O produtor Cláudio Nakamura, 60 anos, acredita que vai colher 2,5 mil sacas de café de 60 quilos de sua lavoura em José Gonçalves (MG), município à beira do rio Jequitinhonha na Chapada de Minas, e que fica quase em linha reta para o norte, a 500 km de Belo Horizonte. A safra 2024/25 começou a ser colhida em maio. “Seu” Nakamura, conhecido em sua região pela qualidade do grão que produz, tem 54 hectares das variedades de cafés arábica catuí vermelho e amarelo, mais seis hectares de grão arara plantados recentemente.
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O produtor aposta que até 40% da colheita desta safra possa alcançar a classificação de café especial, uma tarefa nada fácil, mas que pode lhe trazer uma renda extra nada desprezível. Por isso, no final da semana passado, ele e o filho Eder, 35 anos e engenheiro ambiental, percorreram 800 km até Varginha, no Sul do estado, para conhecer o Centro Rituais de Cafés Especiais 85+, inaugurado na sexta-feira (24). A iniciativa é do grupo Três Corações, uma das principais companhias do setor no país.
“Ter um centro em que o produtor possa fazer um laudo do café é uma coisa maravilhosa. Com o centro, podemos conhecer cada vez mais a parte sensorial do nosso café, trabalhando sempre para fornecer o melhor produto”, diz Eder. Para ele, uma das dificuldades até agora é a sua propriedade não conseguir pontuar bem o grão, embora seja um produto já diferenciado.
“Poder trazer o café para um centro como do 3corações vai nos ajudar demais”, afirma Eder. Cafés são classificados, segundo uma metodologia, por pontos: quanto mais pontos, mais vale o café e mais mercado premium ele consegue acessar. Pelo protocolo da BSCS (Associação Brasileira de Cafés Especiais, na sigla em inglês), em uma metodologia com pontuação de 0 a 100, os grãos especiais são aqueles acima de 80 pontos.
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“Seu” Nakamura, que vem conseguindo mais de 80 pontos nos cafés, mas ainda vê dificuldades na avaliação dos lotes, começou a selecionar sua produção em busca do grão especial em 2020, quando tomou a decisão de manejar o café de forma refinada não apenas na colheita, mas depois dela. O produtor, que se tornou uma espécie de caçador de grãos especiais na sua lavoura, conta que deixou de usar o secador e passou a manejar o grão no terreiro. Também começou a fazer a fermentação em tonéis, uma técnica que garante maior qualidade.
A fermentação do café é crucial porque ela retira a camada viscosa do grão, garantindo suas características sensoriais. “Agora, temos uma secagem mais tranquila e demorada. E o café fica melhor”, diz ele. “Nossa parceria com a Três Corações já vem há alguns anos. Mas desde que comecei a fazer a fermentação, eles têm adquirido o nosso café e a cada ano aumentando mais. Espero continuar.”
Em busca do grão perfeito
O mercado dos especiais é um mundo à parte, onde a valorização do produtor faz mover a roda. Para a Três Corações, quanto mais Nakamuras no campo, mais rapidamente a empresa fará de seu plano uma realidade. “O crescimento dos cafés especiais no mundo foi uma coisa grandiosa. Até 20 anos atrás não existia. Hoje, você vê café especial no mundo todo”, diz o CEO da companhia, Pedro Lima, potiguar de São Miguel (RN), 68 anos e filho do fundador da 3corações, em 1959, e que hoje é uma joint venture com o grupo israelense Strauss Coffee.
Em 2022 (ainda não saiu a receita de 2023), o grupo faturou R$ 9,7 bilhões. “Existe esse sonho também para Pernambuco, Bahia, Rondônia e Espírito Santo. Isso é uma revolução. Todo mundo da indústria do café está motivado. Os pequenos, os grandes, todos estão dentro desse negócio”, afirma o executivo.
Lima se refere à construção de novas unidades de pesquisa, como o Centro Rituais de Cafés Especiais 85+, destinado à análise e compra de grãos especiais que serão destinados a uma das 12 linhas do selo Rituais. A ideia da companhia é escalar os especiais. “A realidade é que a prosperidade existe”, diz o executivo. Atualmente, a empresa consegue processar cerca de 800 toneladas mensais de grãos especiais, do total de 18 mil toneladas que entram em suas unidades de beneficiamento.
