Talita Cury Robusti é uma advogada de 39 anos. Reconhecida no setor do agronegócio como uma nova liderança do movimento de mulheres, ela tem sido requisitada com frequência para compor mesas em eventos, dar palestras ou depoimentos sobre a sua trajetória. No congresso de direito aplicado ao agronegócio, em Ribeirão Preto (SP), Talita falou justamente sobre esse movimento das mulheres; no CNMA (Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio), em São Paulo, o Damas do Agro Família Santa Clara, em 2023 foi o primeiro grupo formado por uma agroindústria a participar do evento, um movimento que lidera no Grupo Santa Clara, do qual ela é a segunda geração no comando dos negócios.
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Mas nem sempre foi assim. “Não acreditava ser uma mulher do agro”, diz, hoje, a conselheira da empresa familiar de insumos, nutrição de plantas, também com sede em Ribeirão, e unidades industriais em Jaboticabal, município a cerca de 60 quilômetros. No ano passado, o grupo abriu uma nova frente de negócios, com a produção de bioinsumos e espera faturar R$ 1 bilhão, por ano, em 2030, com um participação forte vindo dos biodefensivos.
Foi em 2021 que Talita assumiu uma cadeira no conselho de administração do Grupo Santa Clara junto com profissionais contratados no mercado. Fundado pelos pais em 1997, o grupo é composto pelas empresas Santa Clara Agrociência, Hydromol, Linax e Inflora. Ela é a única mulher nessa mesa de decisões importantes para o futuro dos negócios, respondendo também pelas relações institucionais. Dos três irmãos, João Pedro assumiu o operacional – ele é o CEO – e a irmã Luiza é a gestora de projetos com foco na expansão da empresa. O grupo atua nas culturas de soja, milho, algodão, pastagem, citrus, cana-de-açúcar, café, hortifruti, tomate, feijão, trigo e batata.
Embora em uma empresa de capital fechado, como conselheira, Talita ainda é um raro exemplo de um cenário que aos poucos começa a mudar também no agro. Um levantamento do IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa), do final de 2023, com empresas de capital aberto do Brasil, mostra que apenas 15,2% das cadeiras em conselhos de administração, fiscais e diretorias são ocupadas por mulheres.
Mas já foi pior. Em 2022, os dados da pesquisa do IBGC mostraram que elas eram 14,3%. Para especialistas do setor de governança, esse é um movimento sem volta, porque os números mostram que as companhias com mulheres nos conselhos tomam decisões mais seguras, de qualidade superior e mais diversas, levando a melhores resultados financeiros. Isso não ocorre por acaso, porque as mulheres estão chegando a esses conselhos muito bem preparadas.
Nos conselhos e muito bem preparadas
No caso de Talita, além do direito, ela foi se especializar em finanças no Insper, mais ESG, compliance e sucessão familiar no IBGC, além de MBA em gestão empresarial na Fundação Getúlio Vargas. “Tenho certeza que vamos alcançar nossas metas”, diz ela. “Eu acredito que quando, nós, mulheres, temos as mesmas oportunidades na empresa, podemos expressar algo que nos é característico, que é a feminilidade e, a partir disso, temos decisões mais humanas, o que contribui no sucesso de qualquer negócio.” Talita também faz parte do FMA (Forbes Mulher Agro), grupo de mulheres executivas criado pela Forbes Brasil no ano passado.
Não por acaso, ela prontamente assumiu com o grupo de governança uma tarefa que nas empresas familiares geralmente é o resultado de um processo longo e nem sempre fácil: como abrir portas para o futuro sem desintegrar o núcleo familiar. “Dentro da função de conselheira de administração coube a mim liderar a estruturação da governança corporativa e toda parte de sucessão familiar, dos acordos formalizados aos protocolos dos acionistas e até a estruturação para a próxima geração, a terceira que assumirá a empresa”, diz ela.
