Um anúncio um tanto inesperado ocorreu na última semana do mês de julho: a administração do presidente dos EUA, Joe Biden, iniciou a distribuição de US 2 bilhões (R$ 11,3 bilhões na cotação atual) a milhares de agricultores que enfrentaram décadas de discriminação apoiada pelo governo norte-americano.
Durante quase um século, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) limitou o acesso destes agricultores a subsídios federais, perdão de dívidas e outros programas que serviram de tábua de salvação para uma base de agricultores majoritariamente brancos. O tão esperado pagamento, criado por da Lei de Redução da Inflação de 2022, surge depois de quase dois anos de atrasos, contestações judiciais e resistência da maioria dos legisladores eleitos pelo Partido Republicano.
Enquanto as explorações agrícolas de propriedade de negros e de minorias esperavam, algumas delas sofreram perda de terras e confisco. Ao aplaudir o anúncio há muito esperado do presidente Joe Biden, o advogado e defensor da igualdade racial, Todd Belcore, descreveu o momento como agridoce.
Faltando menos de 100 dias para as eleições de novembro, Biden e a vice-presidente Kamala Harris, agora candidata democrata à presidência, tiveram de cumprir a promessa eleitoral de 2020 de reparar alguns dos danos causados pelo governo federal aos agricultores negros e minoritários que tentaram solicitar empréstimos agrícolas ou pagar seus empréstimos garantidos pelo governo federal.
“Por muito tempo, muitos agricultores e pecuaristas sofreram discriminação em programas de empréstimos agrícolas e não tiveram o mesmo acesso a recursos e apoio federais”, disse Biden em um comunicado. “Prometi abordar essa desigualdade quando me tornei presidente. Hoje, essa promessa se tornou realidade.”
Como parte do anúncio de Biden, o USDA começará a fazer pagamentos imediatos a 43.000 beneficiários em todos os 50 estados, sendo os beneficiários do Alabama e do Mississippi os que receberão mais. O pagamento médio é de US$ 82 mil (RS$ 460 mil), valor que John Boyd Jr., presidente da Associação Nacional de Agricultores Negros, comemorou com cautela.

John Wesley Boyd Jr., presidente e fundador da National Black Farmers Association, na sua fazenda em Baskerville
Boyd, que trabalhou durante décadas para corrigir erros discriminatórios que assolaram os agricultores negros e minoritários, rapidamente apontou a situação dos agricultores negros que têm perdidos seus empreendimentos agrícolas familiares.
“Não é como trabalhar no McDonald’s, onde você pode conseguir outro emprego no Hardee’s. Quando você perde sua fazenda, perde sua história”, disse Boyd. “A perda não é apenas financeira, mas também cultural e pessoal. Significa perder o cemitério da sua família (nr. país permite nas fazendas), a sua identificação e todas as coisas da comunidade em que você vive. Essas perdas são insubstituíveis”.
Embora os recursos vindos da administração Biden forneça alguma ajuda atrasada aos agricultores negros e minoritários da América do Norte, o seu atraso na entrega e as décadas de danos que ocorreram anteriormente deixaram uma marca indelével na comunidade de agricultores negros. Durante décadas, as práticas discriminatórias da agência bloquearam o seu acesso aos números da Agência de Serviços Agrícolas necessários para se candidatar a programas federais para o setor.
Sem esses números, os agricultores negros e minoritários teriam acesso limitado a subsídios agrícolas, empréstimos e perdão de dívidas. Essas tábuas de salvação federais, disse Belcore, mantiveram em funcionamento muitas pequenas fazendas de pessoas brancas.
- Inscreva sua empresa na lista Forbes Agro100 2024
-
Siga a Forbes no WhatsApp e receba as principais notícias sobre negócios, carreira, tecnologia e estilo de vida
- Siga a ForbesAgro no Instagram
Enquanto isso, as terras agrícolas dos negros foram executadas, apreendidas ou vendidas por centavos de dólar. Na virada do século 20, quase 14% dos agricultores dos EUA eram negros, possuindo cerca de 6,5 milhões de hectares. O Censo Agrícola realizado recentemente pelo USDA mostra que apenas um em cada 100 agricultores negros possuem terras, hoje em uma área de menos de 2 milhões de hectares.
