Milhares de abelhas saem de um aglomerado de caixas de madeira e voam para um vasto bosque de amendoeiras repletas de flores brancas. É a primavera perfumada no Vale Central da Califórnia, e as abelhas estão prestes a polinizar uma das principais culturas comerciais do país. A colônia de abelhas e o pomar pertencem aos fazendeiros mais ricos da América do Norte, os bilionários Stewart e Lynda Resnick. Eles administram a gigante agrícola Wonderful Co., com US$ 5 bilhões (R$ 25 bilhões na cotação atual) em vendas anuais de produtos como Halos, Fiji Water, Pom Wonderful e limões sem sementes. As cerca de 80.000 colmeias da Wonderful, com cerca de 4,5 bilhões de abelhas, fazem do casal um dos maiores apicultores dos EUA.
Existem apenas cerca de cinco empresas que controlam a maioria das colônias no país, sendo as abelhas da Wonderful responsáveis pela polinização de cerca de um terço da comida que os norte-americanos comem todos os anos, de maçãs e cebolas a morangos e cenouras. Até os produtores de carne bovina precisam de abelhas, pois as colônias polinizam ingredientes alimentares como sementes de alfafa e soja. A demanda por abelhas é tão alta – com a oferta sofrendo com a mortalidade anual – que a Wonderful aluga seus polinizadores para fazendeiros tão distantes quanto o Maine, a cerca de 6.000 quilômetros.
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“Os polinizadores são essenciais para o suprimento de alimentos”, diz Rob Yracburu, chefe da operação de apicultura da Wonderful e diretor da empresa agrícola, à Forbes. “Eles são cruciais para garantir o suprimento de frutas e nozes das quais todos nós dependemos.”
Os Resnicks construíram um império agrícola. Eles sabem que as colheitas sem abelhas não são grandiosas. Uma grande variedade de plantas alimentícias não cresce bem sem elas. Nozes e frutas são menores e menos flores brotam. Antes de possuírem suas próprias abelhas, os Resnicks traziam até 75 empresas apícolas diferentes todos os anos apenas para polinizar seus pomares de amêndoas. Mas o pesadelo logístico tinha que acabar. Então, em 2015, a Wonderful adquiriu quatro pequenas empresas de apicultura e criou seus próprios estoques a partir dessa fundação.
Como a Wonderful preserva as abelhas
Desde então, a Wonderful conseguiu evitar as armadilhas que muitos de seus concorrentes enfrentam. No ano passado, cerca de 40% das abelhas manejadas do país morreram, a maior perda anual em 11 anos, de acordo com o projeto Bee Informed, da Universidade de Maryland. A Wonderful, por outro lado, diz que sua população de abelhas vem crescendo organicamente a uma taxa anual de 13% – a empresa não compra nenhuma população nova há cinco anos – e o número de colmeias polinizadoras aumentou de 45.000 em 2021 para 60.000 no ano passado. Existem cerca de 60.000 abelhas em cada colmeia.
“Estamos tendo menos mortes porque estamos cuidando delas”, diz Yracburu. “Todo o nosso crescimento ocorreu porque nos concentramos na saúde das abelhas e em movê-las para onde há vegetação.”
Depois que as abelhas da Wonderful polinizam as amendoeiras, no início da primavera, elas pegam a estrada em caminhões climatizados para espalhar o pólen em diferentes fazendas do país. Equipes de dois motoristas normalmente se revezam ao volante, parando apenas para combustível e comida. As colmeias são cobertas com redes para que as abelhas não fujam durante o trajeto. No início da primavera, eles vão para o Maine, para as lavouras mirtilos, depois para Massachusetts, para as de cranberries em junho. As abelhas são deslocadas para o Texas, Mississippi, Flórida, para dividir as colmeias e aumentar a contagem geral, enquanto produzem mel.
Em seguida, as abelhas vão para Dakota do Norte e do Sul e Minnesota em busca de trevo, flores silvestres e canola para obter mel. Elas vão para o setor de armazenamento em Idaho, antes de voltar para casa na Califórnia.
“Tornou-se um negócio real”, diz Yracburu. Uma operação lucrativa, segundo a Wonderful, que não divulga números específicos. A polinização não sai barata. A taxa atual para amêndoas é de no mínimo US$ 1.000 por hectare (R$ 5.000), de acordo com especialistas.
A tensão entre a queda da oferta de abelhas e a crescente demanda tem aumentado os preços de alimentos, como as frutas vermelhas, diz Barbara Bar-Imhoof, do Centro de Pesquisa Integrativa de Abelhas da Universidade da Califórnia, em Riverside. “A polinização precisa ser contabilizada nos preços dos produtos”, diz ela. “Se pudermos manter a polinização garantida e manter as abelhas saudáveis, isso ajudará os principais preços a permanecerem dentro de um quadro razoável. É o que esperamos.”
A apicultura pode ser um negócio complicado. Grupos menores, com menos de 1.000 colmeias, tendem a ser de propriedade familiar e podem ter dificuldade em fornecer os recursos, capital e apoio logístico de que precisam para cultivar seus polinizadores.