“Mas é uma participação ainda muito, muito modesta”, afirma Lima, se referindo ao peso dos especiais. Do faturamento de 2022, segundo o executivo, R$ 600 milhões vieram desse setor, ou seja, cerca de 6% da receita. “Somos oriundos do café tradicional, mas não podemos ficar presos nisso a vida toda”, diz ele, embora a Três Corações já seja líder de market share na oferta brasileira de cafés especiais, com 65% do mercado, de acordo com os cálculos da consultoria Nielsen.
Para o produtor de café, o grão especial pode representar uma boa grana extra. A estimativa da empresa é colocar no mercado consumidor 250 mil sacas por meio do novo centro até o final de 2025, com os primeiros lotes para a linha Rituais comprados no final do ano passado.
O prêmio tem sido de até R$ 300 por saca para grãos acima de 80 pontos. Explicando o ganho, é o seguinte: hoje, uma saca de café convencional está em R$ 1,2 mil; uma saca do grão especial chega a R$ 1,8 mil e a 3corações paga R$ 2,1 mil, praticamente o dobro ao produtor. A empresa diz que as negociações ocorrem caso a caso, levando em conta a pontuação do grão.
Mais pontos, mais valor e mais mercado
Um exemplo de peso do grau de valorização desse mercado pode ser medido pelo frisson em torno dos lotes campeões do Cup of Excellence, concurso de qualidade da BSCA, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e a Alliance for Coffee Excellence (ACE). No ano passado, os cafés mais valorizados do concurso alcançaram quase R$ 30 mil por saca.
“É uma construção de novos hábitos. Estamos falando sobre o consumidor experimentar e gostar de café especial no Brasil”, diz Patrícia Carvalho, 30 anos, consultora de cafés especiais da companhia e também produtora. “Aqui, o céu é o limite e a realidade é essa. Tudo vai depender da receptividade dos consumidores. O mercado de café cresce 20% ao ano e o de cafés especiais, 15%, de acordo com a BSCA.”
A Três Corações promove os grãos especiais no país desde 2014, quando lançou o café Reserva da Família por meio da Santa Clara, uma de suas 30 marcas – a primeira delas –, que é líder em vendas nas regiões Norte e Nordeste. Em 2018, foi a vez dos projetos Florada e Tribos, que se baseiam em concursos de microlotes adquiridos a cada safra. No caso do Floradas, a partir de uma base com cinco mil mulheres produtoras de café. Para o Tribos, a partir de duas terras indígenas em Rondônia, onde o café produzido é do tipo robusta e totaliza três mil sacas por ano, ou cerca de 1% da produção estadual. Com a novo centro, a empresa quer expandir essa base.
Carmen Lucia “Ucha” Brito, presidente da BSCA que estava na inauguração do novo centro de pesquisa, diz que foi em 2017 que a 3corações procurou a entidade para idealizar esses projetos. “Lá, já ousávamos falar em uma produção de cinco a seis milhões de sacas de cafés especiais no Brasil, por safra. No início, eram cerca de 100 mil sacas”, disse ela . “Hoje, já estamos falando em oito, quase nove milhões de sacas.” A estimativa é que produza atualmente oito milhões de sacas de grãos especiais, 15% do total. Nessa corrida, além da Três Corações, estão nomes como Nestlé, Starbucks, illy Caffé e uma série de fazendas com marcas próprias, como Orfeu, Baggio e Fazenda Rio Verde, entre outras.
Para a convidada especial da Três Corações na inauguração do centro, Vanusia Nogueira, os cafés especiais precisam acessar mercados. Presidente da OIC (Organização Internacional do Café), com sede em Londres, desde 2022, Vanusia foi presidente da BSCA por 13 anos. “Em termos de investimento para a expansão, a iniciativa privada tem feito muito, como o exemplo que estamos vendo aqui hoje”, disse ela. “Há, também, exemplos de outras indústrias e cooperativas que estão trabalhando muito. Isso aqui não é pouca coisa.”
Vale registrar que no novo centro a 3corações vai oferecer ao produtor o protocolo do Programa Coffee Verified, também lançado no final do ano passado e que garante a origem rastreada dos grãos, além do que ela denominou Centro Rituais Educa, uma plataforma de aulas gratuitas e concursos de qualidade.