O indiano Deepanker Khosla, chamado de “DK”, é chefe de um restaurante pioneiro na Tailândia, o Haōma, que tem uma fazenda regenerativa em Bangkok, capital do país, onde recebeu a equipe da Forbes para um café da manhã. Os ovos ainda estavam quentes quando foram recolhidos nos ninhos das galinhas, e foram preparados em água fervente. O frescor do ovo, a gema laranja vibrante e o cenário bucólico do campo fazem parte do clima local.
“Fazenda regenerativa em Bangkok” é algo difícil de imaginar nos dias atuais. Mas o fato é que na metrópole bastante poluída – para não mencionar barulhenta e caótica – é possível encontrar um chefe de cozinha cultivando árvores frutíferas e criando animais felizes e saudáveis em seu perímetro urbano.
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Melhor ainda, DK cultiva ervas e vegetais nas próprias terras de Haōma. O restaurante, que fica no centro de Bangkok, no cruzamento das duas principais linhas ferroviárias, ocupa alguns dos imóveis mais valiosos da cidade e é um exemplo do potencial do agroturismo. O normal, nesses casos, seria aproveitar ao máximo o espaço, tantas mesas quanto possível, nas áreas interna e externa do estabelecimento. No entanto, DK resolveu abrir mão de 60 lugares para abrigar uma fazenda urbana com hortas elevadas e viveiros de peixes em que a água do tanque é reposta pela chuva, além de um centro educacional no qual os hóspedes iniciam sua jornada nesse espaço.
Restaurante tem metas de sustentabilidade e desperdício zero
Esses diferenciais fazem parte do compromisso do restaurante com a sustentabilidade e que pode servir de exemplo para projetos em vários outros países. A palavra Haōma se refere a uma planta divina no Zoroastrismo, uma religião também conhecida como Madaísmo e que tem princípios de dualidade entre o bem e o mal.
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O restaurante é o primeiro a trabalhar com desperdício zero em uma área urbana na Tailândia. DK está convencido de que não é tarde demais para restaurar o ecossistema, a alimentação e a comunidade. Ele está tão preocupado com a qualidade de vida dos seus trabalhadores – que assim como ele são imigrantes na Tailândia –, quanto com a saúde e a composição do solo.
Se preocupar com a comunidade é um aprendizado que ele trouxe da infância. Nascido e criado em Allahabad, no nordeste da Índia, agora conhecida como Prayagraj, essa foi a primeira cidade indiana a eliminar o plástico, em 1995, época em que chefe não tinha nem idade suficiente para começar a estudar. Filho de produtor rural, seus pais sempre foram empenhados em reaproveitar e reciclar, usando sacos feitos de lençóis velhos para recolher os tomates, coentros, pepinos e pimentões que eles próprios cultivavam. Refletindo o que aprendeu, hoje, DK faz questão de cozinhar com um avental feito de uma toalha de mesa velha.
Ele aprofundou seu compromisso em 2016, quando, aos 25 anos dirigiu um food truck indo-mexicano por toda a Tailândia. Certa vez, quando esse veículo quebrou, ele teve que esperar semanas para consertá-lo. Enquanto esperava em Chiang Rai, cidade no norte da Tailândia, conheceu vários agricultores e um deles o inspirou a cultivar a agricultura com amor e da maneira que achava correta.
DK diz que esse agricultor, com o qual conviveu durante um período, não estava trabalhando de forma sustentável porque está na moda, mas porque queria que seus filhos herdassem uma fazenda produtiva. Em uma entrevista, DK disse a um repórter do site 50 melhores restaurantes do mundo: “As pessoas daquela fazenda entenderam perfeitamente os princípios com os quais eu queria trabalhar”.
Agora, em entrevista à Forbes, DK diz: “Eu realmente não me importo em salvar o planeta. Eu quero salvar meu filho, minha esposa e as 40 ou 50 pessoas que trabalham para mim. Além disso, minha comida fica melhor sendo preparada dessa forma”.