Essa é uma das razões pelas quais a indústria é tão pesada. Noventa e cinco por cento dos apicultores gerenciam menos de 7% das abelhas do país, de acordo com a pesquisa anual da Bee Informed. Visto de outra forma, 2% dos apicultores gerenciam 88% das 2,3 milhões de colmeias nos EUA.
Produtores buscam saídas para preservar abelhas
A concentração deixa o setor vulnerável. A Adee Honey Farms, de propriedade familiar, com sede em Dakota do Sul, um dos maiores apicultores dos EUA, teve que se reconstruir após um colapso brutal. Em 2007, 90% das colmeias de Adee morreram. Agora, o objetivo é manter as mortes anuais de abelhas abaixo de 18% do total das colônias. Isso é um choque, em comparação com as expectativas anteriores, de acordo com Bret Adee, cujo avô Richard fundou a empresa em 1957. “Se eu tivesse perdas acima de 5% no inverno, ficaria chateado”, disse Adee à Forbes. “Apenas e somente chateado. Agora? Uau.”
Em 1990, Adee queria criar um nicho como parte dos negócios da família. Então, aos 29 anos, ele transportou algumas colméias para a Califórnia, onde a polinização rapidamente se tornou uma parte altamente lucrativa da Adee Honey Farms. A polinização de amêndoas na propriedade, todos os anos, representa cerca de dois terços da receita anual da empresa e a base de seus lucros. Como o próprio nome diz, a fazenda ainda vende mel, um produto de margem particularmente baixa e que pode ser afetado por fraudes caso falsificações baratas inundam o mercado
“É como grande parte da agricultura nos EUA”, diz Adee. “As margens são tão apertadas que tudo precisa ter escala.”
A Wonderful tem escala em tudo o que faz – por exemplo, é uma das maiores proprietárias em infraestrutura de água no país – e é conhecida por desenvolver marcas de consumo ousadas. Mas, até agora, não há Wonderful Honey nas prateleiras dos supermercados. De acordo com Yracburu, a Wonderful vende os doces no atacado para corretores que os engarrafam sob outros rótulos. A empresa também está avaliando todos os tipos de produtos comerciais relacionados às abelhas, como própolis rica em antioxidantes ou cera de abelha.
As mortes são sempre uma preocupação. Pesticidas e outros produtos químicos agrícolas, parasitas, novas doenças e um planeta em aquecimento continuam prejudicando a população de abelhas nos EUA. É uma vulnerabilidade que tem repercussões de longo alcance. Das 100 principais culturas de floração que são comestíveis, 80 são polinizadas por abelhas. E não restam muitos polinizadores selvagens e nativos. As abelhas que sobrevivem são cada vez mais propriedade de corporações.
Muitas delas são descendentes de abelhas européias que chegaram pela primeira vez à colônia de Jamestown, na Virgínia, em 1622. Os britânicos as usaram para polinizar frutas e vegetais que trouxeram com eles. As culturas mais produtivas cultivadas pelos nativos americanos, como milho e tomate, não precisavam de abelhas europeias. Mas essas não eram as colheitas que os fazendeiros britânicos cultivavam e propagavam, e hoje é por isso que as abelhas européias são tão cruciais para o suprimento de alimentos da América do Norte.
Grandes operações, como a Wonderful, são capazes de tratar bem as abelhas. Os Resnicks e outros grandes apicultores tentam prevenir doenças durante seu ciclo de vida, mantendo as abelhas em temperaturas frescas. Durante três meses a cada inverno, os insetos são alojados em armazéns com temperatura controlada, o que prolonga seu ciclo de vida. Durante o verão, após o trabalho de polinização, muitas das abelhas do país ficam nas pradarias do norte porque há vastas fazendas com flores silvestres e também porque há a menor quantidade de pesticidas e herbicidas agrícolas.
A seca recente, no entanto, prejudicou os apicultores que dependem das pastagens viçosas. “Todo mundo está queimando capital, principalmente”, diz Adee. “Quase 90%, talvez mais, da indústria provavelmente queimou patrimônio pessoal, seja poupança ou mel que foi vendido em sua conta de poupança.”
Mesmo com as vantagens conferidas pelo tamanho, os apicultores maiores não têm tido uma vida fácil. Cerca de 15 anos atrás, após uma onda de fusões e aquisições, muitas das novas operações fracassaram.
Roger Starks, um consultor de seguros da filial de Marsh McLennan, em Sioux Falls, Dakota do Sul, que acabou de se aposentar após 51 anos no ramo, diz que observou grandes empresas comprarem operações familiares e desestruturá-las por completo, apenas para vendê-las de volta às mesmas pessoas alguns anos depois, por menos de 25% do que pagaram. Starks diz que as empresas faliram porque os proprietários não adotaram uma abordagem prática. “A agricultura é realmente um modo de vida”, disse Starks à Forbes. “Esse acordo de integração vertical funciona muito bem – se você souber o que está fazendo.”