A tokenização de ativos reais é uma tendência cada vez mais popular. A possibilidade de trazer bens e serviços para o blockchain, seja para obter financiamento ou para comercializá-los em qualquer lugar do mundo, é um processo atraente para todos os setores de produção. No entanto, o maior desafio é criar uma plataforma e um modelo de negócios em que esses ativos tokenizados possam ser vendidos e, assim, gerar valor.
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Foi exatamente esse problema que levou os irmãos argentinos Pablo e Nicolás Solano a se aventurarem na tecnologia blockchain. “Em uma viagem a Mendoza, descobri muitas vinícolas boutique que eu não conhecia e onde há muitas pessoas trabalhando duro para fazê-las crescer. Isso me fez pensar em como eu poderia aproximá-las dos consumidores finais e das pessoas que gostam de vinho”, disse Pablo Solano à Forbes. E acrescenta: “Quando voltei a Buenos Aires, conversei com Nicolás e começamos a pensar em soluções, mas não queríamos usar as tecnologias comuns e, por isso, optamos pelo blockchain”.
Os irmãos Solano passaram por vários desenvolvedores que não conseguiram alcançar o que eles estavam procurando. Mas, ao longo dessa busca, conheceram Rodolfo e Paula Vigliano, fundadores da Pala Blockchain, e foi nesse momento que o Matic Market começou a surgir, uma loja WEB3, apresentada ao mercado em 2023, onde é possível comprar e vender produtos exclusivos que são tokenizados no formato NFT (sigla para “token não fungível”, que significa algo único e insubstituível).
As vantagens do Matic Market para o setor de vinhos
“Depois de muitas conversas, chegamos à conclusão de que o melhor sistema não é que as vinícolas, por exemplo, se tiverem 10 vinhos, os garimpem e tenham esse estoque na plataforma. Porque isso deixa o estoque parado e é um problema”, afirma Paula Vigliano. “O diferencial desse projeto é que a vinícola coloca e oferece os produtos no marketplace da Matic Market, e eles são ‘minerados’ quando comprados. Isso é uma vantagem para a vinícola, porque ela tem um novo canal de venda e distribuição sem ter que atrelar sua produção a ele.”
Paula também afirma que “outra coisa importante é que, em qualquer mercado hoje, quando se reivindica o ativo físico, a NFT é enviada e o ativo físico é devolvido a essa pessoa. Mas nós usamos uma nova tecnologia chamada ‘NFT dinâmica’ que, quando alguém a resgata, não a perde, mas ela permanece com o usuário como um certificado de que aquela garrafa foi comprada e pode mostrá-la em sua carteira digital”. E acrescenta: “Isso agrega valor à vinícola, porque os próprios usuários falam sobre seus produtos e ampliam a base de usuários”.
Pablo Solano diz que outra vantagem do sistema que criaram é a possibilidade de comprar safras no futuro. “A vinícola se capitaliza dessa forma, porque faz uma pré-venda e, ao mesmo tempo, o comprador gera outro tipo de vínculo e comunicação com a vinícola. Mas o comprador também ganha poder de revenda porque tem o NFT de que, uma vez que o vinho tenha sido produzido, a garrafa pode ganhar valor e ser revendida em um mercado secundário”, afirma ele.
De acordo com Paula, vale registrar que esta primeira versão do Matic Market é Web3, portanto, o usuário precisa ter uma carteira Web3, como a MetaMask, por exemplo, para ser conectado e ter o NFT. “Mas temos a visão de que alguém que compra vinhos na Web2 poderá fazê-lo na Web3 de maneira simples. Vamos lançá-la no final de janeiro (a entrevista foi concedida à Forbes em meados do mês passado) e o ponto positivo é que a custódia da NFT será feita pela própria plataforma. A partir daí, será possível resgatar, vender, doar etc. Portanto, sem a necessidade de ter uma carteira de criptomoedas, eles terão uma experiência com criptomoedas”, diz ela.