Contudo, mesmo não sendo a intenção de DK, é claro que as decisões que toma têm impacto no planeta e servem de inspiração para outros chefes e donos de restaurantes. Na verdade, ele é muito generoso em compartilhar seu conhecimento. E por isso não é de admirar que além da estrela Michelin regular que Haōma ganhou em 2022, o restaurante conquistou a única estrela verde Michelin em Bangkok e também a única estrela verde conquistada por um restaurante de culinária indiana. A estrela verde do guia francês premia o compromisso com a sustentabilidade ambiental. Em 2021, DK recebeu outro prêmio, o de Campeões da Mudança dos 50 Melhores Restaurantes do Mundo, que destacou o seu compromisso com a sustentabilidade e o seu trabalho em ajudar “comunidades de moradores de rua e pessoas com fome” e ainda migrantes desempregados durante a pandemia.
Mas o fato é que, embora essas atitudes sejam louváveis e inspiradoras, as pessoas não se alimentam de sustentabilidade. “O resultado não é um amuse-bouche (um aperitivo de tamanho pequeno para uma única mordida). Sou um grande defensor da sustentabilidade, mas as pessoas não visitam Haōma por causa dessa filosofia, eles vêm porque a comida é criativa, complexa e deliciosa, e porque a experiência de poder jantar no jardim é simplesmente saborosa”, afirma DK.
Experiências inesquecíveis são justamente o outro compromisso do chefe. DK faz questão de oferecer refeições requintadas, memoráveis e inventivas – algo para o qual não via muito mercado na Índia, onde, segundo ele, o que mais pesa para os clientes, na grande maioria, é a quantidade de alimento no prato e não a qualidade. Por isso, queria fazer mais. “Gostaria de ser chefe em todas as minhas sete vidas, para poder me expressar e ver a reação das pessoas. Porque meu menu tem 22 opções e elas nunca mudam.” Vale registrar que as expressões são de encantamento ao se observar os clientes do restaurante.
DK chama sua culinária de neo indiana – “comida indiana preparada por um indiano que nasceu na Índia e saiu pelo mundo”. E continua: “A nossa cultura e nosso patrimônio são muito ricos. Não quero simplesmente raspar uma trufa nos meus pratos para ficar chique, quero deixá-los originais”.
Para seduzir os clientes, ele conduz os hóspedes em uma viagem gastronômica pela Índia, de leste a oeste, da terra ao mar, ou somente da horta para os vegetais, que são igualmente bem preparados. Todos os ingredientes e produtos utilizados no menu são tailandeses, muitos deles cultivados ali no local, com vista da janela do restaurante, ou numa fazenda em outra parte da cidade.
Cada prato é complexo, mas sem ser excessivamente complicado, embora talvez seja preciso um manual para compreender tantos sabores em cada prato. O cardápio atual começa com pani puri (bolinhos recheados com vegetais), vada pav (bolinhos de batata e pães), dahi kebab (espetinhos com coalhada indiana e farinha de grão-de-bico) e panna de manga crua (uma bebida refrescante). Tudo isso faz parte de um único prato. O próximo inclui xacuti de lula (lula ao curry ao estilo de Goa – estado indiano), ouriço do mar local e molly curry (ensopado de peixe ao estilo de Querala – outro estado indiano).
Depois, é servido mais um prato chamado de Go Madras com caranguejo (caranguejo com curry do sul da Índia e arroz branco), com opção de alcachofras para os vegetarianos. O cardápio tem mais de 100 ingredientes. DK está orgulhoso do menu que criou, mas está ainda mais satisfeito com a forma como ele foi elaborado. Ao mesmo tempo que está preparando refeições que considera saudáveis, e que são vendidas a preços baixos no 7-Elevens de Bangkok, está também criando uma cozinha permanente para servir os necessitados. Jantar no Haōma é certamente um privilégio, mas DK quer mostrar que a boa comida não precisa ser somente para os privilegiados.
*Ann Abel é colaboradora da Forbes EUA. Também já escreveu para Departures, Conde Nast Traveller, Robb Report, Afar, National Geographic Traveller, Islands, Hemispheres, Brides, Modern Bride, Luxury SpaFinder, Well + Bom e outras publicações. (tradução: Flávia Macedo)