Foi-se o tempo em que o senso comum era de que a IA, especialmente a IA generativa, fosse uma espécie exótica ainda encontrada principalmente no Vale do Silício, na Califórnia, terra das big techs globais de tecnologia, como Apple, Facebook e Google. É também, uma percepção, de que poucas empresas — talvez cerca de 5% ou 6% — começaram a utilizar a IA generativa em seus processos de produção. Mas hoje já há evidências que contradizem essas percepções.
Um exemplo do uso da IA generativa, que vale a pena prestar atenção, é o da Birchwood Foods, empresa familiar de embalagem de carne fundada em 1936, com sede em Kenosha, no estado do Wisconsin. Nem essa indústria, e nem mesmo Wisconsin – um lugar friorento com quase metade de seu território coberto por florestas –, são identificados como vanguarda do uso de IA. Mas na Birchwood, uma aplicação de IA em produção está salvando a vida de seus trabalhadores, ou pelo menos suas minorias.
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Nos últimos anos, a indústria de embalagem de carne dos EUA (a Birchwood não é um frigorífico, mas processa e embala carnes) se tornou um refúgio ocupacional para uma força de trabalho etnicamente e geograficamente diversa. Os cerca de 1 mil funcionários da Birchwood vêm de muitos países da América Latina, Ásia e África. Isso significa que eles frequentemente falam idiomas diferentes do inglês.
Você fala no idioma Tigrynia? Ou Wolof? E Hakha Chin? Os funcionários da Birchwood falam. (Vale registrar, são línguas faladas na Eritreia, Etiópia, Israel, Senegal, Gâmbia, Mauritânia, Guiné-Bissau, Mali, Myanmar, Índia e Bangladesh). Isso torna um pouco difícil comunicar informações importantes na empresa. E mais: é particularmente ainda mais difícil quando parte dos funcionários não são alfabetizados nem mesmo em suas línguas nativas.
IA para Saúde e Segurança
Historicamente, a Birchwood usava vídeos curtos para comunicar informações relacionadas à segurança e à saúde para seus funcionários. Esse é geralmente um meio eficaz de aprendizado, mas apenas se o público entender o idioma do vídeo. Era muito trabalhoso (e inviável para os locutores de língua inglesa) gravar vídeos em todos os idiomas falados pelos funcionários da Birchwood. Então, a empresa passou a usar legendas de uma empresa de tradução. Isso tornava a produção dos vídeos muito cara, além de muitos funcionários não conseguirem ler as legendas.
No início de 2023, Caitlin Hamstra, a gerente de Aprendizagem e Desenvolvimento Corporativo, disse a seu chefe que poderia tentar nova solução para esse problema, baseada em recentes desenvolvimentos em IA. Kim Crawford, chefe de RH, Segurança e Aprendizagem & Desenvolvimento da Birchwood, incentivou Hamstra a pesquisar novas tecnologias para traduções em aprendizado baseado em vídeo.Depois de experimentar vários modelos de linguagem generativa de IA e fornecedores diferentes, Hamstra encontrou uma startup britânica chamada Synthesia. Ela é especializada na criação de vídeos baseados em avatares a partir de textos, que podem falar em vários idiomas—131 no último levantamento, incluindo o português natural do Brasil. A Birchwood firmou um contrato de compra com a Synthesia em outubro de 2023, e Hamstra e o Supervisor de L&D, James Nolan, começaram a implementar o software.
Tradução que salva a comunicação
Desde então, a Birchwood tem sido muito produtiva com a tradução habilitada por IA. A empresa já criou 120 vídeos, cada um com até 6 minutos de duração. Eles usam avatares para as partes faladas, e os 131 idiomas disponíveis cobrem 95% dos idiomas falados nas fábricas. Crawford diz que dar instruções de trabalho aos funcionários em seus próprios idiomas gerou reações muito positivas. Isso ajuda, diz ela, com o engajamento, retenção, segurança e adesão ao trabalho.
Cada vídeo normalmente destaca etapas importantes que orientam a tarefa específica de trabalho, como a Birchwood executa uma tarefa e por que ela é realizada daquela forma. Também é possível criar uma apresentação sobre um problema específico gerado por um colaborador na fábrica. Ele ou ela pode usar o assistente de IA com alguns slides, escolher um tom, público e atitude, e criar um vídeo em questão de minutos. Alguns cursos padrão que já haviam sido criados na Birchwood, por exemplo, sobre conservação de água, foram traduzidos para novos idiomas.
A Birchwood pode usar a tecnologia para criar rapidamente novos conteúdos. Por exemplo, uma noite houve um pequeno acidente com ferimentos leves, mas preocupantes, em um armazém envolvendo uma empilhadeira e um caminhão. Para a comunicação, estava na hora de agir. Na manhã seguinte, a Birchwood foi capaz de criar rapidamente um novo vídeo de 5 minutos nos idiomas usados pelos operadores de empilhadeiras. Os novos vídeos são então colocados em tablets para supervisores, que garantem que os funcionários relevantes os assistam rapidamente.
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Para todos os vídeos, Nolan explica que a Birchwood tenta garantir que as traduções sejam precisas. Depois que o software da Synthesia cria a tradução, disse ele, a Birchwood chama o melhor tradutor humano disponível para validar a qualidade da linguagem. Se a tradução não for precisa em algum aspecto, eles podem fazer edições no momento. Também podem editar as ações do avatar ao explicar o tópico. “Não esperamos perfeição. Só queremos alcançar o maior número possível de funcionários”, diz Crawford.
Desde que a Birchwood começou a trabalhar com a Synthesia, a empresa usou a tecnologia de IA generativa para criar mais de 20 novos avatares com movimentos mais realistas. A Synthesia coloca que está cada vez mais capaz de criar avatares realistas baseados em pessoas reais—o que alguns podem chamar de “deepfakes”, mas a empresa prefere chamar de “mídia sintética.” Isso significa que vários stakeholders, clientes como a Birchwood — incluindo seu CEO — poderiam introduzir e narrar vídeos e aparecer falando em vários idiomas diferentes.
Embora muitos observadores tenham preocupações justificáveis sobre o impacto potencialmente negativo da IA nos meios de comunicação, é importante lembrar os atributos positivos da tecnologia. Com ferramentas como a Synthesia e com a IA generativa de forma mais ampla, as barreiras de comunicação por causa do idioma certamente continuarão a cair. Pode ser que o conceito de “língua estrangeira” em si se torne passado no futuro.
*Tom Davenport é colaborador da Forbes EUA, professor presidente de TI e gerenciamento do Babson College, Digital Fellow da Iniciativa sobre Economia Digital do MIT e consultor sênior da prática analítica e cognitiva da Deloitte. Já foi professor em Harvard e nas universidades de Chicago e do Texas. É consultor da McKinsey, EY e Accenture.