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No conselho, Talita conta que tem hoje um conjunto de tarefas extensas, se estendendo aos comitês formados. “Estou nos comitês estratégico e de risco, e de crédito e cobrança pela minha especialidade em gestão de riscos e compliance. Além de, no momento, estar na estruturação de toda a pasta ESG também.”
Mas, até chegar nesse ponto, Talita atravessou um longo caminho de autoconhecimento. Ela começou a trabalhar no escritório de uma agroindústria aos 25 anos, em 2009, como assistente administrativa, além da convivência no setor desde a adolescência por causa da atividade dos pais. “Eu nunca me visualizei como uma mulher do agro porque trabalhava no escritório”, diz ela.
O fato é que nesta época, para Talita, “mulher do agro” era um título que cabia exclusivamente àquelas que exerciam atividades dentro da porteira, como agrônomas, zootecnistas, pecuaristas ou agricultoras. “Os grupos que existiam, até então, eram compostos por mulheres que atuavam no campo, mas aí comecei a me questionar se precisava ser assim”.
Com esse tipo de inquietude, as mudanças vieram por tomada de posições como dona do negócio, ou seja, de quem tem o poder de imprimir velocidade aos processos e, nos últimos anos, as mulheres também começaram a assumir mais posições no grupo. “Pedi para o RH considerar a qualificação técnica, mas que características pessoais como idade, gênero ou se tem filhos não deveriam pesar nas escolhas, e isso fez toda a diferença”, afirma Talita. Ela conta que nessa busca encontrou pesquisadoras que atualmente estão na linha de frente do desenvolvimento de produtos biológicos da empresa.
O grupo Santa Clara está investindo R$ 100 milhões nas estruturas para esse tipo de produto, que conta com uma nova fábrica, juntamente com a melhoria das unidades de químicos. Outros R$ 65 milhões serão destinados à implantação do setor de P&D (pesquisa e desenvolvimento) que terá um centro de pesquisa e inovação, além de uma vitrine tecnológica para bioinseticidas, bioherbicidas e biofungicidas. A empresa começou com 10 microorganismos próprios registrados e sete produtos prontos para uso. O mercado de bioinsumos no Brasil é estimado em cerca de R$ 3 bilhões anuais, de acordo com a CropLife, entidade do setor.
Como fazer comunicação não violenta
Juntamente com os novos ares trazidos pelas mudanças, Talita diz que se descobriu como uma mulher comunicadora. Ela conta que entre uma reunião de trabalho e outra foi percebendo que tinha facilidade para gerir reuniões, transmitir ideias e projetos e traduzir necessidades da empresa. Foi por isso que, aos poucos, as funções do departamento jurídico deram espaço para outras habilidades que a levaram a se tornar uma conselheira diferente.
“Hoje, eu falo que sou muito mais uma comunicadora do que qualquer outra coisa. E acho importante executar esse papel dentro e fora da empresa, porque o agronegócio brasileiro precisa melhorar a sua imagem”, diz ela. “E acredito, verdadeiramente, que não é com agressividade que vamos conseguir mudar isso. A conversão só vai acontecer com muita conversa e se inserirmos esse assunto na educação de base.” Pode não parecer, mas o que Talita fala tem base nas ciências sociais. CNV (sigla para Comunicação Não-Violenta) é um movimento que nasceu há cerca de duas décadas e tem como pilares a consciência (o autoconhecimento), a linguagem e a influência como instrumentos de transformação.
Além das Damas do Agro, o grupo de mulheres na empresa, Talita hoje também lidera dois outros projetos nesse sentido. O “Crianças no Agro”, criado em 2023, a partir de uma experiência com o próprio filho Benício, de nove anos, e que se destina a levar informações sobre o agronegócio às escolas locais onde a empresa atua. Em Jaboticabal e Ribeirão Preto, o projeto promoveu encontros com cerca de três mil alunos do ensino público municipal e para 2024 a meta expandir as ações. O outro projeto é o Universidade Santa Clara, para descobrir e lapidar talentos para os negócios da empresa, o que dá segurança da perenidade dos negócios.