Os irmãos Solano destacam, também, que esse sistema conecta diretamente os produtores aos usuários. “Criamos uma ponte para conectá-los, sem ter tantos participantes no meio. Isso é benéfico para o usuário, pois muitas vezes ele não tem acesso aos vinhos porque as garrafas se tornam mais caras à medida que passam de um link para outro. Mas, dessa forma é direto, não há custos associados e, além disso, dá às vinícolas têm mais potencial para comercializar seus produtos tanto na Argentina quanto em outras partes do mundo”, diz Pablo.
A visão dos produtores de vinho
Um dos primeiros produtores de vinho a participar do projeto foi uruguaio Manuel Filgueira, agrônomo e proprietário de uma vinícola familiar chamada Los Nadies, nas proximidades de Montevideo que produz vinhos para restaurantes com estrelas Michelin em Tóquio e que servem carnes e massas. “São vinhos gastronômicos de longa maturação e, depois de abertos, mudam com o passar dos minutos na taça. Nós os fazemos como eram feitos lá em 1860, mas com conhecimento moderno. O que uma vinícola comum vende em quatro dias, nós vendemos em um ano”, conta Filgueira. E continua: “Quando nos abordaram com essa ideia da plataforma, achamos espetacular. Assim como o Airbnb revolucionou o mercado hoteleiro, acho que isso vai revolucionar o mercado de vinhos. Há enormes desafios pela frente, mas estamos felizes porque isso não apenas conecta o produtor de vinho com o consumidor final, mas também gera melhores operações”.
Outro caso é o da consultora argentina Dolores Lavaque, fundadora da STG, com décadas de experiência no setor e que vem de uma família de produtores de vinho. “Na Europa, as vendas antecipadas são amplamente utilizadas. Na França, por exemplo, é muito comum comercializar produtos em premierships. Isso faz com que o vinho na adega ganhe valor com o tempo, porque ele melhora. Não são todos, mas os que são vendidos dessa forma terão essa vantagem”, diz ela.
“A vinícola com uma adega mais cuidadosa e padrões corretos ganhará valor e a revenda se tornará mais atraente. Portanto, pode-se pensar nisso como um investimento. É possível até mesmo formar coleções verticais com vinhos de diferentes safras e, por fim, degustar toda uma vertical certificada. É uma grande vantagem poder criar coleções, fazer curadoria e ganhar valor dessa forma. O segredo é que o mercado se movimenta sem movimentar o produto físico”, acrescenta Dolores.
O sistema criado também impacta positivamente a logística. “Há algumas vinícolas que têm seus próprios canais de distribuição e podem se beneficiar deles. Mas há outras, em geral as menores, que não têm essa capacidade. Mas oferecemos a elas a possibilidade de armazenamento em determinados pontos. A ideia é que o usuário nunca leve mais de 48 horas para receber o produto”, afirmam os criadores do Matic Market.
Do lado dos produtores, Filgueira ressalta que as margens de lucro de uma bodega são atualmente muito pequenas. “Se tiramos as porcentagens dos cartões ou dos bancos, muitas vezes vendemos apenas para empatar. Mas o blockchain evita isso e tem vantagens como a transparência e o fato de ser uma tecnologia que todo mundo conhece hoje”, diz ele. Mas ele coloca alguns desafios a serem superados nessa jornada. “O primeiro é que não há uma compra gigante de vinhos e eles não são retirados no local de produção. E hoje, enviar vinho de um país para outro, é complicado e caro. Mas isso será resolvido quando os compradores perceberem as vantagens de tudo que está sendo construído”, diz ele. “O segundo desafio é o medo. Tenho conversado com alguns produtores de vinho e eles estão com medo. Mas quando mostrarmos que isso funciona, se juntarão a nós. Porque todos eles têm o mesmo problema.”
Até meados de janeiro, 205 transações já haviam sido realizadas por meio do Matic Market. Os produtos vêm de cerca de 20 vinícolas. “O primeiro passo foi o vinho, mas agora os produtores de cerveja e azeite de oliva também estão participando, e estamos até conversando com produtores de charutos. E tudo isso porque estão entrando em contato e recomendando uns aos outros”, dizem os criadores do projeto.
*Reportagem publicada originalmente na Forbes Uruguai.(tradução: ForbesAgro)