Em 2024, os preços do cacau na Bolsa de Nova York registraram várias máximas históricas. Não foram poucos os momentos de picos, a peso de ouro. A amêndoa começou o ano mostrando a que veio logo em janeiro. A primeira subida, de 1,51% no dia 23, a US$ 4.634 por tonelada, foi recorde para o mês. No dia 5 de fevereiro, em quarto subidas consecutivas, os contratos foram à máxima para maio, a US$ 5.074 por tonelada.
No dia 26 de março, os contratos para maio novamente dispararam para uma alta histórica de US$ 10.080 por tonelada. E neste mês de dezembro veio a corrida maluca. No dia 13,, os contratos para março de 2025 fecharam a US$ 11.300 por tonelada, marcando oito altas consecutivas. No dia 16, um novo avanço para entregas no mesmo mês, elevou o cacau a US$ 11.821 por tonelada. No dia seguinte, para entregar a amêndoa em abril de 2025, a fruta era cotada a US$ 11.735 por tonelada. Nesta quinta-feira (19), a tonelada do cacau alcançou mais uma marca: US$ 12.565 no fechamento, mas durante o dia a cotação chegou a bater em US$ 13 mil.
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O déficit global de amêndoas de cacau é estimado atualmente em 500 mil toneladas. A Forbes conversou com Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), com sede em Brasília. A entidade reúne as três principais moageiras multinacionais que atuam no país, a norte-americana Cargill, a suíça Barry Callebaut e a inglesa OFI (Olam Food Ingredients), mais a brasileira IBC (Indústria Brasileira de Cacau). Elas respondem por 95% da moagem de todo o cacau produzido no Brasil. Confira:
Por que nestes últimos dias aconteceu na bolsa de valores um repique de preços tão acentuado ?
Havia uma expectativa de que o preço fosse se estabilizar num patamar mais baixo e acabou que dezembro nos surpreendeu. O mercado começou a perceber que aquela, talvez oferta, um pouco melhor para o próximo ciclo, não não vai acontecer. E as indústrias precisam de cacau, globalmente. Então, elas estão se prevenindo de um possível déficit maior do que se esperava.
Neste momento, no final do ano, não seria uma época para repiques de preços. Mas há expectativa de déficit na oferta. Por exemplo, o Brasil vai ter que importar cacau. Se já não chegou, por esses dias está chegando um navio com carga de cacau. E já tem mais algumas cargas contratadas para o início do ano. Todo mundo está correndo atrás para comprar o que tem ainda no mundo. Estão com medo de que lá na frente vá faltar cacau.
No Brasil, isso fica um pouco mais complexo por causa da alta do dólar. Isso também pesa no custo e na margem das empresas. Não tem como não repassarem, senão agora, num médio prazo.
O que está acontecendo agora, que é diferente do início do ano?
Em 2024, até o meio do ano, houve uma queima de estoque do que existia. Lembra que na época da Páscoa todo mundo falava “mas é o preço ao consumidor?”. Ele não aumentou porque aquele cacau da Páscoa já estava contratado a US$ 2 mil, US$ 3 mil a tonelada. Era cacau já comprado anteriormente. Aqui no Brasil isso não acontece muito, mas no mercado africano a amêndoa é comprada até um ano, ou pelo menos seis meses antes da safra. Então, havia um volume de estoque a preço antigo até meados de julho.
De agosto para frente isso já não existia mais. Quando saíram os dados do semestre estava lá: não houve queda na demanda global. Acredito que nos dados do último trimestre, que sairão em meados de janeiro, a gente vai ver uma queda na moagem porque, além de não ter produtos suficientes, começou a cair a demanda. Porque essa demanda, por mais que ela seja resiliente, a hora que o preço realmente chega na gôndola, o consumidor freia suas compras. É o que a gente tem visto.
Que resposta a indústria está dando a esse consumidor?
Os produtos podem vir com uma quantidade menor de cacau. Os chocolates vêm misturados a biscoito e frutas. Tem alguns que muitas vezes nem é considerado chocolate. Mas não há o que fazer na cadeia de suprimento. O que a gente tem visto é uma tentativa de aumentar essa oferta, mas é algo que não é rápido. O equilíbrio do mercado pode vir de duas formas: aumento de oferta ou queda na demanda. O aumento da oferta de cacau é algo que demora. Uma commodity como o cacau, para uma oferta que traga algum equilíbrio, pode demorar entre 5 e 10 anos.
E como atender o consumidor dos chocolates especiais e os bean to bars, por exemplo? Aquele mercado dos cacaus 40%, 70% ou puro, em relação a preços?
O que a gente tem ouvido dos colegas da indústria do chocolate, quando se pensa em um produto que tem 60%, 70% de cacau, não há como não serem impactados. Com menos leite, menos açúcar, o cacau pesa bastante naquele custo e nem sempre se consegue repassar. É um dilema. Uma das estratégias para o consumidor continuar com o produto é reduzir o tamanho. Esse consumidor pode mudar de um cacau 70% para 60%, 50%, daí a importância de uma oferta de opções.
