O que fazemos é adiantar recursos, trabalhando em pesquisa de quais as espécies consorciadas poderiam conviver bem, por exemplo, com a palma para a produção de óleo, que é uma das matérias primas que a indústria usa e que está sendo produzida na Amazônia.”
De acordo com os dados do Censo Agropecuário 2017, o mais recente, o Brasil possui cerca de 490 mil estabelecimentos agropecuários nos quais há SAFs (sistemas agroflorestais) ocupando uma área de 13,8 milhões de hectares. Denise diz que nos SAFs, que é o uso combinado de espécies nativas, a demanda da Natura é por produtos como andiroba, açaí, cacau, entre outros, o mercado de crédito de carbono representa um passo importante para o potencial do Brasil de compensar 1,9 gigatoneladas de carbono equivalente por ano, que equivale mais ou menos cerca de 70% das emissões de toda a União Europeia, e a recuperar cerca de 70 milhões de hectares de floresta nativa.
“Os créditos são mecanismos de financiamento para regeneração, restauração, criação de valor econômico para uma economia de floresta em pé”, diz ela. “Temos exemplos de SAFs em terras próximas a florestas que foram devastadas e que, para além da agricultura, elas são uma boa combinação entre uma produção econômica, com a vocação de manter a floresta em pé. Até usando a própria biodiversidade para regeneração”. Tem-se, nesse ambiente, uma economia moderna, com novas tecnologias surgindo também em manejo e uso da terra, para que não haja incompatibilidade entre preservação e desenvolvimento. “A gente precisa alinhar os incentivos e garantir que os mecanismos possam, cada vez mais, levar esse modelo regenerativo como prática normal”, afirma. “A expectativa é que a gente possa gerar cerca de R$ 16 bilhões a 26 bilhões por ano de impacto, no valor agregado da economia, incluindo empregos que são gerados, seja por certificação, por aplicação de tecnologia, educação de locais, entre outros.”