Um passeio matinal em Los Angeles, nos EUA, mostra vistas que se espera encontrar: sol, palmeiras, influenciadores fitness e, cada vez mais, robôs de olhos esbugalhados percorrendo as calçadas enquanto entregam burritos de café da manhã. O número de robôs de entrega tem crescido gradualmente ao longo dos anos, e Los Angeles tornou-se um centro para sua utilização.
A Serve Robotics opera um programa de entregas em Los Angeles. A empresa, que possui ações negociadas publicamente, tem uma parceria com a Uber Eats e anunciou planos de implantar até 2 mil robôs em diversos mercados. A Coco, que tem Sam Altman, atual CEO da OpenAI, como um de seus primeiros investidores, já realizou mais de 400 mil entregas com centenas de comerciantes em diversos mercados. Já a Starship, que não deve ser confundida com o foguete da SpaceX, completou mais de 8 milhões de entregas em 100 áreas de serviço diferentes, incluindo cidades, campi universitários e locais industriais.
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O uso de veículos autônomos (AVs) para entrega de alimentos apresenta desafios, principalmente ao incentivar comerciantes e clientes a realizarem a tarefa adicional de carregar ou descarregar pacotes no veículo. Quanto mais longe o AV estaciona do estabelecimento ou da casa do cliente, menos agradável é a experiência. Nesse aspecto, os robôs de entrega levam vantagem. Com seu formato compacto, conseguem estacionar diretamente na porta de restaurantes e residências. No setor de conveniência, como o de entregas de alimentos, essa proximidade extra pode fazer toda a diferença.
A conveniência para o cliente não é a única área onde os robôs de entrega apresentam benefícios claros. Eles são significativamente mais baratos de construir e desenvolver do que veículos autônomos, que podem custar centenas de milhares de dólares. Por outro lado, os robôs de entrega têm custos que variam de milhares a dezenas de milhares de dólares, conferindo-lhes uma vantagem na comercialização.
Essas empresas também utilizam a teleoperação, ou seja, a capacidade de um operador controlar os robôs remotamente, o que permite que suas capacidades autônomas não precisem estar totalmente desenvolvidas para iniciar operações em novos mercados. A teleoperação reduz os custos de P&D e possibilita um futuro em que mão de obra de baixo custo em outros países possa realizar entregas nos Estados Unidos.
Os robôs de entrega também ajudam a reduzir o congestionamento nas cidades, movendo parte dos veículos das ruas para as calçadas. Como a Serve Robotics afirma: “Por que entregar burritos de 1 kg em carros de 2 toneladas?”. Usar as calçadas liberta os robôs do trânsito, o que, em áreas urbanas densas, pode resultar em entregas mais rápidas. A Serve afirma ter 95% das entregas realizadas no prazo, comparado a 83% dos entregadores tradicionais.
O uso de robôs menores também traz benefícios ambientais e melhora o fluxo urbano. No entanto, ainda não se sabe como o aumento no número de robôs de entrega impactará os espaços de pedestres. Se as empresas de micromobilidade, como Bird e Lime, servirem de exemplo, calçadas abarrotadas podem levar os reguladores a restringir seu uso.
Apesar dos benefícios potenciais, os robôs de entrega enfrentam dificuldades em realizar entregas de longa distância. O robô da Starship Technologies opera a uma velocidade máxima de 6 km/h (cerca de 3,7 mph), equivalente à velocidade de uma caminhada. Mesmo uma entrega de 3,2 km pode levar mais de 30 minutos para chegar à casa do cliente. Embora, em teoria, os robôs possam realizar entregas mais longas, é pouco provável que os clientes queiram esperar tanto, e tempos de trânsito longos podem resultar em refeições frias.
A menos que os robôs de entrega encontrem uma forma de operar em velocidades maiores, como nas ciclovias, grande parte de seu trabalho ficará restrito a áreas metropolitanas densas, com um raio de entrega limitado. Embora tenham potencial para reduzir custos operacionais, permanece a dúvida se o mercado total de entregas de curta distância será suficiente para sustentar esses negócios a longo prazo. Há indícios de que as empresas de robótica de entrega estão cientes desse risco.
A Serve Robotics adquiriu a Vebu, uma empresa de robótica alimentar que colaborou com a Chipotle no desenvolvimento do Autocado, um dispositivo que processa abacates. A Cartken arrecadou mais US$ 10 milhões em 2024 (R$ 61,6 milhões na cotação atual) para expandir suas operações, indo além das entregas em calçadas para o transporte de mercadorias dentro de fábricas e locais industriais.
Como a única empresa de robótica de entrega com ações negociadas publicamente, a Serve oferece insights valiosos sobre a economia desses robôs. No terceiro trimestre de 2024, a empresa reportou uma receita de US$ 221,5 mil (R$ 1,364 bilhão) dos quais cerca de US$ 180 mil (R$ 1,1 bi) vieram de entregas e branding, utilizando uma média de 59 robôs ativos diariamente. Isso significa que cada robô gerou cerca de US$ 3 mil (R$ 18.500) em receita nesse período.
Se a Serve atingir sua meta de operar 2.000 robôs e manter essa média de receita, pode-se esperar um faturamento de US$ 6,1 milhões (R$ 37,6 milhões) por trimestre. No entanto, com despesas operacionais totais de US$ 8,3 milhões (R$ 51,1 milhões) no terceiro trimestre, mesmo atingindo a meta, a empresa não seria capaz de sustentar suas operações. É provável que esse desafio tenha motivado a Serve a explorar novos mercados e adquirir a Vebu.
À primeira vista, a aquisição da Vebu pode parecer uma mudança significativa de direção para a Serve, mas existem muitas sinergias entre robôs de entrega e robôs de cozinha. A Serve já possui canais de vendas para alcançar restaurantes, e sua tecnologia exige integração com plataformas de pedidos, como o Uber Eats. O primeiro produto da Vebu é o Autocado, e a empresa se posiciona como uma fornecedora de automação alimentar.
Com a tecnologia da Serve, eles poderiam sincronizar o funcionamento de seus robôs na cozinha com os pedidos que chegam aos restaurantes. Embora o mercado de entrega de alimentos seja grande e continue a crescer, com receita projetada de US$ 350 bilhões (R$ 2,155 trilhões) nos EUA, em 2024, o setor de restaurantes é ainda maior, com vendas estimadas em US$ 1,4 trilhão (R$ 8,62 trilhões) nos EUA no mesmo ano. A pergunta que fica é: talvez o futuro da entrega de alimentos dependa menos de robôs de entrega e mais de robôs que preparam refeições nas cozinhas?. O mercado está aberto.
* Gustavo Castillo é colaborador da Forbes EUA. É engenheiro e escreve sobre o futuro da mobilidade e dos veículos autônomos. Tem MBA e M.S. em Engenharia Mecânica pelo MIT e B.S. em Engenharia Mecânica pela Loyola Marymount University.