É uma estratégia para cada produto, para que o preço seja acessível. Mas é um arranjo complexo e que vai ficar cada vez mais complexo com essa tendência da alta do preço. Embora esse consumidor de um chocolate mais fino tenha um poder aquisitivo maior, uma resiliência maior a esse aumento. O que eu escuto dos meus colegas, especialmente da Abicab (Associação Brasileira da Indústria de Chocolates Cacau e Amendoim). A indústria também está diversificando seus produtos para manter o consumidor, mesmo para aquele que não quer trocar de marca e nem de chocolate.
Então, significa que poderá haver novos recordes de preços?
Nos próximos anos, com certeza. Mas é difícil saber quando. O problema da cadeia do cacau – e isso também acontece com outras commodities – é a sua imprevisibilidade muito grande. No mundo, o cacau está muito concentrado numa única região. A crise climática, quando pensamos nela, para muitas commodities suas produções estão espalhadas em vários países do mundo. Pode ter um problema aqui e não ali. No caso do cacau, 70% da produção mundial está em única região, que sendo impactada gera imprevisibilidade. Para 2025, diria que vai ser um ano de volatilidade. É o esperado.
Veremos o que, pela frente?
Temos de tentar, minimamente, olhar o copo meio cheio. E qual é o copo meio cheio? Existe um potencial de crescimento e investimento nas regiões produtoras, globalmente. Há um entendimento de que é preciso continuar investindo, pelo potencial, tamanho e importância que a cadeia do cacau tem para África, por exemplo. Não se pode, simplesmente, virar as costas e deixar para lá, porque socialmente, inclusive, seria desumano. Mas é preciso também trazer uma produção mais diversificada em outros mercados. Por isso as Américas começam a despertar interesse dos investidores globais e o Brasil, em especial, porque já tem produção. O que precisa é melhorar sua produtividade.
Preços recordes no cacau ajudam a acelerar investimentos em que medida? Porque, em geral, são pequenos e médios produtores em sua grande maioria.
O que temos visto no campo é que com os atuais preços o produtor começa a pensar em resolver os gargalos de produção. Então, ele melhora o uso da terra, utiliza produtos que possam melhorar a produtividade, começa a melhorar a mão de obra com pessoas mais especializadas, olha para a mecanização nas áreas onde já é possível.
Entre os grandes produtores, que são mais empresariais, eles não se sentiam atraídos pelo cacau. Mas isso tem começado a mudar. No Brasil, locais que tradicionalmente não se pensava em cacau, agora há projetos, como no Oeste da Bahia, Tocantins, Mato Grosso e São Paulo.
Que parte interessa à indústria esse fomento de novas áreas, já que a concentração das moageiras está na Bahia?
Se a demanda por cacau cai, há problema em manter as fábricas funcionando. E não é isso que a gente quer. Entendemos que o ajuste por meio da demanda fomenta a produção globalmente. Aqui no Brasil temos o conforto de contarmos com todos os elos da cadeia, da produção à industrialização e consumo. E a produção está longe da demanda nacional. Então, há um potencial de crescimento muito grande.
Sobre imprevisibilidades, como minimizá-las?
Precisamos de dados de cadeia. A imprevisibilidade em relação às safras acontece no Brasil e no mundo. Tenho conversado com técnicos e eles dizem que se houvesse um trabalho de análise de solo constante, de monitoramento do estado das lavouras teria sido possível ver que elas estavam ficando enfraquecidas, com as perdas para a questão climática. Poderia ter sido feito um trabalho de prevenção, um trabalho de política pública de um manejo, de assistência técnica para o produtor mais adequado para a gente prevenir crises.
Não é só no Brasil, é globalmente necessário começar a trazer essa discussão: como podemos prevenir crise, porque cada vez mais teremos extremos climáticos e o cacau é uma planta muito afetada. Faz muito sol, ele é afetado; faz pouco sol; ele é afetado. O cacau é muito complexo e é uma planta muito sensível. Então, a gente precisa de um máximo de tecnologia. E hoje a tecnologia não é um forte dessa cadeia.
Há políticas públicas que poderiam ser implementadas para ajudar a equilibrar o mercado e evitar novas oscilações extremas?
Globalmente, e aqui no Brasil, precisamos de políticas públicas de incentivo ao aumento da produção. Não sei o que fazer na África, mas no Brasil precisamos de créditos a custos acessíveis aos produtores, independente do seu tamanho. É fundamental que possam investir em suas propriedades e ampliar a produção com ganhos de produtividade maiores.
Políticas públicas de crédito podem ajudar na solução de gargalos que precisam ser eliminados. As mudas de cacau, por exemplo. Não temos hoje como produzir as mudas para as tais 400 mil toneladas almejadas de cacau. Acho que são cerca de 30 milhões de mudas por ano e não temos essa produção.
No curto prazo é possível algo com efeito imediato?
É muito difícil ter algo com efeito imediato que não seja intervencionista. E aí, a intervenção do estado, pensando em preço, nunca é positiva. Ela sempre traz reflexos negativos.