“Barreiras sistêmicas estão impedindo que os agricultores negros produzam em grande escala, seja no acesso de quantias de dinheiro significativas provenientes de órgãos como o USDA ou mesmo no acesso ao crédito”, disse Belcore. “Devemos chamar mais atenção a estas questões significativas para que os agricultores negros em toda a América do Norte possam ter o contributo financeiro necessário para uma produção que lhes permita alimentar não apenas as suas comunidades locais, mas também regiões inteiras.”
Trabalhando na interseção entre defesa de direitos, narrativa de histórias e mudanças políticas estaduais e locais, Belcore, em colaboração com o Black Oaks Center, tem estado na ponta da lança na luta pelos agricultores negros e pelas fazendas pertencentes a minorias. No seu estado natal, Illinois, o professor adjunto de direito ajudou os legisladores a redigir a Lei dos Agricultores Distressed, que teria proporcionado uma injeção direta de dinheiro aos agricultores que sobreviveram e continuam a suportar o fardo da discriminação histórica.
Embora o projeto de lei não tenha sido aprovado em maio de 2024, a luta legislativa contou como parte de um esforço mais significativo para enaltecer as histórias não contadas dos agricultores negros e a discriminação moderna que enfrentam diariamente.
“À medida que mais histórias sobre agricultores negros são contadas, mais pessoas são lembradas sobre sua ancestralidade e sua conexão com a agricultura”, disse Belcore. “À medida que contamos essas histórias, mais pessoas sentem a necessidade de voltar para casa e reconstruir a sua relação com a terra.”
Além de apenas trabalhar na legislação, Belcore e sua organização desenvolveram um banco de sementes para garantir que os agricultores tenham sementes resilientes e viáveis, um repositório de equipamentos para compartilhar alguns dos equipamentos do século 21 que produzem resultados tangíveis e um programa de aprendizagem para manter viva a agricultura negra, por gerações.
Esta narrativa também está ligada à riqueza geracional. A atriz Tammy Townsend, conhecida por seu papel em Queen Sugar, uma série que retratou vividamente a luta dos agricultores negros para preservar suas terras, disse que a ligação é crítica agora, mais do que nunca, à medida que a América Negra se une em torno de campanhas como “Buy Black” e “Bank Black”.
“Devemos implementar urgentemente leis que protejam os agricultores negros para garantir os seus meios de subsistência e futuro”, disse Townsend. “Esta questão vai além da provisão imediata; desmonta sistematicamente o caminho para a criação de riqueza geracional. A luta dos agricultores negros afeta não apenas o seu futuro, mas o legado que deixam para as gerações vindouras.”
Boyd exortou os membros da comunidade negra a se juntarem à luta para acabar com a discriminação enfrentada pelos agricultores negros.
“Durante décadas, temos lutado para acabar com a discriminação enfrentada pelos agricultores negros, e temos feito isso sem o apoio real e material da América Negra”, disse Boyd. “Portanto, enquanto a América branca nos chuta, a América negra não tem feito nada para nos apoiar.”
Belcore ecoou essas críticas, exortando os membros da comunidade negra a se envolverem na luta para recuperar o poder da agricultura negra. Ele acredita que isso pode acontecer de várias maneiras, incluindo as compras conjuntas e coletivas, visitar fazendas negras em todo o país e desenvolver ferramentas que criem um acesso mais prático aos mercados de agricultores negros e às lojas online. “A maior ferramenta econômica que temos é apoiar a nossa”, disse Beclore.
*Richard Fowler é colaborador da Forbes EUA, Fox News Media, da BET.com, Google, Pinterest, Society of Human Resources Management e Congressional Black Caucus. É professor adjunto de jornalismo na Universidade de Georgetown.