Grazielle Parenti, 54 anos, head de sustentabilidade e assuntos corporativos da Syngenta para a América Latina, acaba de assumiu no segundo semestre de 2024 um posto no board internacional da companhia. Somando ao atual cargo, ela passa também a head de alianças da cadeia de valor global do Syngenta Group. A executiva agora lidera uma equipe espalhada pelo mundo, a partir do Brasil, da multinacional de insumos químicos e biotecnológicos que em 2023 faturou globalmente US$ 32,2 bilhões (R$ 171,1 bilhões na cotação de outubro de 2024). Executivos alçados a cargos é uma dança comum no mundo corporativo, mas não quando se trata de mulheres. No agro, as Grazielles são ainda raras, embora elas venham ocupando espaços.
Há uma nova geração de mulheres que atuam nas cadeias produtivas alimentares e de bioenergia dizendo “sim, eu quero estar no topo entre os(as) C-Level”. “Lidero agora uma área chamada Value Chain Alliances, que existe para criar modelos de negócios sustentáveis, unindo todos os elos da cadeia em um esforço conjunto. Meu foco está na sustentabilidade, mas com objetivos comerciais também, e é desafiador”, diz ela.
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O relatório Women in the Workplace 2024, da McKinsey e LeanIn.Org, mostra que as mulheres ocupam atualmente 29% desses cargos, aumento notável em relação aos 17% em 2015. Isso já transparece nos boards das empresas, em cargos nos conselhos de administração, consultivo, diretorias executivas e comitê de governança corporativa.
A maior parte delas age sem muito alarde nesses mecanismos de poder. Mas elas estão lá. Nos boards das 10 maiores da lista Forbes Agro100, publicada nesta edição da Forbes Brasil, entre as empresas nacionais, todas têm mulheres nesses cargos: Raízen e Ambev com mais presença, em torno de seis cada, mas há também nomes na JBS, Marfrig, Copersucar, BRF e Amaggi.
Caminho Para Cargos Mais Altos
Grazielle diz que, apesar de avanços, o caminho até os cargos de alto nível para mulheres ainda é marcado por desafios. Em um setor no qual a presença feminina é minoria, especialmente em posições de decisão, ela tem claro que representa muitas outras mulheres que não têm a mesma oportunidade. “Cada vez que estou em uma sala e sou a única mulher, trago comigo o peso de representar outras. Eu penso: ‘meu comentário, minha ação precisa fazer com que as mulheres se orgulhem’. Isso é necessário.”
O caminho até a liderança feminina, ela acredita, depende tanto da própria persistência quanto do apoio de aliados, sejam homens ou mulheres. “A gente precisa de aliados. Eu tive homens que foram fundamentais para a minha carreira, como Pedro Parente, que confiaram em mim, me promoveram e me deram espaço”, diz ela.
Parente, embora tenha o mesmo sobrenome, não tem grau de parentesco com Grazielle. Ele começou como auxiliar lá em 1971, no Banco do Brasil, e chegou a presidente do Banco Central; foi ministro e chefe da Casa Civil em governos dos anos 1990, presidente da Petrobras, da BRF e da Bunge. Na Syngenta, ele é conselheiro há cinco anos. “E também tive mulheres que foram líderes referências”, afirma Grazielle. Hoje, no board internacional da Syngenta, ela responde a uma mulher: Petra Laux, que fica em Basel, na Suíça, onde está a sede da companhia.
Petra começou na GlaxoSmithKline, passou para a Novartis International AG e, desde 2019, está na Syngenta. Em 2021, ela se tornou head global de sustentabilidade e, em janeiro de 2024, diretora de sustentabilidade e assuntos corporativos, convocando a brasileira para seu time.
Para ser vista, Grazielle acredita que não basta ter competência técnica, porque as chamadas soft skills têm um papel determinante. “Soft skills não são apenas ser simpática. São a capacidade de construir confiança, resiliência, ouvir, saber o momento certo de se manifestar e, principalmente, entender que as pessoas são diferentes. Hoje, eu vejo que construir uma liderança é saber ser colega, saber colaborar e construir aliados, mesmo com concorrentes.”
Segundo a executiva, essa é a chave para o longo prazo. A psicóloga Andrea Oliveira diz que a capacidade de gerir pessoas e relações – que é a definição dela de soft skills – é um atributo que o cenário atual exige de forma contundente. Porque hoje quatro gerações convivem no ambiente de trabalho.
“Se você não souber gerenciar conflitos e valorizar as diferenças, não funciona”, afirma Andrea, que há 13 anos é head de RH & GA (siglas de recursos humanos e administração geral) para a América Latina na Sumitomo Chemical. A empresa, que fabrica e vende químicos e biológicos, faz parte da lista Forbes Agro100. Em 2023, a receita da Sumitomo Latam foi de R$ 6,26 bilhões, valor 67,4% acima do ano anterior, o maior crescimento percentual entre as 100 destacadas.
No mundo, o Sumitomo Group, multinacional japonesa com sede em Tóquio – criada no século 17, lá nos anos 1600 –, é um negócio estimado em US$ 120 bilhões anuais, dos quais US$ 20 bilhões vêm da Chemical. A habilidade de conectar-se com pessoas, segundo Andrea, é fundamental para quem deseja liderar.
Esse processo passa por uma liderança humanizada, que valoriza o respeito e a empatia, mas sem perder o foco em resultados. “Comando e controle já não têm mais lugar. O líder precisa estar próximo, precisa apoiar”, diz.
Para Andrea, independentemente do ambiente, seja no escritório, seja na fazenda, o potencial humano é o que faz a diferença. “A liderança é parceria, e, quando há essa conexão, o resultado aparece naturalmente.”
