Daniely Silva Bonfim, abraçada à mãe Elis Regina Nascimento Silva – na foto acima –, fez aniversário no dia 2 de setembro. Completou 14 anos e, para ela, essa foi uma data muito mais importante que outros aniversários passados: “quero ser advogada”, diz a menina. Se depender da mãe, que tem 36 anos, e do pai, Diran dos Santos Bonfim, 46 anos, os planos de Daniely se tornarão realidade. Filha de produtores de cacau em Ituberá, município no litoral baiano a cerca de 140 km ao norte de Ilhéus, Daniely tem em seus planos ser uma aluna da Casa Familiar Rural de Igrapiúna, que fica a cerca de 10 km da propriedade dos pais. A idade mínima para concorrer a uma vaga são justamente os 14 anos que agora ela tem.
Os planos da filha de fazer faculdade, e a convicção de que lugar de criança é na escola, faz parte de uma mudança radical da família, que em 2018 comprou 4 hectares de terras. Em 2021, Elis e Diran começaram a produzir cacau em apenas 1 hectare; os outros 3 são de floresta. “O cacau está fazendo a gente mudar, porque está valendo mais”, diz Elis Regina, que nasceu no sertão de Botuporã, a 600 km rumo ao interior do estado. Ela se refere ao aumento do preço do cacau no mercado, um movimento global puxado pelo aumento da demanda e por questões sanitárias que afetaram a fruta no Brasil e em países de destaque, como Costa do Marfim e Gana, ambos na África.
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“Minha mãe teve duas filhas e a gente cuidava de terras. Eu quero que minhas filhas trabalhem por elas mesmas”, afirma. Elis Regina, que não tem instrução escolar formada, como a mãe, também é mãe de duas meninas: Daniely é a mais velha, a outra tem nove anos. “Eu aprendo bastante em casa, mas na escola vou aprender mais sobre agricultura do cacau”, diz Daniely. Quando indagada como se vê, na lá na frente uma advogada, ela não hesita: “eu vejo muita esperança, porque minha mãe ama essa terra, que eu também amo. No futuro, vou estar aqui ajudando meus pais, quando estiverem bem velhinhos.”
Para Elis, o futuro das filhas passa pela escola familiar rural por causa da educação de qualidade, um item precioso no currículo e que ganhou fama entre os produtores da região. “Eu me adaptei à roça e me apaixonei pelo cacau. E espero tudo da escola familiar para minha filha. Que ela se torne uma técnica e que siga seu caminho. Eu estarei velhinha, aqui, na roça.” Elis e o marido integram o programa Cacau Mais, uma iniciativa que reúne 14 municípios em consórcio, o chamado Ciapra Baixo Sul, que tem por objetivo levar orientação técnica visando o aumento da renda dos produtores locais.
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Antes de fazer parte do CacauMais, a família tirava entre 2 arrobas e 2,5 arrobas de amêndoas no hectare cultivado, por safra. Na safra encerrada foram 30 arrobas e na safra em andamento a estimativa são 40 arrobas, o que equivale a 600 kg de amêndoas de cacau. Vale registrar que a média de produção na região do litoral sul da Bahia é de 180 kg de cacau por hectare. Na propriedade, eles também cultivam um pouco de banana, quiabo, jiló e coentro, gerando uma renda complementar.
A escola dos planos de Daniely, a Casa Familiar Rural de Igrapiúna, foi fundada em 2007 pela Fundação Norberto Odebrecht, uma ideia do empresário que faleceu em 2014 e que conta com apoios como os da Michelin e do sistema FIEB/Sesi, da Federação das Indústrias do Estado da Bahia.
Um projeto de educação
Além de Igrapiúna, há uma casa no município de Nilo Peçanha e outra em Tancredo Neves. Até o ano passado, passaram pelo projeto cerca de 2 mil jovens. Em 2023, no curso que tem a duração de três anos, 41% dos formandos eram meninas. “Eu quero ser melhor e independente”, diz Keyla Carmen. “Sou protagonista da minha vida no campo”, diz Beatriz. “Quando se fala em agricultura familiar, as pessoas pensam logo em trabalho pesado, mas precisamos também de trabalho mental e intelectual”, diz Ana Vitória Leite Santiago, professora na Casa Rural de Igrapiúna, que do total de formandos responde por cerca de 300 alunos.
A escola utiliza a pedagogia da alternância, na qual os alunos têm parte das aulas na própria escola e parte do tempo estão nas propriedades rurais, colocando em prática os ensinamentos. Mas não é fácil ser aprovado entre os candidatos a alunos, que passam por um funil de exigências pesadas. Todos os anos, entre 300 e 400 tentam. Os jovens que se inscrevem a uma vaga precisam ser filhos de agricultores, ter interesse no curso técnico e no negócio da família, e estar na idade entre 14 e 18 anos. Aprovado nesta etapa, as famílias ainda recebem visitas de seleção.
Natiele dos Santos Menezes, de Itaperoá, conta que desde os cinco anos sonhava em estudar na escola. Atualmente, ela está no terceiro ano e sua formatura ocorre no final de 2024. “Meu primo estudava na escola e me chamava para ajudar ele. O desejo de estudar veio daí e em 2021 entrei”, diz ela. “Hoje, tenho muitos projetos que são meus”. Ela vai elencando vários: intervenções na lavoura de cacau da família; avicultura de corte e postura; beneficiamento do chocolate e cultivo de culturas anuais, como hortaliças, milho, mandioca e feijão. “Quando terminar o curso vou fazer agronomia, trabalhar para comprar uma propriedade para mim e continuar no campo”, diz ela.
A família de Tabito Araújo, de 17 anos e hoje cursando o segundo ano na escola, tem um propriedade de 3,8 hectares. “Claro que a gente aprende mais fácil por causa das práticas”, diz ele. Na propriedade da família, que também tem 1 hectare de cacau, a produção saltou de 100 arrobas por hectare, para 140 arrobas. Ele conta que no início o pai não o ouvia, mas isso mudou. “Tem muito pai que gostaria de estar no lugar do filho aqui na escola”, afirma. “A nossa disciplina gera confiança e consolida o respeito em nós.”
E Tabito continua: “Ainda há muito preconceito sobre agricultores. Que para nós é enxada e não a caneta. Mas na escola é totalmente diferente. Aqui, aprendemos que para ser um agricultor, ou uma agricultora, precisamos ter ciência”, diz ele. “Antes, eu era leigo com cacau e com a escola aprendi práticas de manejo. E pude transformar minha vida e minha área de cacau. E a gente aprende também a administrar direito o dinheiro. Por exemplo, com as histórias de empreendedorismo onde aprendemos a investir, a recuar quando precisa, a fazer análise ambiental e social” afirma Tabito. O que quer para o futuro, ele deixa bem claro: “Quando a gente consegue ter essa comunhão com os outros, a vida fica totalmente diferente. Descobri que a agronomia é uma paixão muito grande em mim.”