Na Sumitomo Chemical, iniciativas voltadas para a liderança feminina têm ganhado força. A executiva fala da importância de programas de mentoria que proporcionam não apenas o desenvolvimento profissional, mas também a ampliação da consciência e da autoconfiança das participantes.
“As mulheres saem mais empoderadas, acreditando no seu potencial”, afirma. E repete o que diz Grazielle: “Quando você vê uma mulher chegando lá, você percebe que é possível. O exemplo inspira.” A Sumitomo Chemical tem cerca de 700 funcionários no Brasil.
Uma Nova Geração de Mulheres
O movimento de tração de competências e lideranças não é uma característica apenas das empresas e corporações dos grandes centros. No interior do país, uma revolução também ocorre nas fazendas e tem a cara da nova geração de produtores rurais. Camila Carmo de Carvalho, 32 anos, é da Captar Agro, fazenda de gado de corte que termina os bovinos em confinamento.
No ano passado, a propriedade engordou quase 100 mil animais no sistema e, neste ano, já bateu em 130 mil. Em 2023, a receita com o gado foi de R$ 485 milhões. O confinamento é o maior da Bahia e um dos maiores do Brasil, localizado em Luís Eduardo Magalhães, município que se tornou referência em trabalho e inovação no agro.
“A ideia é produzir carne de qualidade, com rastreabilidade garantida”, diz ela, que começou no jurídico da Captar e, gradualmente, foi assumindo mais responsabilidades, incluindo a comunicação e o administrativo. Camila foi para a Captar em 2017, quando, recém-formada em direito pela Universidade Federal da Bahia, fazia planos de estudar para concursos. O negócio familiar – fundado por sua mãe e seu padrasto, Almir Moraes – não estava nos seus planos.
Hoje, ela brinca: “Meu trabalho pode me ‘matar’ de várias formas, menos de tédio. Um dia estou em uma reunião com o promotor; no outro, apresento o projeto para o governador; e no próximo estou no confinamento acompanhando o dia a dia. Esse dinamismo é o que eu mais gosto”.
Um dos projetos atuais é encontrar um sócio-investidor para construir um frigorífico exportador na região, investimento avaliado em R$ 1,2 bilhão. Porque, para ser vendido à China, o gado padrão exportação da fazenda é transportado por mil quilômetros, até Ituiutaba (MG), para uma das unidades da JBS, empresa que no ano passado faturou R$ 363,82 bilhões. “Nós já mostramos o projeto”, diz ela. “E vamos continuar mostrando sua viabilidade.”
O padrasto, que a apoia totalmente, é adepto desse protagonismo. Dos seus 32 anos, a convivência vem de 25. “Almir é um exemplo de visão de futuro e ausência de vaidade. É uma inspiração. Queria ser como ele, mas somos diferentes em muitas coisas”, afirma.
Sobre o futuro, Camila admite que ainda não há uma definição clara de sucessão, e ela própria mantém um negócio paralelo de marketing, buscando um equilíbrio entre diferentes interesses e possibilidades. “Às vezes, achava que precisava escolher entre uma coisa ou outra, mas tenho aprendido que é possível construir uma carreira multifacetada.”
Ana Carolina Zimmermann, que fez 30 anos em setembro, é a cara dessa nova geração. Ela é bolsista da Nuffield International Farming Scholars, organização do Reino Unido fundada em 1947 e dedicada ao desenvolvimento de líderes no agro; faz parte da Comissão de Novas Lideranças do Agro, da Confederação Nacional de Agricultura e Pecuária (CNA) e integra o Comitê de Segurança Alimentar Mundial (CFS), da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO).
“Contar as histórias do agro para o mundo é essencial”, diz ela. Engenheira de produção pela Universidade de Brasília (UnB), Ana Carolina se vê como parte de uma geração que equilibra tradição e inovação no agro brasileiro. Filha de um gaúcho e de uma goiana, apresenta-se como “goiúcha” e herdeira da paixão pela terra e pelo trabalho.
Na Charrua, uma revenda de insumos agrícolas, e na JLS, que faz agricultura, ela se divide entre Brasília e Goiás, onde atua em operações que somam 20 mil hectares, com culturas de soja, milho e feijão. Nos últimos três anos, ela também tem um projeto de pecuária, próprio. “É um trabalho dinâmico e desafiador, e cada projeto exige aprendizado constante.” A liderança, segundo Ana Carolina, é uma construção que se refina ao longo do tempo e está profundamente ligada a valores e influência.
“A palavra convence, mas o exemplo arrasta. Para mim, liderança é isso”, define. Por isso a importância dos programas de formação, prática que ela já aplica na própria Charrua, onde desenvolve a “Universidade Charrua” para capacitar novos líderes. “Nós, mulheres, enfrentamos pressões e expectativas diferentes, desde a conciliação com a maternidade até a resiliência para quebrar barreiras no setor. Por isso que, no agro, ainda há uma grande lacuna em cargos C-Level ocupados por mulheres.”
Essas barreiras só serão superadas quando a sociedade reequilibrar responsabilidades familiares e a presença feminina for vista em todas as áreas do agronegócio, não apenas em funções periféricas. Mas ela não tem respostas definitivas para o seu próprio futuro, embora diga que se prepara para chegar ao topo do comando da empresa familiar.
“Quero continuar como acionista, e, se o grupo seguir nesse caminho, estarei pronta para liderar”, diz. “Meu caminho, e o de tantas outras mulheres, está apenas começando. Estamos nos preparando para o topo, mas com um olhar que respeita o passado e entende o que a nova geração pode oferecer.”
*Reportagem publicada na edição 124 da Revista Forbes (digital e impressa)